Hélder Martins quebra silêncio e pede a Nyusi e seu grupo para devolverem a Frelimo ao povo

POLÍTICA
  • Fundador denuncia infiltração na Frelimo por todo o tipo de oportunistas
  • “Hoje, só a voz da bajulação é ouvida no Partido”

Numa altura em que reina um silêncio ensurdecedor no seio da Frelimo, Hélder Martins, antigo ministro da Saúde, decidiu levantar a sua voz e não se acovardar. Numa carta aberta dirigida à liderança e aos membros do partido, começa por tecer duras críticas sobre o actual estágio do país e, sobretudo, do partido no poder, para depois apontar possíveis soluções completamente disruptivas. Martins, dos poucos membros seniores que se recusam a ser arregimentados ao silêncio pelos actuais “donos” do partido, refere que a crise pós-eleitoral veio expor que a Frelimo abandonou o povo, defendendo por isso a realização de uma Conferência Nacional Abrangente para que, através do diálogo e conversações francas e honestas, se cheguem a consensos políticos, que possam trazer a Paz e o Desenvolvimento social e económico ao nosso país, bem como devolver o partido ao povo.

Evidências

Hélder Martins, um dos quase 300 militantes que fundaram a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), depois de ter sido membro da UDENAMO, dos quais hoje somente cinco são ainda vivos, escolheu o mais difícil. Renunciou ao conforto de quem quer simplesmente ser bem visto pela liderança, bastando, para tal, adular e dar palmadinhas nas costas de Nyusi e seu grupo para estar do lado dos que arriscam a ser isolados só porque escolheram alertar sobre a realidade nua e crua.

Começa a sua carta destacando estar muito preocupado com a actual situação social, económica e política do País, para depois chamar os seus camaradas à razão, pois, no seu entender, este partido não pode culpar os nossos adversários políticos desta situação desastrosa, até porque o País sempre foi governado pela Frelimo desde a independência.

Chamando para si o papel de reserva moral que nos últimos anos escasseia no partido que governa o país desde 1975, encara a situação do país de forma nua e crua, para reconhecer que o seu partido enfrenta, hoje, a pior crise de sempre, desde a sua fundação em 1962, uma crise que ameaça a existência da Frelimo.

“Durante a nossa rica História de mais de 62 anos, tivemos de enfrentar problemas vários, crises e até traições, mas durante muitos anos soubemos resolver essas dificuldades, primeiro, através da aceitação da existência da crise ou do problema e, a seguir, através da análise e debate profundo e alargado dos problemas, da crítica e autocrítica, e foi assim que as soluções foram sempre encontradas. Soluções nas quais os militantes e os simpatizantes se reviam. Por isso, negar a existência da crise na FRELIMO, hoje, é uma traição aos nobres desígnios do nosso Partido, porque é condenar, intencionalmente, o Partido à destruição. (…) Toda esta gravosa situação tem feito com que muitos dos nossos militantes e inúmeros simpatizantes que votavam no Partido e se reviam nele, se tenham gradualmente afastado”, reconhece, para depois diagnosticar o que está a distanciar a Frelimo do povo.

No entender de Hélder Martins, a falta de requisitos para a admissão de membros e a falta de definição de perfis para candidatos a dirigentes do Partido resultou num processo lento, mas gradual, de infiltração no Partido, por todo o tipo de oportunistas que tomaram postos nos órgãos e na direcção do Partido.

“Ficamos calados: Temos que admitir nossa quota parte de responsabilidade”

Aliás, Martins divide a culpa com os demais “camaradas” do bem pelo actual estágio do partido, uma vez que, no seu entender, tornaram-se cúmplices e covardes, assistindo inertes a degradação das estruturas partidárias e da escandalosa situação social, económica e política do país.

“A par disto e talvez como consequência, foram-se abandonando os critérios éticos nas fontes de financiamento do Partido, aceitando-se dinheiro de fontes ilícitas e que, mafiosos sejam tratados com respeito, só porque financiam o Partido. Eu e muitos outros nossos camaradas temos de admitir que por inércia, inacção e complacência da nossa parte, também contribuímos, ficando calados, para que a situação se agravasse deste modo. Portanto, também temos de admitir a nossa quota parte de responsabilidade nesta situação. Como este processo de degradação das estruturas partidárias e da escandalosa situação social, económica e política do país se desenvolveu lenta e insidiosamente e como a mínima crítica passou a ser malvista e reprimida, fomo-nos acomodando e tornamo-nos cúmplices e covardes”, le-se na carta aberta de Helder Martins à direcção da Frelimo.

Martins não tem dúvidas que o seu partido está infiltrado “por oportunistas de todos os estilos, meros negociantes, gente que vê na política um meio de enriquecimento com os bens públicos e com o suor do Povo, alguns dos quais chegando ardilosamente, a tomar postos nos órgãos e na direcção do Partido, capturando-os. E como consequência disso, instalou-se no Partido a prática da obstrução ao direito à opinião e o espaço para discussão foi fechado. Hoje, só a voz da bajulação é ouvida no Partido”.

O antigo ministro da Saúde aponta que a Frelimo desviou-se do verso do que diz “Nenhum Tirano nos irá escravizar!” e lamentou o facto dos camaradas terem ignorado as irregularidades que mancharam as Eleições Gerais, Legislativas e das Assembleias Provinciais, sendo que, ao seu ver, o clima de instabilidade que se vive no país deriva da fraude.

“Essa fraude eleitoral é a causa de toda a instabilidade sociopolítica que se seguiu, e se mantém nas principais cidades do País e ela veio expor uma percepção popular, extremamente preocupante, de que “a FRELIMO abandonou o Povo”. E é necessário não confundir causas com consequências. A agitação social que vivemos actualmente no nosso país é causada pela fraude eleitoral e tentar atacar as consequências sem ir à raiz do problema, a verdadeira causa, é «política de avestruz», mas não resolve nenhum problema. Por isso, hoje, como sempre, cabe aos militantes e à Direcção, com o apoio de todos os simpatizantes, corrigir o perigoso curso em que o Partido, a Sociedade e o Estado se encontram, de modo a recuperarmos a nossa base social popular”.

Para ultrapassar a crise pós-eleitoral, Martins defende que se realize urgentemente uma Conferência Nacional Abrangente para um diálogo franco e honesto.

“Realização muito URGENTE, duma Conferência Nacional Abrangente, para análise da situação e para que, através do diálogo e conversações francas e honestas, se cheguem a consensos políticos, que possam trazer a Paz e o Desenvolvimento social e económico ao nosso País. Uma tal proposta já foi feita por outros sectores da nossa Sociedade e merece o meu total apoio, pois através dela se espera chegar a um Consenso Nacional Alargado, única forma de atingirmos a Paz Social e o Desenvolvimento. Essa Conferência Nacional Abrangente tem um carácter de EXTREMA URGÊNCIA e não deve esperar pelo veredicto do Conselho Constitucional, que já demonstrou a sua incapacidade para considerar o impacto social, económico e político, das suas decisões, na vida nacional”.

Por outro lado, logo após a Conferência Nacional Abrangente, Helder Martins entende que a Frelimo deve realizar uma Conferência Nacional de Quadros e, posteriormente, Congresso Extraordinário “para analisar as recomendações da Conferência Nacional de Quadros e deliberar sobre a sua implementação, sobretudo no que respeita à reestruturação do Partido, purificação de fileiras e métodos de trabalho”.

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