- Moçambicanos chamados às urnas em eleições marcadas pela incerteza
- Desde 1999, a taxa de abstenção tem estado a aumentar, a medida do descrédito dos órgãos eleitorais
- Desinteresse pela política, desconfiança e ideia da impotência do voto entre as causas da abstenção
- Fantasma de conflito pós-eleitoral continua. Oposição denuncia manobras e promove “votou-sentou”
Num total clima de incerteza e ameaças de conflito pós-eleitorais, os moçambicanos vão, esta quarta-feira (09), às urnas para votar naquele que será o quinto Presidente da República na história de Moçambique independente; nos deputados da X Legislatura da Assembleia da República e membros das Assembleias Provinciais, incluindo governadores provinciais. Mais uma vez, as eleições vão decorrer num clima de suspeição, tal como se viu durante a campanha, em que a oposição acusou o partido governamental de estar a arquitetar um esquema de fraude. Mas não é só isso que assombra este processo. Estudos mostram uma taxa de abstenção cada vez mais crescente. Depois das primeiras eleições, em que a participação foi de 93% em 1994 e 70% em 1999, o número de votantes não tem sido superior a 50% dos inscritos, o que fica a dever-se a diversos factores, dentre os quais o descrédito no Sistema eleitoral. Com novos actores e uma juventude cada vez mais fervorosa por mudanças, a maior dúvida é se manter-se-ão altas as taxas de abstenções, irão massivamente às urnas para expressar o seu voto ou teremos mais um conflito pós-eleitoral resultante das cíclicas suspeições de fraude.
Evidências
Quatro candidatos presidenciais e 37 partidos políticos vão, esta quarta-feira, disputar as sétimas eleições gerais, num ambiente de grande tensão e desconfiança entre as partes. De resto, para além dos candidatos presidenciais, Lutero Simango, Daniel Chapo, Venâncio Mondlane e Ossufo Momade; apenas cinco partidos, nomeadamente MDM, Frelimo, Renamo, Nova Democracia e PODEMOS, é que deram nas vistas. As restantes formações políticas fizeram serviços mínimos, enquanto outros partidos apenas justificaram o uso dos fundos sem terem se feito presentes nas ruas em jornadas de caça ao voto.
Os jovens da dita Geração Z, muitos deles nascidos depois do ano 2000 indo até 2006, sem histórico de Guerra e habituados a ouvir seus pais reprovarem o Governo, vão, muitos deles, votar pela primeira vez e poderão ser determinantes ou não nestas eleições.
É que, estudos mostram uma tendência maior de abstenção entre os mais jovens, entre 18 e 25 anos. Um Estudo do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), publicado em 2015, com o título “2014 – Um inquérito sobre a abstenção”, mostra que existe uma clara tendência para a diminuição da taxa de abstenção à medida que a idade avança.
“Em termos socio-demográficos, o primeiro aspecto a salientar é que a abstenção diz respeito particularmente às mulheres e o segundo é que ela afecta principalmente os cidadãos mais jovens. Do ponto de vista sociológico, quem mais se abstem são os cidadãos menos educados e que se situam, em termos ocupacionais, nas margens da economia formal, com destaque para os trabalhadores do sector informal e desempregados, seguidos dos camponeses e agricultores. Em consonância com estes factores, observa-se que quanto piores são as condições de vida das famílias, maior é a tendência para a abstenção”, lê-se no estudo assinado por Salvador Forquilha.
O desinteresse pela política, assim como a falta de informação, ou a desconfiança em relação aos políticos e a ideia de que o voto não tem nenhum efeito são factores que propiciam a abstenção, segundo o IESE.
Curiosamente, num ano em que a campanha eleitoral foi mais fraca em relação aos anteriores, sendo mais marcada por uma propaganda mais digital, muito perniciosa a notícias falsas, notou-se um maior interesse pela política por parte dos jovens, o que faz acreditar na possibilidade de uma maior participação nas urnas, quando comparado com os anos anteriores, a contar pelas molduras humanas que acompanhavam os candidatos.
No entanto, a desilusão em relação aos órgãos eleitorais e as clivagens internas nos partidos políticos da oposição fizeram com que muita gente não fosse recensear-se. No ano passado, logo após a divulgação dos resultados das eleições autárquicas que foram bastante contestadas, muitos cidadãos incineraram os seus cartões ou inutilizaram-nos, tal como mostram uma série de vídeos que inundaram as redes sociais.
Apesar deste cenário, a entrada de novos actores, como Venâncio Mondlane, e a renovação interna na Frelimo, que apostou num Daniel Chapo, sem passado de Guerra e que não está associado a nenhum grupo dentro do seu partido, tem estado a renovar esperanças de cada vez maior participação dos eleitores.
Histórico e evolução das abstenções em Moçambique
Moçambique realizou as suas primeiras eleições presidenciais e legislativas em 1994, que marcaram a transição para o multipartidarismo. Com uma população recém-saída da guerra e com curiosidade de participar de um fenómeno novo, as primeiras eleições selaram o maior recorde de participação, com cerca de 93%.
Nas eleições seguintes, no caso em 1999, a participação foi de 70%. Foram as primeiras a serem amplamente contestadas e com insinuações de fraude. Desde então a participação dos eleitores reduziu e a partir das eleições de 2004 os níveis de abstenção têm sido superiores a 50%.
Este ano, dois fantasmas assombram o processo: o desgaste das instituições que intervêm no processo eleitoral, o que leva a consequente abstenção, e as alternativas políticas que se mostram pouco aglutinadoras.
Este retrato é conjugado por um perfil de eleitorado, aquele experiente, esgotado, frustrado e mais céptico na máquina de administração eleitoral, empurrando os jovens a serem determinantes neste processo. Muitos destes jovens, que vão votar pela primeira vez, não têm tempo para folhear os manifestos, estão habituados a reclamar sem exercer a cidadania e facilmente cooptáveis, sendo muitas vezes presas fáceis para discursos fáceis, fake news e outro tipo de manipulações.
Diante deste cenário descrito, a pergunta que não quer calar é: Quem vai ganhar as eleições de amanhã? A abstenção? O voto expresso nas urnas? Ou a famosa fraude eleitoral, que é o mote dos conflitos pós-eleitorais?
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