Europa: o que resta da democracia

OPINIÃO

Luca Bussotti

As últimas eleições europeias foram interpretadas pela maioria dos observadores como um grande sucesso dos partidos da extrema direita. De facto, não se pode negar que estes partidos tiveram um avanço significativo, entretanto ele foi mais concentrado nos países fundadores da União Europeia, a partir de França e Alemanha, assim como algumas formações políticas, tais como o Chega de Portugal, ou o próprio partido do premier húngaro Orban, tiveram resultados abaixo das expectativas. Em outros países houve um avanço da esquerda moderada (Itália, Portugal, Espanha, Suécia), mas o que realmente prevaleceu foi o sucesso dos partidos que se inspiram ao popularismo de matriz cristã. Com efeito, o PPE (Partito Popular Europeu) vai constituir de novo a bancada parlamentar prevalecente, destinada a governar – em coligação com a bancada dos Socialistas e Democratas, provavelmente com Liberais e talvez Verdes – a União Europeia no próximo mandato.

Fora disso, porém, a questão do avanço dos partidos da extrema direita, na Alemanha até com posições abertamente filo-nazistas, representa um assunto muito sério em termos de rumo das democracias das nações centrais da União Europeia, a partir do eixo franco-alemão, que tem vindo a governar os destinos da União ao longo das últimas décadas.

O que parece estar a emergir é o falhanço, ou a grave crise, dos partidos (com a excepção parcial dos Populares) que lideraram tais países desde o fim da segunda guerra mundial. O discurso deve começar com os dois grandes aliados derrotados no maior conflito que a humanidade, até hoje, recorde: Alemanha e Itália. As situações políticas são diferentes entre estes dois países, mas com muitas semelhanças.

A Alemanha foi governada, depois da segunda guerra mundial, em prevalência pelos cristão-sociais, o partido mais importante do popularismo europeu, algumas vezes pelos social-democratas, como é o caso do actual governo. Nos últimos vinte anos, a figura de Angela Merkel dominou os destinos da Alemanha e da Europa, garantindo uma estabilidade que, depois da sua saída e a eclosão da guerra russo-ucraniana, dissolveu-se. Na Itália, até ao início da década de 1990, a Democracia Cristã foi o partido que sempre governou o país, ora em aliança com partidos da direita, ora com partidos de centro-esquerda; com o escândalo “Mãos Limpas”, os partidos da Primeira República dissolveram-se, e iniciou-se a era de Silvio Berlusconi. Fora das polémicas que a sua figura concentrou, Forza Itália era (e continua sendo) um partido europeísta e membro do Partido Popular Europeu. Com a morte do Berlusconi, os moderados italianos procuraram uma liderança forte durante muito tempo; Salvini, da Liga do Norte, conseguiu apenas resultado extemporâneos, mas foi com a actual primeira ministra, Giorgia Meloni, que a direita prevaleceu, pela primeira vez, em detrimento do centro moderado, com que, todavia, aliou-se. Assim, na Itália um pequeno partido da direita extrema (Irmãos da Itália) expressa hoje a primeira ministra, e está perto de 30% dos votos dos italianos, impondo uma hegemonia inimaginável até uns 3-4 anos atrás.

Na Alemanha o partido da extrema direita (AfD) não faz parte do governo, mas teve resultados muito bons em todas as últimas eleições realizadas. Finalmente, na França o terramoto que resultou das eleições europeias do dia 9 de Junho fez com que Macron dissolvesse o parlamento, para mandar realizar novas eleições legislativas no fim deste mês, com a perspectiva de que a extrema direita possa ganhar e, pela primeira vez, conquistar o governo do país. As eleições francesas serão decisivas para perceber o destino não apenas da França, mas de toda a Europa, considerando também a crise da social-democracia alemã e de seu líder, Scholz. Entretanto, este é o nível político da análise. Em termos de tendências culturais, a situação parece ainda mais grave.

França, Itália e Alemanha foram os três países que tiveram as experiências piores em termos de regimes ditatoriais ao longo da segunda guerra mundial, e suas constituições são abertamente antifascistas e antinazistas. Todos estes países têm uma legislação específica que impede a reconstituição de partidos de inspiração fascista ou nazista. Entretanto, o paradoxo da democracia fez com que os herdeiros destas tradições, em todos estes três países, não só tenham partidos e movimentos formalmente constituídos, mas que estes estejam numa fase de grande expansão eleitoral e ideológica. Na Itália, os Irmão de Itália é o primeiro partido, que está a governar o país; na França a probabilidade que a situação italiana se repita é elevada; e na Alemanha o partido mais extremista da Europa, o AfD, com tanto de suástica abertamente ostentada, ganha consensos a cada eleição.

A pergunta que os observadores se fazem é se os princípios constitucionais saídos da segunda guerra mundial estão sendo abandonados, e sobretudo o que é que deu errado, na construção de estados nacionais a forte vocação europeísta e democrática. Esta é a questão de fundo a que, até hoje, as respostas são fracas, genéricas, quase que impalpáveis, do ponto de vista académico, e ainda mais frágeis em termos políticos. Com estas bases, fica difícil imaginar a Europa de amanhã como referência incontornável dos princípios de tolerância e democracia, segundo quanto tem acontecido, pelo menos em parte, até hoje.

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