Apesar dos desafios, mulheres destacam-se nos negócios graças ao apoio dos maridos

ECONOMIA SOCIEDADE

Os dados do Inquérito sobre o Orçamento Familiar (IOF) – 2022 apontam que o desemprego afecta 18% dos moçambicanos, sendo que entre mulheres a taxa de desemprego situa-se em 18,1% e nos homens 18,7%. Mesmo com a adopção das políticas de igualdade de género, as mulheres continuam a enfrentar barreiras no mercado de emprego. Para contornar a falta de emprego, abraçam o empreendedorismo. Orlanda Mazivila e Luísa Nhantumbo são mulheres que têm pequenos empreendimentos, tendo logrado sucesso devido ao apoio incondicional dos seus parceiros. Mas nem tudo é um mar de rosas, pois ainda persistem práticas culturais, aliadas a alguma masculinidade tóxica que continua a perpetuar violência económica e até patrimonial contra as mulheres que se queixam da falta de apoio dos seus parceiros, incluindo proibições de praticarem uma e outra atividade, o que trava o seu desenvolvimento.

 

Esneta Marrove e Jossias SixPense

 

Nos tempos que correm, poucas são as mulheres que abraçam o conformismo devido à falta de emprego. Empreender é um dos caminhos adoptados pelas mulheres para conseguir a independência financeira.

 

Orlanda Mazivila, de 36 anos de idade e mãe de três filhos, faz parte do rol das mulheres que não dependem exclusivamente dos seus parceiros. Mazivila decidiu se iniciar na costura com vista a ajudar o seu marido nas despesas de casa.

 

“Não trabalhava na altura, fazia apenas alguns negócios para ajudar o meu marido com as despesas, aí as coisas começaram a ficar apertadas que nem os negócios andavam. Foi quando meu esposo propôs ensinar-me a costurar. Lembro-me que fiz um pano de cozinha durante 3 horas, o meu marido estava todo impaciente, mas quando viu que posso sobressair nessa área continuou me ensinando, e só depois de 3 meses comecei a vender todos os jogos de cozinha que fazia, fui tendo mais clientes que o meu esposo”, lembrou sorrindo.

 

Apesar de estar a fazer um negócio que ajuda nas despesas de casa, Orlanda Mazivila contou ao Evidências que enfrentou muitos desafios pelo facto de ter abraçado um negócio tido como sendo para homens.

 

“No princípio as pessoas diziam que não levava jeito porque só um homem costura bem, situação que quase fez-me desistir, mas como tinha apoio do meu esposo nunca deixei. Um dia fiz uniforme escolar para uma criança e a bainha da saia saiu mal, os pais da menor fizeram confusão, mas graças a minha paciência consegui reverter a situação”.

 

Mazivila aprendeu a lidar com todos clientes para que o seu negócio continuasse quando o marido recebeu uma proposta para trabalhar na África do Sul.

 

“Aprendi a fazer camisas, vestidos, até pastas. Aos poucos fui conquistando os clientes que perdi por não conseguir fazer algumas coisas e quando meu marido voltou continuamos fazendo este negócio que hoje nos traz o sustento, por isso digo que negócio entre casais pode dar certo e render muito. Eu sou a prova disso”.

 

“Foi difícil acreditar nela, mas pude ver que com determinação e foco podemos chegar onde quisermos”

 

Costureiro há 15 anos, Custódio Cossa, Marido de Orlanda, diz que hoje orgulha-se da esposa que se mostrou determinada para ajudar a si e sustentar os filhos. Engane-se quem pensa que foi fácil para Custódio dar este voto de confiança a sua esposa.

 

“Parece que eu sabia que podia não estar sempre por perto, então decidi ensinar-lhe a costurar, ouvi muitos comentários maliciosos das pessoas dizendo que ela não leva jeito, outros diziam que caso ela aprendesse podia tirar os clientes, coisas que quase me fizeram pensar que ela não levaria jeito para o trabalho, mas a voz falou mais alto e hoje somos uma dupla imbatível no ramo de costura aqui na zona”, contou.

 

Mário Nhantumbo e Luísa Nhantumbo fazem parte do rol de casais que decidiram abrir um negócio juntos e actualmente são uma referência na criação de frangos na capital moçambicana, Maputo. A decisão de empreender surgiu quando os dois perderam os seus respectivos empregos.

 

“A motivação partiu daí e uma prima que fazia o negócio de mukhero em Ressano disse que frango é rentável, no começo receamos por ser um negócio que por vezes perde-se muitos pintos e não queríamos perder, depois de tanto que já havíamos passado, mas fomos investigando um pouco mais sobre a área e decidimos começar e hoje somos consideradas as pessoas com os melhores frangos da praça”, disse Mário Nhantumbo.

 

Para a sua esposa, Luísa Nhantumbo, ter feito esse negócio com o marido significa que a união faz a força. “Hoje, eu posso dizer que negócio entre casal rende, e posso provar, negócio entre casal não torna a mulher menos mulher ou menos empoderada”, conta.

 

Por seu turno, Pedro Mahumane, activista social e presidente da Rede Africana de Adolescentes e Jovens sobre População e Desenvolvimento (AFRIYAN), referiu que quando se fala da igualdade de género há preconceitos em relação à mulher.

 

“No nosso país, ainda encontramos pessoas que definem certos papéis e trabalhos para a mulher, daí que encontrar um homem que luta pelos seus sonhos e da sua esposa contra todos os preconceitos sociais é motivo de congratular”, disse.

 

Já a socióloga Albertina Manhiça diz que os tempos são outros e as coisas tendem a mudar.

 

“Se as coisas continuarem nesse rumo, teremos uma sociedade menos violenta e mais promissora”, sustenta.

 

Mulheres do sector informal queixam-se de falta de apoio dos seus parceiros na Cidade da Beira

 

Apesar de avanços notáveis no empoderamento económico das mulheres, através de várias iniciativas no sector informal, as mulheres têm sido o rosto de diversas actividades. Em vários locais como mercados, as mulheres ainda se deparam com enormes desafios, principalmente as que vivem com seus cônjuges, uma vez que estes, ao invés de apoiar, têm criado barreiras que prejudicam os seus negócios. As mulheres que estão no sector informal queixam-se da falta de apoio dos seus parceiros e apontam que este facto trava o seu desenvolvimento.

 

Na Cidade da Beira, província de Sofala, o grosso das mulheres trabalha no sector informal. No entanto, não são todas que contam com o apoio dos seus parceiros, o que de certa forma retarda o desenvolvimento dos seus negócios.

 

Imposição de horário de regresso a casa prejudica negócios

 

A título de exemplo, as vendedeiras do Mercado 1º de Maio, arredores do município da Beira, referiram que devido a limitação do tempo por parte dos seus cônjuges não têm conseguido êxito nos seus negócios.

 

“O meu marido trabalha no aparelho de estado, larga 15:30h e chega a casa por volta das 16:30h, e até às 18h ele exige que eu esteja em casa, e essa hora tem sido de pico em termos de vendas, porque muitos clientes têm estado a regressar do trabalho, e de certeza recorrem ao mercado para adquirir nossos produtos, e com minha saída forçada para atender o meu marido tenho estado a perder dinheiro e tenho tido dificuldades de pagar xitiques, que têm sido a nossa principal fonte de poupança, e o dinheiro que resta serve para compras do dia seguinte”, disse Maria Manuel, vendedeira no mercado 1° de Maio.

 

Teresa Maurício, comerciante de legumes e produtos diversos, declarou que a interferência do seu parceiro prejudica o seu negócio, uma vez que o mesmo a quer em casa até às 12 horas.

 

Eu saio de casa às 4 horas para comprar produtos e até às 8 horas tenho estado na banca, e o meu marido larga às 12 horas para o almoço e não aceita que a empregada confeccione a refeição para ele, tenho que sair para cozinhar e deixar a mercadoria à sua sorte, às vezes com empregado, e corro dois riscos, de perder clientes e desvio de dinheiro de vendas, perante isso como desenvolver, por isso digo que alguns maridos têm que decidir se querem que façamos negócios ou não”, desabafou.

 

Por sua vez, Naira Cardoso, oficial de programa e género da associação de mulheres para o desenvolvimento comunitário AMPDC, diz que o Sector informal é como alternativa para empoderamento das mulheres, tendo lamentado o facto de alguns homens não apoiarem as iniciativas das suas parceiras.

 

“Temos recebido muitas queixas das mulheres sobre diferentes tipos de impedimento para desenvolverem suas actividades e tornarem-se competitivas, apesar de termos exemplos de algumas mulheres que através de actividades informais tornaram-se empreendedoras de sucesso e conseguem empregar outras mulheres, mas só com apoio de diferentes lados, por isso temos desenvolvido palestras nas comunidades para sensibilizar os homens para que possam apoiar iniciativas do género, porque no fim do dia serão eles que saem a ganhar”, explicou Cardoso, manifestando solidariedade para com as mulheres que têm passado por esse tipo de problemas.

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