Alexandre Chiure
Li, nestes dias, num dos semanários da praça, um artigo que dá conta de que mais de 500 militares das FADM têm os seus salários congelados como uma medida de punição, alegadamente porque desobedeceram ordens superiores no teatro operacional norte, em Cabo Delgado.
O jornal escreve que mais de 100 homens estão à caminho do quinto mês nesta situação e que este ano só auferiram o vencimento de Janeiro. A este grupo juntam-se duas companhias que, desde finais de 2023, não recebem, elevando o número para mais de 500.
Segundo a publicação, um dos grupos está de castigo por ter se recusado, em Dezembro, a retornar, sem qualquer reforços, a uma posição que abandonou num confronto com insurgentes devido à desproporcionalidade em meios humanos e materiais.
O outro grupo, mais numeroso de todos, com cerca de 400 homens, formados pela União Europeia para combater o terrorismo, não tem acesso aos seus ordenados porque se recusou a cumprir uma missão que a considerou de suicida, preferindo marchar para o quartel de Pemba. Dizem que não queriam ser carne de canhão.
Não quero, aqui, discutir a decisão tomada de punir os militares porque não teria elementos suficientes para fazer o juízo de valores, apesar de entender que antes de qualquer medida, deviam ter sido ouvidos ou avaliadas as razões que poderão ter estado por detrás de não cumprimento das ordens. Ao que se sabe, ninguém quis ouvi-los.
Seria necessário, por exemplo, saber quem tomou a decisão para as forças avançarem para a sua anterior posição de onde se retirou no meio de fogo com um grupo de terroristas . A partir de onde foi tomada a decisão. Se esse indivíduo conhece ou não a realidade e se antes avaliou ou não as condições no terreno para decidir como decidiu.
Se calhar, com um exercício desses, que, ao que tudo indica, não foi feito, os chefes militares podiam ter chegado à conclusão de que, afinal, o problema são as próprias ordens dadas e não os militares. Que elas não tinham como ser cumpridas devido a vários pressupostos, nomeadamente questões de efectivos e de equipamentos militares para o cumprimento da missão com segurança. Em suma, podia concluir-se, quem sabe, que, acima de tudo, não se levou em conta as condições no terreno.
Não quero, igualmente, debater a razão de ser da desobediência porque faltariam me alguns detalhes ou informações para perceber melhor o assunto e fazer uma leitura correcto, com uma margem mínima de erro.
Mas se, de facto, tratou-se de uma pura desobediência às ordens emanadas superiormente, é inadmissível num exército que prime pela disciplina. Não há como os implicados escaparem da punição.
Seja como for, quero, aqui, questionar o tipo de castigo aplicado aos militares prevaricadores que o considero incomum. Não sei se a pessoa que tomou a decisão de reter os salários, seja ele gestor dos recursos humanos ou um chefe militar, tem a ideia do impacto social negativo que a medida representa no seio das famílias dos seus homens em punição.
Não sei se esse individuo parou para pensar quais são os danos, do ponto de vista moral e psicológico, que resultam deste tipo de punição no seio daqueles homens.
Privar um militar, em combate, de usufruir o seu salário é muito perigoso. Por desespero e por uma questão de sobrevivência, pode cair na tentação de vender informações classificadas ao inimigo sobre a movimentação das FADM, úteis para fazer as suas incursões e os insurgentes têm a fama de pagar bem aos seus colaboradores.
Será que as chefias militares acham normal a sua tropa cair, sistematicamente, em emboscadas ou que os terroristas saibam quem é quem nas posições das FADM que atacam gritando, inclusivo, os seus nomes durante a incursão? Não é preciso alguém ser militar para concluir que alguma coisa não está bem.
É preciso entender que além de combatentes, os homens são, acima de tudo, chefes de família e têm contas a pagar, nomeadamente renda de casa, alimentação, escola dos miúdos, transporte, água e luz e outras despesas. O congelamento dos seus salários coloca-lhes numa situação de não poderem honrar com os seus compromissos.
Do ponto de vista militar, os homens deixam de concentrar-se naquilo que é o seu foco que é o combate ao terrorismo para ocuparem-se por questões marginais.
Se o atraso de alguns dias no pagamento dos salários às FDS já é um problema, porque, pela natureza do seu trabalho, devem merecer prioridade, já devem imaginar o que é que significa deixar o militar sem salário, durante meses, por punição. Isto assusta-me e de que maneira.
Por lei, as FDS não têm o direito de fazer greve porque se o tivessem, talvez estariam, por estas alturas, nas ruas a manifestarem-se e a explicarem ao público quais foram as razões que lhes levaram a não obedecer a algumas ordens para o melhor entendimento. Acontece que a greve dos militares, quando insatisfeitos, é o golpe de Estado.
Não quero, com isso, dizer que seja assunto para uma sublevação militar em Moçambique. Não, mas alertar, a quem de direito, para o facto de que não se deve brincar com a sensibilidade dos militares.
Punir, sim, mas sem nunca mexer com os salários de quem está a lutar em condições difíceis, sem logística e equipamento militar à altura de combater o terrorismo. Terroristas que atacam com armamento moderno e a usarem tecnologias militares.
Punir, sim, o militar prevaricador, mas nunca prejudicar a sua família que não tem nada a ver com o seu comportamento no exército.
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