Felisberto S. Botão
Moçambique não está bem; só um grupo muito restrito é que não vê isso, e acha todo o resto dos moçambicanos como problemáticos. Os sinais vêm de todo lado, não precisa procurar. O sistema eleitoral e o processo eleitoral de 2023 e 2024 são a face mais visível da desordem que o país se tornou.
As falhas do processo eleitoral 2024 são tão flagrantes que já são motivo de piadas no país e na comunidade internacional. O CC até começou bem ao exigir suportes a CNE, não sei se a CNE tinha garantido que era capaz, só que ao aperceber-se que não tinha nada, a CC mistura-se na mesma água suja que a CNE, ao tentar desconsiderar esta demanda e a falta de resposta efectiva por parte da CNE.
As instituições eleitorais, nomeadamente, STAE, CNE e CC, caíram no descrédito total, diante do nível a que levaram este imbróglio de eleições de 2024. Já não e razoável para ninguém, e nem em qualquer lugar, a demora que a resolução dos ilícitos eleitorais esta a levar, relegando-nos para a possibilidade da incompetência das pessoas que lideram este processo, e até alguma falta de vergonha.
Estão a prolongar esta situação por tempo excessivo, o que mostra a determinação de manipular e escamotear a verdade, seja lá qual ela for. Mas o risco desta posição é que por conta de cada vez empregar-se mais força e ser-se mais brutal, para desencorajar as massas, mais sectores da sociedade ficam desgastados e se distanciam das instituições, e poderemos começar a assistir isso em sectores importantes como a educação, a saúde, a polícia, o exército e a força secreta. Se o regime ficar apenas com os comandantes do seu lado, e os magistrados chefes, e os directores da saúde e da educação, será muito pouca gente para dar conta da situação.
Isso leva a um dado importante com relação a conferência de intelectuais propalada, que pessoalmente achoa fora de contexto, nos termos que foi propagada. Neste momento, o único debate que vale a pena, e que o povo poderá prestar atenção, é sobre a “impunidade dos membros do STAE, CNE e CC“, e como a sociedade pode responsabilizar os cabecilhas lá metidos, que estão a cometer um crime contra a soberania de um povo. Esta não é hora de distrair as pessoas com conferência sobre um estado novo.
Uma vez eu falei sobre o ónus que representam os intelectuais africanos para África, receio que vamos assistir mais um caso, infelizmente. Hoje está a construir-se uma narrativa de que “o estrangeiro está a financiar as manifestações”. Que importância isso tem, se não resolvemos a causa das manifestações? E são os nossos intelectuais que estão a levar este tema ao debate intelectual, a consumir horas úteis de tempo de antena em TVs da praça.
Uma conferência neste momento se justificaria se for para tomar um posicionamento da sociedade civil, representada pelos intelectuais, com relação ao resultado das eleições e ao desempenho das instituições de gestão de eleições. Depois podemos discutir um estado novo.
Quando começa a ganhar corpo a discussão de quem está a financiar as manifestações, é mais uma revelação de que para nós, o nacional não é capaz de fazer nada sozinho, e uma forma de desviar atenções daquilo que realmente precisa ser discutido.
Isso lembra-me quando eu levantei problema que os movimentos jovens do Quénia, da Nigéria e do Zimbabué tiveram aquando das manifestações que eclodiram naqueles países: fome e logística. E me referi naquela altura que o Venâncio não teria a capacidade logística de sustentar manifestações por muito tempo. O Venâncio tem estado a desmentir-me semana após semana, ao partilhar o risco da logística com o povo, o que é uma inovação que servirá de referência para outras latitudes no mundo todo.
Nós devíamos celebrar o Venâncio Mondlane, por ser filho desta terra, mas como eu disse aqui antes, “nós matamos as nossas estrelas”. A nossa disfunção mental e cognitiva é maior que o nosso patriotismo.
O mundo está a mudar rapidamente, e a geopolítica global está a redefinir-se, o que torna fundamental ter-se um posicionamento, para não sermos arrastados por agendas de terceiros. Um dos pilares posicionais que África tem é mercado único africano, o AfCFTA, que embora estarmos a avançar com muita timidez, está para breve o momento inevitável de grandes investimentos em infraestruturas, agronegócios, tecnologias, etc., o que só será possível com mão de obra qualificada e em grande quantidade. Se nós nos distraímos a matar os nossos quadros por pensarem diferente, quem vai liderar este movimento de desenvolvimento, sem as nossas estrelas, os cérebros deste continente? Se não for pela ignorância dos africanos na diáspora, descendentes de escravizados, ou a fuga dos cérebros actuais a busca de melhores condições em terras longínquas, os que ficam nós os matamos, literalmente. Quem somos nós afinal?
Vamos ter a implementação do AfCFTA a ser liderado por chineses, indianos e árabes? Ou mais uma vez preferimos deixar nas mãos do europeu? Quem somos nós afinal?
Não podemos caçar um irmão nosso como se fosse uma gazela, porque estamos com medo do futuro e da reacção do colono.
Porquê escolher morrer junto?
Como dissemos na semana passada, toda gente tem medo de falhar na sua MISSĀO, e quando o medo toma conta, as pessoas se tornam agressivas, e o foco é cumprir a missão. Todos os meios são válidos, incluindo o abuso de direitos do consumidor, e desrespeito a vida, para não falar de outros direitos. As mentiras que acumulamos durante os anos, são as armadilhas que engatilham o medo que nos guia nesta MISSĀO, que assombra as pessoas e instituições, cada um a seu nível, que é a proteção e defesa do neocolonialismo, uma instituição do colono.
O ocidente está em decadência, e o colapso está a precipitar-se de forma acelerada. A tendência global do imperialismo é a queda. Muitos regimes africanos, tendo começado forçados, acabaram gostando e adoptado o modelo de exploração imperialista. Desligaram-se da linha original de libertar o povo, e começaram a apreciar os benefícios de explorar o povo.
O facto é que se não conseguirem desapegar do colono, vão cair junto com o bloco imperialista. A Frelimo está a correr este risco, assim como a ZANU PF, ANC e MPLA.
Se for para o sistema neocolonial continuar a funcionar normalmente, pode considerar-se que os estados unidos, a europa ocidental e o Japão estão falidos. O que os pode salvar será a instalação de um caos global, e eventualmente uma guerra total poderia responder a este cenário.
O ocidente e seus aliados parecem estar desesperadamente a procura da guerra, é só olhar para os casos da Ucrânia, da Geórgia, da Moldávia, da Palestina, do Líbano, da Síria, do Taiwan, do Sudão, do Sahel, até da Etiópia, que ainda não está completamente resolvido. É um desespero total para se manter com vida, de um sistema que domina o mundo com base no roubo e na propaganda enganosa.
O nível de endividamento das economias do ocidente é insustentável, a inflação, provocada pelo esquema da dívida que eles próprios montaram, está a matar a sua própria população, e as sanções económicas que usaram como arma para enfraquecer “inimigos”, que só existem nas cabeças deles, gerou sistemas alternativos do sul global, a nível financeiro e comercial, o que enfraquece a alavancagem que tinham no dólar e nas instituições “globais”; e militarmente, de tanto abuso às soberanias de terceiros, vários países construíram exércitos fortes, capazes de desafiar o ocidente.
Portanto, os mecanismos e instituições que sustentam o neocolonialismo estão enfraquecidos, e aqueles que são inteligentes, estão a afastar-se discretamente do bloco ocidental, para não cair junto. Entretanto vemos alguns regimes, principalmente em África, no apego abnegado a este sistema moribundo. Afinal, porquê escolher morrer junto?
Portanto, nós falhamos lá atrás, quando optamos pelo gradualismo, no lugar do radicalismo no processo de libertação da terra e união dos povos de África, abrindo espaço para a captura das instituições pelo sistema neocolonial, no modelo do grupo de “Monróvia”, que deixou-se infiltrar pela união europeia. Não vamos permitir mais uma vez, nesta clara viragem do ciclo, deixarmo-nos suplantar pelos europeus.
Estamos em tempo e em posição de reverter a história, porque se o não fizermos agora, vamos esperar mais 100 anos…
Daniel Chapo, Venâncio Mondlane, Ossufo Momade e Lutero Simango, são irmãos e a sua causa é a mesma, o resgate da nossa terra do sistema neocolonial, qualquer agenda que os divida, e se distancie do resgate da terra, não é nossa agenda, consequentemente de nenhum deles. A lealdade à pátria deve vir em primeiro lugar, antes da lealdade aos grupos políticos. Os dois primeiros, mais do que os outros, devem assumir o seu patriotismo e liderar este processo, e o presidente Filipe Nyusi precisa deixar o protagonismo que está a tomar…
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