Terrorismo: Como parar uma guerra que compensa a quem tem “poder de parar”?

EDITORIAL

Em novembro de 2023 (Edição 136), fez capa neste Jornal o saque ruandês em Cabo Delgado, onde, recorrendo a todos os recursos que o jornalismo investigativo dispõe, alistamos o império da Frente Patriótica que cresce na mesma proporção que a guerra no Teatro Operacional Norte (TON) dura. Foi possível identificar quatro empresas ruandesas com interesses comerciais no mesmo perímetro onde as forças daquele país garantem a segurança.

 

Quando estávamos a fazer o levantamento de dados, o sector privado encolheu-se no discurso de que ainda não havia anúncio oficial da retoma das actividades, pelo que não fazia sentido reivindicar qualquer participação ou ao menos questionar, enquanto que o Executivo, que vai deixando mais nítida a ideia de que pode ter sabotado iniciativas voltadas à segurança nacional (ProIndicus e outras) em detrimento de ter preferência de escolha, no caso a opção ruandesa, não se dignou a convencer os moçambicanos o porquê são ruandeses a assumir tais negócios. Isto num contexto em que está ganhando repto a ideia de que “corruptos infiltrados” ascenderam até à administração da Frelimo, pelo que não surpreende a possibilidade de estes hipotecarem a soberania, como se suspeita em Cabo Delgado. E por último, a sociedade, esta que só hasteia o que vem de fora, esperou ler do Financial Times para se indignar o que foi exposto há mais de um ano. Como se pode ver, somos todos cúmplices, pelo medo, indiferença ou até pelo preço que mutila a nossa integridade.

 

Os detalhes que sugerem interesses económicos são mais assustadores que a própria guerra, e onde os ganhos financeiros estão no topo e a vida humana preterida, não há dúvidas de que os lucros podem ser revertidos para financiar a própria guerra, mesmo que seja numa escalada menor, só para legitimar a continuidade e garantir forças no terreno. São sete anos de uma guerra cujas motivações não estão claras, não são conhecidas, e mais assustadoras do que isso é a indiferença das próprias autoridades, que pouco fazem para que seja responsabilidade exclusiva das FDS assegurar a segurança nestes territórios. Quem deseja ajudar a superar as dificuldades, capacita-te, não sustenta a sua dependência. Sete anos são suficientes para treinar o exército FDS nas mais diversas especialidades. São suficientes para a inteligência conhecer as motivações da guerra. Só de 1.1 mil milhões de dólares gastos nos primeiros três anos (2017-2020), podiam muito bem equipar as FDS e estarem, no mínimo, ao mesmo nível das Forças Ruandesas. Mas nada disso sucede, o que sugere que entre os beneficiários da guerra de Cabo Delgado estão aqueles que têm poder de decisão.

 

E os indicadores de que estamos diante de uma frente económica camuflada na religião não são de hoje. É que no decurso do terrorismo mais questões de conflitos de natureza económica foram levantadas, com narrativas conspiratórias, como são os casos de ocupação de terras abandonadas pelos nativos que fugiam da guerra, a ocupação de residências pelas forças ruandesas, em Mocímboa da Praia, que não desocuparam mesmo depois de mobilização dos deslocados para que retomam as suas zonas de origem. Há deslocados que depois de voltar são obrigados a ficar em casa de familiares porque os militares ruandeses não cedem suas casas e o Estado, a nível local, não mostra a mínima competência e preocupação em sanar este conflito. Como é possível parar uma guerra que compensa a quem tem “poder de parar”?

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