- Suicídios representam 11% do número global de óbitos
- Agentes da PRM continuam a liderar as estatísticas de suicídios devido a jogos de azar
- Psicólogo aponta para a pobreza como uma das causas dos suicídios em Moçambique
- “Já perdi 800 mil meticais só porque faltava um golo, fiquei deprimido, mas não cheguei a pensar em tirar a própria”, conta Langa.
Em Moçambique, segundo estudo divulgado pelos Institutos Nacionais de Saúde e Estatística, em Maio de 2023, os suicídios contribuem com 11% para o número global de óbitos. A depressão é apontada como uma das principais causas dos suicídios. No entanto, os jogos de fortuna ou azar concorrem, significativamente, para o aumento de casos de suicídio por enforcamento e outros comportamentos desviantes que culminam com a prática de vários crimes na sociedade. Para reverter o actual cenário, a psicóloga Ilda Samuel defende que as casas de apostas devem ter sessões de aconselhamento, uma vez que os apostadores quando jogam querem tirar o máximo do lucro e quando tal não acontece ficam frustrados, enquanto o sociólogo Aristedes Macandza observa que a pobreza é que está por detrás dos suicídios.
Duarte Sitoe
O suicídio faz parte do rol dos problemas de saúde pública que continua a fazer vítimas no silêncio em Moçambique. Nos últimos anos, muitos foram os jovens que colocaram um ponto final a sua própria vida.
Os relatos apontam para problemas passionais, depressão, mas são os jogos de azar que são apontadas com maior frequência. A título de exemplo, Jorge Langa perdeu o irmão nos meados do corrente ano em circunstâncias, segundo ele, estranhas. Langa contou que o irmão, por sinal agente da Polícia da República de Moçambique, enforcou-se depois de perder 77 mil meticais nos jogos de azar.
“O meu irmão era uma pessoa estável, mas tudo mudou quando começou a frequentar casas de aposta. No início, apenas apostava jogos de futebol e mais tarde o aviator. Ele conseguia ganhar de quando em vez, talvez seja por isso que ficou mais ganancioso. Quando ficou viciado olhava para os jogos de azar como uma oportunidade para mudar de vida e dar melhor condições aos filhos. Infelizmente, quando perdeu 77 mil meticais não conseguiu resistir. Na carta que deixou disse que tinha muitas dívidas com os colegas e agiotas. Foi um duro golpe para a família e amigos, os jogos de azar estão por detrás da morte do meu irmão”, contou Langa, para posteriormente referir que desde a morte do irmão nunca mais meteu os pês nas casas de apostas.
Ele não esconde que foi quem lhe ensinou. Afinal, Langa sempre gostou do futebol e olhava para as apostas como uma oportunidade para ganhar um dinheiro extra. Mas desde que perdeu o irmão deixou de apostar porque não quer ficar viciado.
Langa tem se empenhado em realizar palestras para conscientizar os mais novos sobre os perigos dos jogos de azar. “Infelizmente, as pessoas olham para as apostas como a única arma para enriquecer e quando perdem ficam deprimidas. Já perdi 800 mil meticais só porque faltava um golo, fiquei deprimido, mas não cheguei a pensar em tirar a própria”, disse o nosso interlocutor.
Passavam das 8 horas quando Zefanias Cossa entrou numa das casas de apostas sediadas na Cidade da Matola. Langa, de 39 anos de idade, diz que reconhece os perigos dos jogos de azar, mas aponta que por enquanto consegue controlar o vício, ao contrário dos colegas que optaram em tirar a própria vida depois de perder dinheiro.
“Todos que estão aqui são viciados. Queremos ganhar, mas isso depende das equipas que escolhemos. Há pais de famílias que colocam o pão na mesa através das apostas porque não há emprego em Moçambique. Reconheço que faço parte do grupo dos viciados, porque não consigo ficar um dia sem apostar. Jogo apenas futebol, não gosto de aviator porque vicia. Já tivemos casos de pessoas que se suicidam quando perdem. É por essa razão que dizem que são jogos de azar, há quem já conseguiu comprar carro através das apostas e há outros que perderam tudo pela mesma via. As casas de apostas ficam mais ricas a cada dia que passa e empurram muitas pessoas para a desgraça. Como apostadores temos que ser mais responsáveis”.
O testemunho de quem tentou cometer suicídio…
Egas Manuel entrou em depressão quando perdeu 790 mil meticais por culpa do Bayern de Munique. Manuel tentou tirar a própria vida com recurso a corda, porém não logrou os seus intentos porque a mãe estava por perto. Actualmente, o sobrevivente já não tem nenhuma ligação com as apostas.
“Era um bilhete de 20 jogos e só faltava um jogo para ganhar 790 mil meticais. Já estava a esfregar as mãos quando o Bayern de Munique estava a ganhar 2 a 0, mas do nada deixou-se empatar. Não conseguia acreditar no que estava a ver e do nada a depressão tomou conta de mim. Peguei uma corda e entrei no meu quarto. Tentei me enforcar, mas a minha mãe chegou a tempo de evitar o pior. De lá a esta parte nunca mais coloquei os pês nas casas de apostas. Depois daquele episódio tive varrias sessões com o psicólogo e consegui superar o trauma. Os jogos de azar estão a fazer várias vítimas. Defendo que se deve fazer um trabalho na sociedade, sobretudo entre os mais jovens que não conseguem medir a ganância”.
Quem entra no mundo das apostas sonha em ganhar para aumentar a sua renda mensal e quando tal não acontece gera decepção e depressão. Foi assim que aconteceu com Agnaldo Matsinhe, jovem de 29 anos de idade, que foi traído pelo Manchester United.
Em conversa com o Evidências, Langa referiu que tinha em mãos 180 mil meticais para comprar terreno, mas que o vício falou mais alto.
“Fiz um empréstimo de 200 mil meticais. Queria comprar espaço para construir. Fiz apostas na esperança de aumentar o dinheiro. Infelizmente, perdi todo o valor e quando a minha esposa descobriu pediu separação. Todo o apostador tem a esperança de ganhar quando submete bilhetes, e quanto maior for o valor da pessoa maior é a probabilidade de ganhar. No futebol um jogo é suficiente para perder. Escolhi três jogos e apostei por 30 mil meticais para ganhar 170 mil, mas o Manchester City perdeu. Na esperança de recuperar o dinheiro joguei aviator, perdi tudo. Quando a minha esposa descobriu pediu separação. Não pensei em tirar a própria vida, mas fiquei muito deprimido. Felizmente, consegui superar o vício que tinha e hoje vivo na minha própria casa.
Psicólogo aponta para a pobreza com uma das causas
A psicóloga Ilda Samuel reconheceu que os jogos de azar contribuem para o aumento de casos de suicídios no mundo. Falando do caso de Moçambique, Ilda referiu que deve se prestar mais atenção aos sinais de alerta que podem vir com frases como “não aguento mais” ou “quero me matar”.
De acordo com a psicóloga, as casas de apostas devem consciencializar os utentes sobre os perigos dos jogos de azar.
“Como sociedade, temos que estar preparados para remediar. Infelizmente, os jogos de azar contribuem para o aumento do número de casos de suicídios em Moçambique. Todos jogadores têm a esperança de ganhar e quando perdem desenvolvem traumas. Há pessoas que olham para os jogos de azar como a única esperança de ganhar dinheiro na vida e quando perdem optam por tirar a própria. Tivemos casos de polícias que tiraram a vida depois de perder dinheiro nos jogos de fortuna ou asar. A sociedade deve prestar mais atenção aos sinais de alerta porque quem comete suicídio muda de comportamento e ainda se despede nas brincadeiras”.
Para Ilda Samuel, as mulheres são as que mais tentam tirar a própria, sendo que os homens são os que mais concretizam o suicídio.
Em termos epidemiológicos, a psicóloga explica que as taxas de suicídio entre homens são muito mais altas do que entre mulheres. Mulheres apresentam mais tentativas, mas homens concretizam o suicídio em taxas absurdamente mais altas. “Todos os índices de comportamentos violentos, trágicos e negligentes são maiores entre homens: acidentes, homicídios, conflitos, suicídios, baixa procura por prevenção em saúde e por atendimento em saúde mental. O actual cenário é desafiador, é necessário fazer um trabalho aturado para sensibilizar as pessoas que tirar a própria vida não é a solução”.
Por sua vez, o sociólogo Aristedes Macandza inocenta as casas de apostas, justificando que as mesmas existem em todo mundo. Aliás, Macandza observa que a pobreza está por detrás dos suicídios, uma vez que os jovens e adultos olham para os jogos de azar como uma janela de oportunidades para vencer a pobreza.
“Precisamos falar sobre a valorização da vida. Diversas pessoas que enfrentaram transtornos mentais ou tiveram uma tentativa de suicídio ou em algum momento já pensaram em pôr um fim à vida. Em Moçambique, vários jovens tiraram a própria vida depois de perder dinheiro nos jogos de azar. As pessoas quando perdem não consegue gerir emoções. A pobreza contribui para o aumento de casos de suicídios, visto que as pessoas olham para os jogos de azar como oportunidade para mudar de vida. Em caso de insucesso optam por tirar a própria vida”.
Nas entrelinhas, Macandza defendeu que “a sociedade e, sobretudo, as plataformas de apostas devem fazer um trabalho de aconselhamento. O suicídio é uma realidade, por isso é urgente se fazer um trabalho nas escolas para prevenir esse problema que continua a fazer vítimas.
Facebook Comments