O destino faz a história

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Eu cresci sabendo que o destino de um ser humano está nas mãos de Deus. Que só ele é que sabe o que será de nós amanhã. Mas há quem defende que cada um de nós é responsável pelo seu próprio destino. Analisei as duas teorias e cheguei à conclusão de que não há antagonismo entre ambas e que todas têm a sua validade.

Se não estudarmos, por exemplo, não poderemos esperar por uma vida melhor no futuro. Uma aposta na educação significa a criação de condições para que tenhamos um bom emprego, um salário aceitável e uma boa qualidade de vida. Estaremos a decidir sobre o nosso futuro, o nosso destino.

Podemos até estudar e coleccionar muitos graus académicos, mas fora do emprego, que é o que toda gente espera ter após a sua formação, ninguém consegue adivinhar o que será de nós no futuro. Se tornar-nos-emos, um dia, Presidente da República ou ministro.

Ninguém sabe se seremos governadores provinciais, administradores distritais, empresários de sucesso, presidentes dos conselhos de administração de grandes empresas ou de instituições públicas ou privadas. Aqui, só Deus é que sabe qual será o nosso destino.

Se alguém olhar hoje para o sector da saúde, e não é preciso que seja especialista para tal, pode chegar facilmente à conclusão de que ao longo destes anos houve pouco investimento para mudar a face dos hospitais públicos do país em vários aspectos, nomeadamente em bens de equipamento e do ponto de vista de infra-estruturas.

Ao fim de 46 anos da independência, o destino que demos a este sector não foi dos melhores. Quando se fala da saúde, a cantiga é quase a mesma: condições de trabalho inadequados, em alguns casos com ligeiras melhorias, falta de equipamento para a realização de algum tipo de exame aos doentes ou para o diagnóstico de algumas doenças com precisão, maquinaria obsoleta ou avariada e outros problemas.

Por exemplo, durante muitos anos, Moçambique não estava em condições de tratar doentes com câncro que precisavam de fazer radioterapia. Este tratamento só era possível em clínicas sul-africanas que cobram uma fortuna. Muitos dos pacientes morreram por falta deste serviço no país.

Não me simpatizo com o discurso de que os nossos hospitais públicos estão no estado em que estão porque somos pobres e não temos dinheiro quando algumas instituições públicas ostentam fartura, com dezenas de viaturas de luxo e de alta cilindrada nos seus parques.

Nos últimos anos, tem sido assunto de debate o orçamento que é dedicado aos sectores sociais. Há o entendimento de que a fatia que vai para a saúde e a educação ainda é modesta e não dá para fazer milagres no que se refere a investimentos.

É verdade que temos mais médicos do que em 1975, mais centros de saúde e hospitais espalhados pelo país do que no passado, mas isso só não basta se nessas mesmas unidades sanitárias não temos medicamentos que os doentes procuram, meios materiais para uma assistência médica adequada aos pacientes, pessoal médico, para não falar de médicos especialistas.

Dado a estas fragilidades, centenas de moçambicanos com posses têm estado a viajar para alguns países à procura do melhor em hospitais ou clínicas privadas. Antes, na África do Sul e agora, na Índia ou China, pagando muito dinheiro.

Alguns deles são governantes ou seu familiares, figuras políticas da proa, empresários de destaque na sociedade e executivos de grandes empresas com a possibilidade de influenciar mudanças ou de contribuir para que o país tenha hospitais em condições para o bem da maioria dos moçambicanos e infelizmente não o fazem.

Com a situação de coronavírus, estes, porque não têm como se tratar fora do país nas suas habituais clínicas, acotovelam-se hoje com cidadãos de baixa renda nos hospitais públicos, cujas condições são aquelas que todos nós conhecemos. Disputam camas cada vez escassos para o internamento de doentes com a covid-19. Quem diria? É daqueles destinos que só Deus sabe.

Alguns, com sorte, conseguem vencer a doença, depois de uma luta titânica, mas, mais do que nunca, tornam-se embaixadores da saúde. Pessoas que viveram na carne as carências ou as condições em que o pessoal do sector trabalha. São testemunhas do quanto se deve fazer para reverter a situação.

Os pobres, utentes assíduos dos hospitais públicos, estão habituados a tudo. Em condições normais, quando faltam camas nas enfermarias, dormem no chão e não reclamam. Quando falta medicamento nas farmácias dos hospitais, murmuram, mas depois passa. Pobres que ficam um ou dois meses à espera de uma consulta de especialidade sendo que alguns deles chegam a perder a vida sem saber era a doença de que padeciam.

O mesmo já não se pode dizer em relação aos executivos de grandes empresas, políticos de renome, ex-governantes e deputados da Assembleia da República, gente bem conhecida na sociedade hoje infectados pelo coronavírus e em estado crítico, que foram parar nos hospitais públicos por acidente.

Lutam pela vida lado a lado com pobres e em igualdade de circunstâncias. Se a enfermaria é uma tenda, é para todos. Não há sala especial ou tratamento diferenciado. Quando há poucos ventiladores, os que necessitam deles para poderem respirar artificialmente, ficam prejudicados. O Deus assim traçou.

Esta é a nova forma de ser e estar na saúde imposta pelo novo coronavírus em que independentemente da sua classe social e das suas posses, todos os utentes com coronavírus vão dar nos hospitais públicos, e sem alternativas possíveis, pois as clínicas prkivadas estão com a sua capacidade de internamento esgotada. O Deus assim ditou.

Mas os hospitais públicos são os mesmos de sempre: símbolo da grande conquista do povo moçambicano em termos de acesso à saúde, até hoje gratuita, longas filas, carências de todo género e qualidade de serviços por melhorar.

Infelizmente ninguém conseguiu mudar este rosto da saúde implantando outro com brilho e a inspirar segurança e confiança nos doentes no sentido de que vão encontrar o tratamento que procuram e um à vontade no que diz respeito aos meios humanos e materiais disponíveis para a oferta de serviços de qualidade aos utentes.

É investindo que o país pode ter hospitais que todos nós desejamos: apetrechados em bens de equipamento e à altura de tratar qualquer que seja a doença. Aqui o Deus não entra. Tudo fica por conta de quem detém o poder.

Por isso pouco o nada mudou na saúde porque ao longo dos 46 anos da independência pouco foi feito que não seja o alargamento da rede sanitária no país. Não há muito que dizer a respeito de aquisição de equipamento e outros instrumentos que o sector precisa para fazer o seu trabalho. Continua clamar por melhores dias.

A pobre na saúde e outros sectores é justificada como reflexo daquilo que é o próprio país. Mas acredito que tudo pode mudar, bastando que haja vontade política para isso por parte do governo do dia.

Num passado recente, a Polícia da República de Moçambique não tinha condições para trabalhar. Para os agentes chegarem ao local do crime, dependiam da boleia dos queixosos ou das vítimas. O seu fardamente cinzento já estava pálido, o que afectava a imagem da corporação perante o público.

Graças aos investimentos feitos, a PRM não tem por que se queixar. Hoje, dispõe de meios circulantes em abundância, distribuidos por todas as esquadras do país, novo fardamento e outras condições de trabalho, conferindo aos agentes uma outra imagem. Mas o país continua o mesmo de sempre: pobre.

É verdade que os recursos minerais, descobertos nos últimos anos no norte, caso de gás natural do Rovuma, ainda não começaram a render ao país, mas há o dinheiro das mais-valias que pode ser usado, pelo menos uma parte, para equipar devidamente os hospitais públicos e dar-lhes uma outra imagem. Isso é possível sim senhor.

É preciso que haja alguma ousadia e uma certa ambição por parte de quem detém o poder no sentido de investir, primeiro, em hospitais de referência e depois, no resto para que ninguém morra por falta de dinheiro para tratamentos no estrangeiro.

Investir para valorizar cada vez mais esta que é a conquista do povo moçambicano. Investir para que o cidadão moçambicano tenha que optar por consultar um médico além-fronteira apenas por uma questão de capricho. A maior parte do povo moçambicano é pobre mas merece o melhor.

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