- Falta de liquidez no Tesouro afecta também os pobres
- No presente ano os pobres ainda não viram a cor do mísero subsídio
- Famílias carenciadas fazem das tripas o coração para sobreviver na ausência do SSB
- PSCM-PS alerta que falta de subsídios pode originar exclusão social
- INAS apoia-se na falta de fundos para justificar atrasos na canalização dos subsídios
A Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025-2044, um documento tornado público, recentemente, pelo Conselho de Ministros, revelou que o exército de pobres aumentou exponencialmente nos dois ciclos de governação de Filipe Nyusi. O grosso das famílias que vive abaixo da linha de pobreza depende sobremaneira do Programa de Subsídio Social Básico (PSSB), que, essencialmente, visa aumentar a capacidade de consumo das pessoas em situação de pobreza e de vulnerabilidade através de transferências monetárias regulares e incondicionais com mais enfoque para a nutrição infantil e assistência aos idosos. No entanto, há 18 meses que o Instituto Nacional de Acção Social, segundo a sua directora-geral, não consegue canalizar os referidos valores, o que de certa forma sufoca os agregados familiares que dependiam destes subsídios para, no mínimo, ter uma refeição por dia.
Duarte Sitoe
Para o Governo, o Programa Subsídio Social Básico é um instrumento fundamental para a redução da pobreza e desigualdade no país, tendo como alvos pessoas idosas, pessoas com doença crônica ou degenerativa, crianças entre os 0 aos dois anos de idade em situação de desnutrição e famílias chefiadas por crianças ou com crianças órfãs e vulneráveis, que combine com os demais critérios estabelecidos.
Na medida em que o número de famílias que vivem abaixo da pobreza aumenta exponencialmente, tal como revelou a Estratégia Nacional de Desenvolvimento 2025-2044, aprovada, recentemente, pelo Conselho de Ministros, o INAS não consegue alocar o Subsídio Social Básico aos seus beneficiários.
A título de exemplo, em Dezembro de 2023, aquela instituição conseguiu pagar apenas 302,897 dos 639,636 beneficiários existentes no PSSB e este ano tem conseguido beneficiar do mesmo. Esta situação inquieta sobremaneira as famílias carenciadas.
Judite Machava, deficiente e com 40 anos de idade, dependia do Programa Subsídio Social Básico para suprir algumas das suas necessidades básicas. No entanto, actualmente faz das tripas coração para poder se alimentar, porque a última vez que viu a cor do subsídio foi em Setembro do ano passado, e até aqui o governo não consegue explicar com exactidão as razões.
Para garantir, no mínimo, uma refeição por dia, Machava vende artigos plásticos catados nos contentores. Sem conseguir segurar as lágrimas nos olhos, a fonte referiu que, apesar de ser parco o subsídio, fazia muita diferença na sua família.
“Não tem sido fácil viver nesta situação. Mesmo com subsídio era difícil e agora as coisas pioraram porque estamos há 10 meses sem receber. Quando reclamamos dizem que vamos receber todo dinheiro de uma única vez. Não acredito porque mesmo quando eram os subsídios da Covid-19 disseram a mesma coisa, mas até hoje não transferiram nada. Mesmo com a minha deficiência tenho que sair para catar lixo para vender para não morrer à fome. Sinto que fomos abandonados pelo Governo. Se isto continuar assim, as pessoas vão morrer a fome, digo isso porque há idosos que vivem com menores e dependem desta ajuda para ter o básico. Pedimos a quem de direito para lembrar que em Moçambique, além dos ricos, também há pobres”, desabafa.
Famílias carenciadas fazem das tripas o coração para sobreviver
Passavam das 7 horas da sexta-feira, 05 de Julho, quando Alexandre Banze, apoiado numa bengala, circulava pelas lojas da Cidade de Maputo para receber o habitual apoio. Banze referiu que mesmo na época que recebia o Subsídio Social Básico se fazia à rua porque o mesmo não chegava para 10 dias.
No entender de Alexandre Banze, o Governo não se importa com os pobres, visto que até hoje não entende as razões que estão por detrás da morosidade na transferência dos subsídios.
“Mesmo nós que vivemos na capital estamos a sofrer, não imagino aquelas famílias que vivem nos distritos. Tenho filhos, mas eles não cuidam de mim, por isso sou pobre, e o Governo tem a obrigação de cuidar de mim, tal como acontece nos outros países. Quando trabalhava na África do Sul soube que a pessoa mesmo não fazendo nada tinha direito ao subsídio, os idosos idem. Em Moçambique, as coisas são bonitas no papel, porém, tudo muda quando se trata de prática. Estou a mais um ano sem ter o subsídio. Mesmo quando recebia o subsídio não chegava para 10 dias. Fomos esquecidos pelo nosso Estado. Acredito que estamos a pagar o preço de termos nascido pobres. Se ainda tivesse forças iria procurar emprego para mudar esta situação. Infelizmente, na minha idade só posso viver de esmola. Hoje consegui este pão para comer com a minha esposa que já não aguenta andar”, relatou o drama.
Prosseguindo, Banze teceu duras críticas ao Instituto Nacional de Acção Social por considerar que esta desviou os fundos que foram alocados pelos parceiros para implementar o Programa Subsídio Social Básico (PSSB).
“Ouvimos que os brancos disponibilizaram dinheiro para apoiar os pobres em Moçambique, mas o tal dinheiro nunca chegou às nossas mãos. O dinheiro foi desviado pelo INAS. Fizeram a mesma coisa na época da Covid-19, distribuíram telefones com promessas de que o dinheiro seria transferido através das carteiras móveis, mas o dinheiro tinha olhos, não entrava nas contas de todos. A corrupção tomou conta do nosso país, não é este Moçambique que Samora e Mondlane sonharam. Tenho pena dos jovens e das gerações vindouras”.
Vanda e Acácio, de 12 e 15 anos, respectivamente, são órfãos e, por isso, fazem parte do grupo elegível para beneficiar do Subsídio Social Básico. No entanto, com os constantes atrasos viram-se obrigados a procurar outros meios de subsistência. Actualmente, Vanda trabalha como vendedeira de bananas num dos mercados da capital moçambicana, enquanto Acácio continua estudando para alimentar o sonho de ser enfermeiro.
“Perdemos os nossos pais antes de completarmos 10 anos. Depois disso, vivemos com a nossa tia, que depois de um tempo viajou para África do Sul, mas nunca mais voltou. Uma vizinha foi nos inscrever para passar a receber dinheiro como pobres e órfãos. Nos primeiros meses recebemos o subsídio através da carteira móvel. Contudo, de lá a esta parte as coisas mudaram. Com o pouco que recebíamos abri uma banca de hortícolas e conseguia financiar os estudos do meu irmão. Por ver que estávamos há meses sem receber, decidi procurar emprego e agora ajudo uma senhora a vender bananas na Matola. Não ganho muito, mas tem sido suficiente para comer enquanto procuro um emprego melhor”, contou.
PSCM-PS alerta que falta de subsídios pode originar exclusão social
A Plataforma da Sociedade Civil Moçambicana para Protecção Social (PSCM-PS), que revelou que actualmente o Programa Subsídio Social Básico abrange 639.636 agregados familiares, dos quais 403.668 são mulheres e os restantes 235.968 são homens, despoletou no seu mais recente relatório que há delegações do INAS que não canalizaram fundos para os pobres em 2023 e que no corrente ano nenhuma delegação a nível nacional transferiu o Subsídio Social Básico para os agregados familiares.
“No presente ano, a Plataforma da Sociedade Civil Moçambicana para Proteção Social (PSCM-PS), através da Monitoria Comunitário Independente (MCI) ao Programa Subsídio Social Básico, constatou que as delegações do INAS como a de Marrupa, a de Cuamba e Barué destacam-se como as mais críticas, não tendo efectuado nenhum pagamento aos beneficiários referentes ao ano 2023. Adicionalmente, constatou-se que em todas as 31 delegações nenhum pagamento foi efectuado referente ao ano 2024, agravando cada vez mais os atrasos já existentes do ano transacto”, refere a PSCM-PS, para depois observar que esta situação é uma prova inequívoca de lacunas na implementação do projecto.
Para aquela organização da sociedade civil, a falta de pagamento não apenas prejudica os indivíduos e famílias que dependem desses subsídios para suprir suas necessidades básicas, mas também coloca em xeque a integridade do programa e o sector da acção social como um todo, observando, por isso, que esta situação trará implicações na vida dos beneficiários.
No rol das implicações Plataforma da Sociedade Civil Moçambicana para Protecção Social destaca, se por um lado, que para os beneficiários que já estão em situação de vulnerabilidade socioeconômica “os atrasos podem agravar ainda mais a sua condição, tornando-as mais suscetíveis a problemas de saúde, desnutrição, evasão escolar, endividamento até mesmo exclusão social”.
Por outro, para além da perda do apoio ao programa em virtude das constantes reclamações dos beneficiários, adverte que “os atrasos nos pagamentos pode ter um impacto econômico mais amplo, afetando não apenas os beneficiários directos, mas também os fornecedores e prestadores de serviços que dependem dos pagamentos dos programas”, daí que recomenda ao Instituto Nacional de Acção Social a esclarecer a razão dos atrasos aos beneficiários, sociedade civil, parceiros de cooperação e demais partes interessadas sobre o ponto de situação dos pagamentos.
INAS apoia-se na falta de fundos para justificar atrasos na canalização dos subsídios
A directora-geral do Instituto Nacional de Acção Social, Maria Saica, reconheceu que a instituição por si dirigida deve o equivalente a dezoito meses de pagamento de subsídio social básico, aos seus beneficiários, em todo o país.
Maria Saica referiu que os recorrentes atrasos derivam da falta de fundos, garantido que o Governo e seus parceiros estão a fazer de tudo para reverter a situação.
Nas entrelinhas, Saica revelou que nos primeiros três meses do corrente ano o INAS conseguiu alcançar apenas 3% dos beneficiários do Programa Subsídio Social Básico.
“É uma situação conjuntural. A conjuntura social e economia do país determina que todos os apoios são feitos de forma gradual mesmo com a insuficiência de recursos, mas a medida como eu dizia que os recursos são alocados eles chegam aos seus beneficiários, daí que até primeiro trimestre do corrente ano conseguimos alcançar 3% deste universo, mas gradualmente sempre que há disponibilidade do orçamento estamos a fazer chegar os subsídios aquém é de direito”, declarou.
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