- Edilidade precisa de 30 milhões de dólares para transformar Ka-Tembe em cidade
- “As pessoas têm direito à cidade e devem ser protegidas pelo governo”
- “Podem ficar sossegados, aterro é diferente de lixeira”
O Distrito Municipal Ka-Tembe está, neste momento, a registar uma grande pressão demográfica, demandando, por isso, maior necessidade de ordenamento do uso do solo. Foi para responder a este desafio que o Município de Maputo se encontra a desenhar um Plano Geral de Urbanização daquele distrito municipal, avaliado em cerca de 30 milhões de dólares. Em entrevista ao Evidências, o administrador da Ka-Tembe, Celso Fulano, recentemente reconduzido, assegura que o consultor internacional já concluiu a elaboração do plano e dentro deste mês irá apresentá-lo, devendo, posteriormente, ser aprovado pelo Conselho Municipal e outras instituições competentes. Apesar da necessidade de observância de questões de ordem burocrática junto do ministério de tutela, Ministério da Terra e Ambiente e Tribunal Administrativo, acredita que neste mandato a edilidade poderá avançar muito na implementação deste plano. Reconhecendo a proliferação de ocupações desordenadas, Fulano garante que qualquer intervenção das autoridades irá considerar os moradores que estão lá e procurar dar um jeito sobre como é que estes ficam enquadrados no plano. Nas entrelinhas, esclarece que nalguns casos em que se mostrar necessário reassentar para cumprir necessidades do plano urbanístico, poderá se adoptar o modelo de reassentamento no local em condomínios verticais. “As pessoas têm direito à cidade e devem ser protegidas pelo governo, em vez de tirá-las, empobrecê-las e colocá-las longe”, defende. Acompanhe a seguir os excertos mais importantes desta conversa que durou cerca de 45 minutos.
Reginaldo Tchambule
Antes de mais, como é que está Ka-Tembe neste momento, Senhor administrador?
– Muito obrigado por esta oportunidade. Ka-Tembe, neste momento, como deve saber, é um distrito em expansão que assiste o seu crescimento dia após dia. De 2014 para cá, houve um crescimento de mais de 100%. Se éramos 12 mil em 2014, agora estamos a 30 mil habitantes. Portanto, temos assistido também ao crescimento em termos de construções, procura de espaço para habitação, e este crescimento exige a infra-estruturação da terra. É por isso que temos estado a trabalhar em colaboração com a EDM para a expansão da energia eléctrica. Mas outro problema que surge são os resíduos sólidos urbanos, contudo temos estado a lidar com isso.
Portanto, é um distrito em expansão, que promete um grande desenvolvimento. Nisso tudo, temos estado também com o programa de construção de novas vias. O nosso desafio é transformar as que eram de terra batida em estradas alcatroadas ou de pavês. Daí que vamos lançar, ainda este semestre, a construção da estrada Chamissava, entre outras.
Para além da pressão, no que diz respeito à produção de resíduos sólidos, quais são as outras implicações que esta explosão demográfica trouxe para Ka-Tembe?
– Com a explosão demográfica, começamos a lidar com mais pressão, o que não é mau, mas há mais exigência, as pessoas são mais exigentes. Hoje em dia, com a chegada de mais gente e com as redes sociais, as pessoas são mais críticas, o que faz com que nós, os gestores públicos, tenhamos que ter em conta e considerar a nossa gestão para a melhoria do nosso trabalho, do nosso plano de trabalho, acima de tudo do nosso desempenho.
E no que tem a ver com o ordenamento territorial. Quais são os desafios e o que está a ser feito? Sabemos que alguns bairros ainda não foram parcelados…
– Muito bem, em relação ao ordenamento, o maior desafio agora é partirmos para a implementação. Começamos com a revisão do plano, que está na fase de finalização. Nós temos feito o levantamento topográfico de todo o distrito, no âmbito da revisão do plano geral de urbanização, o maior desafio é a implementação. Deve-se saber que isso envolve muito dinheiro, pois é preciso, primeiro, parcelamento, depois abertura de ruas e melhoria das mesmas. Portanto, estamos preocupados em fazer isto e a população também está preocupada em ver o ordenamento feito.
O problema é lidar com isto, porque antes da implementação do plano geral as pessoas vão fazendo ocupações desordenadas e isto pode criar um problema, pois quando o projecto arrancar pode ser necessário fazer algumas mudanças e as pessoas, sobretudo com um status socioeconómico muito baixo, provavelmente, tenham dificuldade em lidar com isto para poderem se adaptar e, se calhar, terem que mudar de um lugar para o outro, sobretudo porque há muita gente que está a ocupar áreas ambientalmente sensíveis, de conservação, ou potencialmente inundáveis. Isto ocorre não só na Ka-Tembe, mas por quase toda a cidade de Maputo. Deve-se recordar da chuva que caiu há um mês, que durou 15 minutos, mas foi suficiente para fustigar as zonas alagáveis. Então, o desafio maior é lidar com esta situação.
Necessários mais de 30 milhões de dólares para o Plano Geral de Urbanização da Ka-Tembe
Quanto é necessário para a implementação do plano geral de urbanização?
– Não posso aqui precisar detalhadamente, mas o plano de ordenamento territorial está dentro de um pacote de 30 milhões de dólares de investimento.
Haverá necessidade de remoção de algumas famílias. Isso inclui compensações?
– Não vou falar de compensação, mas provavelmente teremos que encontrar outros mecanismos para sustentar o plano de urbanização. Com 30 milhões de dólares, provavelmente o dinheiro não chegue, porque há muita gente que precisa ser reassentada. Temos muitos problemas, a começar desde a zona baixa do Pântano, Guachene e também as zonas de expansão, que algumas delas têm zonas húmidas que deveriam ser para a prática da agricultura. São potencialmente inundáveis, porque o próprio lençol freático está praticamente a escassos metros. Há lugares onde a água está a cinco ou dois metros. Portanto, custa um bocado lidar com esta situação.
Portanto, como humanos, como moradores, como munícipes também, como autarcas ao mesmo tempo, gestores públicos, percebemos que a melhor forma de tratamento de pessoas, a melhor forma de governar as pessoas é reassentá-las. Temos consciência da necessidade de planificar e procurar recursos para governar bem essas pessoas.
E em relação a pessoas que vivem em zonas ambientalmente sensíveis, mesmo depois de terem sido reassentadas no passado, alguns até dizem que venderam casas e voltaram para o local. Como é que está a ser a gestão destes casos?
– Custa-me falar do erro do passado, porque o que deveria ter sido feito quando as pessoas foram reassentadas no ano 2000 era a destruição das casas e a ocupação da área por via de arborização, mas faltou isso. E nós temos que olhar para o futuro e vermos o que deve ser feito. É importante irmos ao banco de dados, vermos quem foram as pessoas que foram reassentadas e responsabilizá-las. Elas devem ir ocupar as casas que foram dadas. Temos o caso de algumas pessoas que foram assentadas recentemente no âmbito da construção da ponte. Alguns imóveis não foram destruídos e estes arrendaram a terceiros. Temos estado a encetar esforços com a ANE, que é a entidade responsável pela estrada para destruir as casas remanescentes.
Temos estado a fazer esse trabalho, tanto mais que já fizemos um levantamento e registro das pessoas que estavam na zona pantanosa que é para ver o que pode ser feito. Já contactamos o município de Marracuene e o distrito de Matutuini que é para nos apoiar na procura de espaços para alocar aqueles munícipes que ocuparam áreas ambientalmente sensíveis ou potencialmente inundáveis.
Para além de Guachene, quais são as outras zonas sensíveis?
– Uma parte de Xali, no quarteirão 7 e 5, pela via da estrada é potencialmente alagável, mas é preciso avaliar e estudar quem são as pessoas que têm dificuldades porque não vamos reassentar as pessoas com grandes construções que lá fizeram. Do outro lado, temos o quarteirão 8, com uma zona potencialmente sensível. E ali em Chamissava, do outro lado, temos pessoas que estão a um metro do lençol freático, então vivem na humidade.
Um dos desafios que existe é a ocupação de bacias de retenção. Ka-Tembe tem uma bacia de retenção. O que tem feito no sentido de proteger esta bacia natural de protecção?
– Devo dizer que não temos nenhuma bacia. A única que temos, provavelmente, se quisermos considerar que seja bacia natural, é o próprio pântano. As águas das zonas altas passam pelo pântano, por isso nunca tivemos cheias, como tal. Há muito tempo, nas zonas pantanosas ninguém habitava. O problema começa mais recentemente, quando outros cidadãos nacionais vêm de outras províncias e vêm ocupar as zonas pantanosas.
Uma das perguntas que sempre se faz quando se fala de ocupações de zonas sensíveis e ocupações desordenadas é: onde estavam as autoridades quando essas ocupações aconteceram?
– Olha, eu não vou falar do passado, pois não gosto de falar dos outros. Quando entrei, em 2019, estávamos por cima disto, mas o que acontece é que as casas precárias são fáceis de construir. De um dia para o outro a pessoa levanta, algumas delas sem sequer fundação, devido à extrema pobreza. É um pouco complicado encontrar alguém que está a dormir e partir porque temos que partir. É um assunto sensível. É por isso que dizia que é preciso pensarmos em encontrar formas de um programa que faça melhor gestão deste reassentamento.
Se nós pudéssemos, por mais que as casas não fossem de grande envergadura, mas que se conseguísse tirar pessoas e dar um quarto e sala, seria óptimo. O resto cada pessoa pode ver o que faz. Mas pelo menos seria uma forma condigna de assentamento.
“Implementação do Plano Geral de Urbanização vai considerar os moradores que estão lá”
Falou de alguma pressão sobre o solo no Distrito Municipal. Ainda existem áreas reservadas para grandes indústrias, infra-estruturas sociais, entre outros?
– Conforme disse, estamos a fazer a revisão do Plano Geral de Urbanização. No Plano Geral de Urbanização estão previstas todas essas condições que aqui falou. Desde as infra-estruturas públicas e sociais, até as zonas residenciais e industriais.
Olhando pelo nível de ocupação, as comunidades têm respeitado este plano ou estes espaços reservados?
– Não, porque ainda começamos a implementar o plano. Praticamente, posso dizer que ainda não iniciamos, porque são poucas zonas parceladas. Então, quando tivermos a Ka-Tembe toda parcelada, vai ficar fácil respeitar. Mas, por enquanto, ainda há muita gente que tem terrenos atribuídos por nativos.
O que vai acontecer é que, quando o plano chegar nas zonas já ocupadas, será necessário criar uma forma de considerar os moradores que estão lá e procurar dar um jeito sobre como é que estes ficam enquadrados no plano. Esta actividade já começou. Quem esteve atento viu, no ano passado, uma brigada a fazer registro das zonas ocupadas. É no âmbito deste plano. Aquela actividade insere-se na revisão do plano, mas também a confirmação no local dos moradores para considerá-los no âmbito do design.
O que dizem os dados em que estamos neste momento?
– Os dados são bons, o consultor é especializado e os dados indicam para uma melhoria de ocupação e de gestão da terra, o que pode facilitar na implementação da ideia do sonho da construção de uma cidade na Ka-Tembe, em que as pessoas estejam enquadrados numa área com mobilidade.
Nas zonas em que não seja possível porque há muita aglomeração, que não são muitas, é possível melhorar, se calhar, ver se se reassenta as pessoas, para abrir vias para a utilidade pública. Em termos de disponibilidade de terra, houve uma pressão muito grande sobre a Ka-Tembe, porque na cidade de Maputo era um dos pontos de grande disponibilidade de terra.
“As pessoas têm direito à cidade e devem ser protegidas pelo governo”
Neste momento, ainda podemos afirmar que há disponibilidade de terra?
– Sim, eu me arrisco. Se um investidor vier para cá, eu posso dizer que há, porque, repare, mesmo em zonas já ocupadas, mas com casas precárias é possível negociar, fazer um ressentamento no local em condomínios verticais e enquadrar as pessoas para que elas sintam o desenvolvimento e sintam que evoluíram com a chegada da cidade. As pessoas têm direito à cidade e devem ser protegidas pelo governo, em vez de tirá-las, empobrecê-las e colocá-las longe. Elas devem estar incluídas. É este o modelo que está sendo pensado.
Já começaram a receber algumas solicitações?
Quando tivermos o plano de urbanização concluído, será fácil vender a ideia. Se não tivermos o plano concluído, dificilmente poderemos avançar. Mas quando tivermos o plano concluído, facilmente o investidor poderá apreciar.
E para quando mais ou menos teremos o plano concluído?
– Dentro de um mês teremos a reunião com o consultor que vem para uma série de reuniões para apresentar o plano concluído. Daí, após apreciação e aprovação pelo Conselho Municipal, será levado para o Ministério da Administração Estatal, que é de Tutela. Depois vai para o Ministério da Terra e Ambiente e por fim para o Tribunal Administrativo. E daí teremos praticamente um decreto e facilmente com financiamento vai-se fazer o trabalho para a implementação.
Qual a previsão do encerramento dessas etapas todas?
– Não estou a precisar, mas neste mandato vamos avançar muito na implementação. É possível que este mandato termine enquanto já arrancou a implementação do plano.
E olhando para aquilo que é a pressão crescente, não há o risco de novas ocupações prejudicarem a implementação do plano?
– A demora revela-se como uma constrição, porque faz-se o levantamento, depois demora. Enquanto isso, a cada dia o número de obras cresce. Há obras clandestinas, em áreas que provavelmente seriam para infra-estruturas urbanas. Isto acaba complicando, mas nós acreditamos que o esforço que estamos a fazer é importante e encorajador. Temos que avançar.
E neste momento, em que ponto estamos em termos de infra-estruturas socioeconómicas ao nível do distrito municipal Ka-Tembe? Quais são os outros projectos que se tem em Mente?
– Avançamos bastante e temos muitos problemas que estamos a resolver ao mesmo tempo. O plano é continuar com a construção da estrada da Marinha. Nosso sonho é de avançar deste mandato até ao cemitério e pedimos para que os munícipes também compreendam que levar a cabo este plano requer, de facto, uma robustez financeira que às vezes não existe.
Os problemas de estradas não estão só na Ka-Tembe, estão um pouco por toda a cidade. Então, é uma coragem e uma engenharia financeira para conseguirmos resolver os problemas paulatinamente. Portanto, os recursos são distribuídos por quase todos os distritos e quase todos os bairros. Mas o importante é que estamos a fazer.
O outro projecto que temos é a construção da estrada que passa pelo bairro de Chamissava até ao aterro sanitário na zona de Incassane, próximo a Baco.
“Podem ficar sossegados, aterro é diferente de lixeira”
Falando em aterro sanitário. Uma das questões que inquieta os moradores é que a lixeira possa trazer moscas, como acontece na Lixeira de Hulene…
– Podem ficar sossegados. O aterro é diferente da lixeira. O aterro é um lugar de gestão de resíduos sólidos. É um lugar de tratamento. É um lugar de gestão, em que vão encontrar várias empresas de reciclagem de resíduos, de tratamento de resíduos sólidos. É um lugar que vai ser encorajador para as pessoas trabalharem.
Vamos encontrar lá engenheiros especializados em várias áreas, engenheiros ambientais, de gestão ambiental, engenheiros químicos e vários outros. Ainda podem nascer outros tipos de indústrias.
Neste momento, em que pé está este projecto? A demora não abrirá espaço para que se repita o mesmo que aconteceu em Matlemele?
– As obras propriamente ditas ainda não arrancaram, mas já fizemos delimitação da área. Depois seguem trabalhos de implementação. Portanto, não há o menor risco de repetir-se o que aconteceu em Matlemele. As comunidades já estão cientes, pois trabalhamos desde 2020 na sensibilização, para além das consultas públicas.
Boa parte das vias são terraplanadas e exigem sempre uma manutenção de rotina. Quanto a administração gasta por esta actividade?
– Sabe que às vezes nem tenho noção. Porque nós, agora, praticamente, fazemos o tapamento e a manutenção de rotina. É diferente das vezes em que parávamos, fazíamos um concurso de, por exemplo, 16 milhões para a manutenção de 20 km. Agora fazemos regularmente. Recorde-se que há bem pouco tempo, no arranque deste mandato, fizemos a manutenção de 20 km. Então, era necessário vermos o melhoramento das nossas estradas, mesmo com poucos recursos. Mas este é um esforço mesmo que temos estado a levar a cabo a nível do Conselho Municipal.
Com o crescimento demográfico, a arrecadação de receitas melhorou bastante?
– Melhorou. Nós, agora, conseguimos fechar 20 a 25 milhões por ano. Quando eu entrei não conseguíamos isso. Andávamos por aí em 14 milhões.
Qual é o teu sonho, sendo alguém que nasceu em Ka-Tembe e teve oportunidade de gerir os destinos do distrito municipal?
– O meu sonho é de concluir as estradas ora começadas. Construí-las até os seus pontos onde nós sonhamos. Neste caso, concluir a estrada de Pavês até o cemitério e concluir a estrada que vamos lançar para Chamissava. Portanto, o maior sonho é a implementação do plano geral de urbanização e dizer que o distrito está pronto para as imobiliárias construírem a cidade e ver o transporte a fluir e as pessoas andarem por cá e terem uma mobilidade perfeita e facilitada.
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