- Apesar de explorar recursos naturais há 20 anos
- Estudo de Impacto na Saúde devia ser incluído na Lei, tal como o E. de Impacto Ambiental
- Há cada vez mais relatos de doenças respiratórias, de pele, entre outras ligadas à exploração
O arranque do primeiro projecto industrial de exploração de recursos naturais em Moçambique está datado de 2004, com início da exploração do gás nos campos de Pande e Temane, na província de Inhambane, pela sul-africana Sasol, mas até aos dias que correm, 20 anos depois, Moçambique ainda não tornou obrigatória, em lei, a elaboração da Avaliação de Impacto na Saúde (AIS), tal como sucede com a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA), que já está prevista na legislação da indústria extractiva do país, como um dos requisitos para qualquer empresa ter a permissão para explorar os recursos naturais. Como tal, apesar de haver relatos de pessoas que contraíram doenças respiratórias, dermatológicas, entre outras, resultantes da exploração dos recursos naturais, não existe mecanismo para medir o impacto de grande parte dos mega-projectos na saúde das comunidades.
Temóteo Cumbe*
O Estado moçambicano continua a negligenciar a necessidade de regulamentar a obrigatoriedade da Avaliação do Impacto na Saúde dos mega-projectos de exploração dos recursos naturais, que seria o meio através do qual o país conseguiria garantir que as comunidades afectadas não estivessem expostas ao risco de doenças causadas pela exploração de um certo recurso natural. Permitiria ainda a responsabilização de cada empresa pelo impacto das suas actividades na saúde, tanto das comunidades locais quanto dos trabalhadores.
Enquanto o país não normaliza a AIS ou no mínimo alargar a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) para a Avaliação de Impacto Ambiental e na Saúde (AIAS), vários moçambicanos, entre comunidades locais e trabalhadores das empresas que exploram os recursos naturais no país, vão tendo a sua saúde, conscientes ou não, degradada pela exploração de empresas que findo o período acordado nos seus contratos regressam aos seus países de origem, para além de terem colectado lucros pomposos.
Nalguns pontos do país, a exemplo de Tete, onde ocorre mineração de carvão mineral a céu aberto, há relatos de aumento de doenças respiratórias em resultado da poluição atmosférica, resultante da exploração daquele minério. A situação tem estado a pressionar o Sistema Nacional de Saúde (SNS).
Estudos “privados” comprovam que exploração afecta a saúde de comunidades locais
No entanto, não obstante a negligência de não obrigar as empresas e multinacionais a incluírem nas suas práticas a avaliação do impacto na saúde, o Estado não tem estatísticas fiáveis da evolução das doenças nas comunidades afectadas.
Uma fonte do Ministério da Saúde (MISAU) fez-nos saber, em anonimato, ao longo das nossas solicitações, que “o MISAU só possui dados gerais sobre as doenças, não te vão dizer se o aumento dos casos de uma certa doença, numa região, está ligado ou não às actividades da indústria extractiva, não existe essa segmentação”, disse.
Um dado que comprova essa incapacidade e negligência governamental é que a pouca informação dessa natureza que responde às buscas na internet é de entidades privadas, tal como o projecto Health Impact Assessment for Sustainable Development (HIA4SD) e a Medicus Mundi, que realizaram pesquisas sobre a indústria extractiva e saúde pública em Moçambique e constataram que as mudanças nos factores ambientais, sociais e económicos nas áreas de extração de recursos naturais, consequentemente, afectam a saúde das comunidades locais.
“Tanto as evidências quantitativas como qualitativas mostram um aumento das doenças respiratórias nas áreas de mineração, potencialmente ligadas à poluição atmosférica relacionada à mineração. Além disso, a abertura de projectos de extracção causa a imigração de cidadãos de vários locais e a consequente aglomeração, o que leva à mais disputa pelos recursos, aumento dos factores de risco de infecções de transmissão sexual, como o HIV e SIDA, doenças diarreicas, crónicas e de saúde mental”, lê-se num dos estudos supracitados.
Poeira causada por camiões MRM desgasta população de Namanhumbir
Os residentes ao longo da estrada que dá acesso à mina da empresa Montepuez Rubi Mining (MRM), que parte da vila do Posto Administrativo de Namanhumbir, distrito de Montepuez, província de Cabo Delgado, encontram-se completamente agastados com a poeira causada pelo movimento ininterrupto dos camiões que entram e saem da mina a transportarem, principalmente, sedimentos que vão à lavagem para a extração do ruby, um dos mais lucrativos minérios do país.
A nossa reportagem ouviu quatro moradores que Namanhumbir que vivem ao longo da via e, mais do que os depoimentos, as casas, vegetação, roupas e até alimentos tomados pela coloração da poeira já denunciam o cenário que vivem desde 2012.
“Aqui há casos frequentes de tosse e problemas respiratórios devido a poeira. Alguns já até tiveram problemas pulmonares. Para além da poeira, temos o problema da água da chuva que causa malária. Desde que abriram aquela estrada, sempre que chove, a água vem se acumular nos nossos quintais, reproduzindo mosquitos. Já fomos reclamar esse problema na empresa, só vieram colocar um pouco de areia em umas duas casas, desde lá até cá ainda não vimos outra coisa”, explicou um dos entrevistados.
Entretanto, cientes ou não, inegável é que a exposição a estas poeiras a que estão sujeitas durante 12 anos já causou danos na sua saúde, que em alguns casos podem vir a revelar-se mais tarde, já em estado grave.
Segundo o Departamento de Fiscalidade e União Aduaneira da Comissão Europeia, “as poeiras podem geralmente causar danos nos pulmões e nas vias respiratórias, como também alguns tipos específicos podem causar cancro”.
Em relação à água da chuva, de acordo com o projecto de saúde pública, da Folha de São Paulo, “contato da pele com poças pode gerar micoses, infecções bacterianas, leptospirose, hepatites e gastroenterites”, para além de doenças de origem hídrica, como a malária.
Comunidades desconfiam da fiabilidade da avaliação rotineira da qualidade do ar
Nseue é a comunidade mais próxima da mina da MRM, por isso, é alvo da avaliação rotineira da qualidade do ar, que tem como objectivo verificar se o ar ainda não terá sido vítima de contaminação pela mineração da empresa.
Entretanto, a comunidade desconfia da fiabilidade dos dados destas medições. É que, segundo Pedro Carimo, nome fictício, a equipa encarregue pela avaliação da qualidade do ar é composta apenas pelos técnicos da empresa contratada e da própria MRM.
“Dificilmente vemos um membro do governo ou um outro para além desses dois, e sempre que eles vêm, dizem fiquem à vontade, está tudo bem com o ar”, explicou Carimo, questionando a credibilidade de uma testagem da qualidade do ar realizada apenas entre a empresa e a sua contratada e dos repórteres orais dos resultados de testagem.
Facto é que das pesquisas feitas e consultados todos os actores relevantes não foi possível obter os estudos sobre a alegada avaliação da qualidade do ar, o que suscita os seguintes questionamentos: Quem está na posse das evidências dessa testagem? Quem fiscaliza essas testagens?
Como se tal não bastasse, o nosso entrevistado diz nunca ter sido realizada naquela comunidade, nem pelo governo nem pela empresa, alguma campanha de consciencialização das doenças, com destaque para as pneumoconioses, a que estão suscetíveis a contrair com as poeiras da exploração de Rubis da MRM, e dos meios de minimização desses riscos. Nem a clínica móvel financiada pela empresa já terá incluído esse detalhe nas suas campanhas de atendimento comunitário.
Montepuez Rubi Mining solicita mais pormenores sobre os indivíduos
Face a tudo constatado pela nossa equipa, solicitamos um contraditório à empresa. Inicialmente, a nossa preferência foi de colher o contraditório via presencial, mas a empresa respondeu não estar aberta para nos receber nas suas instalações em Namanhumbir. De seguida, requisitamos o contraditório via virtual, mas a empresa recusou, igualmente, este meio, cingindo-se à resposta documental. Na resposta, a MRM em vez de responder a inquietação das comunidades, solicitou mais pormenores dos indivíduos,
“Talvez nos possam fornecer pormenores sobre os indivíduos ou aconselhá-los a utilizar os muitos mecanismos de feedback/interação à disposição. Poderão entrar em contacto com os nossos Oficiais de Ligação Comunitária que realizam reuniões regulares nas aldeias, para além de outros canais de comunicação, entre os quais existem anónimos”, escreveu o director de responsabilidade Corporativa da Gemfields, Ed Johnson.
Johnson acrescentou que, ao conhecimento da sua Corporação, não foram levantadas preocupações da natureza mencionadas nesta reportagem “até à data”.
Entretanto, devido ao mecanismo de protecção das fontes, não foi possível enveredar pelo meio de fornecer à empresa mais pormenores sobre os indivíduos em causa.
Governo discute regulamentação da AIS desde 2015, mas não há previsão da sua inserção na Lei
O Ministério da Saúde (MISAU), através da chefe de Departamento de Saúde Ambiental, Ana Paula Thuzine, em resposta a solicitação da nossa equipa de reportagem, tornou público que o governo já iniciou a discussão da normalização da Avaliação de Impacto na Saúde, em 2015. Entretanto, hoje, nove anos após o início do debate, ainda não há previsão de quando este quesito estará inserido na Lei.
“Não vou dizer amanhã ou próximo ano, mas brevemente vamos sugerir algumas modificações que vão facilitar a inclusão da Avaliação de Impacto na Saúde no quadro legislativo actual”, disse.
Apesar de ser um instrumento que, quando já inserido na Lei, será de carácter obrigatório para projectos de qualquer sector, não se cingindo à indústria extractiva, a necessidade da sua legalização pelo governo foi muito debatida e realçada, inclusive em recomendações para o governo, por organizações privadas de investigação, mais uma clara evidência da negligência do governo, entre outros aspectos, para com a saúde dos moçambicanos, com particular enfoque diante das actividades da indústria extractiva no país. Para além do MISAU, alguns dos outros integrantes da discussão são o Ministério da Terra e Ambiente (MTA) e o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), mas todos não têm ainda ideia de quando a AIS será incluída na lei.
“Não posso aqui dizer quando é que a AIS estará inclusa na Lei, penso que o MISAU pode melhor pronunciar-se nessa vertente. Nós somos parte, mas não somos nós que estamos na liderança do processo”, disse o director de Serviços de Inspecção e Fiscalização, Salazar Mangumo, na Inspecção-Geral de Recursos Minerais e Energia (IGREME).
Solicitamos, igualmente, uma entrevista à Direcção Provincial de Saúde (DPS) de Cabo Delgado, com o objectivo de obter um contraditório em relação aos casos específicos ligados à exploração da MRM, mas até ao fecho desta reportagem, aquela DPS ainda não nos tinha concedido a entrevista. O nosso pedido deu entrada no dia 01 de Março do ano em curso.
*Colaboração

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