- Direcção da Escola protege professores e diz que não recebeu denúncia
- Observatório das Mulheres defende mecanismos eficazes de denúncias
Dois professores da Escola Secundária Heróis Moçambicanos estão a ser acusados de assédio sexual. Segundo uma denúncia a que o Evidências teve acesso, os dois docentes aliciam as suas estudantes em troca de melhores notas e passagem de classe. No entanto, a direcção da Escola Secundária Heróis Moçambicanos refuta as acusações que pesam sobre a classe docente, tendo garantido que ainda não recebeu nenhuma denúncia por parte das estudantes. Relativamente a este fenómeno naquele estabelecimento de ensino, a activista social Quitéria Guirengane, por sinal secretária executiva do Observatório das Mulheres, considera que é um crime silencioso e, acima de tudo, sofisticado, daí que defende a criação de mecanismos eficazes para a recepção de denúncias e garantir a proteção das vítimas.
Luísa Mahambe
Em Moçambique, o assédio sexual nas instituições do ensino superior e secundário é uma realidade. De acordo com um estudo levado a cabo pelo Centro de Integridade Pública (CIP), seis em cada 10 alunas do ensino superior já foram vítimas de assédio sexual.
Entretanto, no ensino secundário, apesar de não existirem estatísticas oficiais, os casos de assédio sexual crescem ano após ano. A título de exemplo, na Escola Secundária Heróis Moçambicanos, arredores do município de Maputo, as alunas acusam a classe docente de assédio sexual.
Trata-se de dois professores que lecionam no período da tarde, secção de Letras, nas disciplinas de Língua inglês e Tecnologias de Informação e Comunicação. De acordo com a denúncia a que o Evidências teve acesso, os dois professores aliciam as alunas com promessas de melhores notas e quando estas não cedem a situação evolui para ameaças.
Algumas alunas que estudam naquele estabelecimento de ensino, que falaram ao Evidências na condição de anonimato, confirmam que há docentes que se escondem por detrás das batas para assediarem as discípulas, sendo que para não serem denunciados pautam pela ameaça de reprovação.
“Eles dizem que se falarmos, vamos reprovar e nunca sairemos dessa escola”, disse Joana Magaia (nome fictício), uma das alunas na Escola Secundária Heróis Moçambicanos.
O medo de represálias impede muitas estudantes de denunciar devido às consequências que podem enfrentar no ambiente escolar. “Eles têm poder aqui na escola, por isso não podemos fazer nada”, declarou Magaia.
Na sua versão dos factos, a direcção da Escola Secundária Heróis Moçambicanos, na voz de Ezequiel Manhiça, director-adjunto do segundo ciclo, declarou que não recebeu nenhuma denúncia formal sobre assédio.
“Nós vamos investigar internamente para sabermos concretamente o que é que está a acontecer. Temos uma estrutura montada que permite que qualquer informação ou reclamação que o aluno queira passar, use desses meios, quer de forma física, de forma anônima, submetendo uma carta de reclamação ou por mensagem”, disse Ezequiel Manhiça.
Manhiça destacou que a escola possui grupos de WhatsApp em todas as turmas, onde professores e a direcção estão presentes, facilitando denúncias anônimas. No entanto, ele reconhece que parece haver uma falta de confiança nos mecanismos já criados pela escola.
“Vamos buscar melhorar as nossas estratégias, já que parece que os alunos não confiam nos mecanismos já criados”, admitiu, para depois referir que a escola se compromete a disciplinar os professores envolvidos, caso as acusações sejam confirmadas.
“Nem em casos de envolvimento consensual entre professores e alunas há inibição de uma responsabilização, pois o professor está ali para ministrar as aulas e não para se meter nesse tipo de assunto”, reforçou Manhiça.
Um Crime Silencioso e Sofisticado
Quitéria Guirengane, do Observatório da Mulher, olha para o assédio sexual como um “crime silencioso e bastante sofisticado”, o que, segundo ela, justifica a frequência de casos nas escolas. “A vítima acaba se tornando vilã e por vezes desistindo da escola, totalmente humilhada”, explica Guirengane.
Guirengane enfatiza que o silêncio em torno desse tipo de crime e a forma como ele é conduzido tornam mais difícil identificar e combater o assédio sexual, já que no país é um tema ainda muito banalizado e muitas vezes há dificuldades de denunciar, pois a vítima acaba sendo culpabilizada pelos abusos.
Por outro lado, a secretaria executiva do Observatório das Mulheres ressalta o papel das organizações da sociedade civil no combate ao assédio sexual nas escolas, mas sublinha que a responsabilidade principal é do Estado que deve prevenir, punir e proteger as vítimas, tendo ainda criticado a falta de uma legislação específica sobre o assédio sexual nas escolas, o que de certa forma, frequentemente, faz com que escolas aleguem não saber como agir nesses casos.
A activista destacou a urgência de se criar mecanismos eficazes para a recepção de denúncias e garantir a protecção das vítimas e denunciantes. “É preciso acabar com essa cultura de protecionismo nas instituições de ensino”, afirma Guirengane, sugerindo que as escolas ensinem que o assédio é crime e adotem políticas claras para lidar com as denúncias.
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