Não podemos omitir que o rastilho do caos são os resultados eleitorais – observa Severino Ngoenha

DESTAQUE SOCIEDADE

Actualmente, Moçambique vive uma instabilidade social e política na sequência do anúncio dos resultados das Eleições Gerais, Legislativas e das Assembleias Provinciais. No entanto, o conceituado académico Severino Ngoenha observa que não se pode omitir que “o rastilho do caos são os resultados eleitorais”, tendo ainda referido que independentemente dos resultados que serão anunciados pelo Conselho Constitucional não serão de natureza a apaziguar as tensões.

No entender de  Severino Ngoenha, o caos em que o país se encontra mergulhado parece ter a sua génese no último e atabalhoado processo eleitoral. No entanto, Ngoenha adverte que a realidade das demonstrações mostra que os problemas em causa transcendem as eleições e refletem uma crise mais ampla que questionam as estruturas profundas do contacto social que o Estado (volens, nolens) vem descumprindo nos últimos anos.

O conceituado acadêmico aponta que as  manifestações desvelam um sentimento de desconfiança e descontentamento em relação às instituições eleitorais, mas os slogans que emergem nas estradas, mercados, escolas, hospitais (…) revelam algo ainda mais profundo, referindo que actualmete por mais que os resultados fossem revelados pelo Papa Francico  e pelo recem – eleito presidente dos Estados Unidos da América não seria suficiente para pacificar o país.

“No actual status situationis, mesmo que os resultados das eleições fossem anunciados pelo Papa, pelo Secretário geral das Nações Unidas ou por Trump – e depois de uma auditoria forense – encoraríamos, na mesma, a um conflito civil com proporções imprevisíveis e perigosas para a estabilidade e integridade do país. A proclamação dos resultados das eleições é um rastilho de uma bomba (político-social) já armadilha e pronta a explodir. A questão urgente é como desactivar a bomba; evitar/parar a guerra e buscar com seriedade, soluções à crise do contrato social que nos apoquenta como sociedade”, refere Ngoenha para posteriormente observar que há uma a somalizar a província de Cabo Delgado.

“O arrebentar da bomba nos expõe a  riscos alarmantes de violência e anarquia com qual nenhum país pode viver -com cada um a fazer a lei como quer. A haitização do país – em parte já em curso -, em que gangues fazem leis nos bairros, povoações e distritos; a congolização, em que países estrangeiros intervêm militarmente no país; a libianização/iraquização (também já em curso) em que nos enredamos em conflitos internos, enquanto terceiros saqueiam (Cabo Delgado) os recursos ou, pior, a somalização (com os seus doze milhões de deslocados) que consiste na divisão do país”.

Se por um lado, Severino defende que não podemos, sequer, nos escondermos por detrás de artifícios jurídicos;  as  Constituições e as leis são respostas históricas e políticas que países dão num determinado momento da sua história.

Por outro, observa que não se pode omitir que “o rastilho do caos” são os resultados eleitorais.

“Não podemos omitir que o rastilho do caos são os resultados eleitorais, cuja proclamação  pode  aumentar o fogo num país já em chamas (…). Quaisquer que sejam os resultados pelo  Conselho Constitucional ,  não serão de natureza a apaziguar as tensões, a despolarizar a sociedade e trazer a paz social, conditio sine qua non para solução de todo e qualquer problema das populações: pobreza, desigualdades (…). Aliás, o seu anúncio risca de avolumar as tensões. Quando se apaga um fogo, quando os bombeiros chegam numa casa em chamas, a prioridade não é saber quem é o pirómano (incendiário), não é saber se o incêndio foi propositado ou foi acidental; o mais importante é apagar o fogo. Então, não se trata aqui de tentar incriminar pessoas, encontrar responsáveis, encontrar culpados, saber quem tem que pagar por isto ou por aquilo. A primeira e a mais importante coisa a fazer é apagar o fogo. A primeira das coisas a fazer, é salvar o que é salvável de uma casa em chamas e arder. E, depois disso, vamos encontrar maneiras para tentar reconstruir a casa, para que ela seja habitável, buscando a justiça”.

Nas entrelinhas, Severino Ngoenha refere que as mudanças são necessárias, mas que elas têm que ser profundas, estruturais, e não resvalar em compromissos de partidos, de indivíduos ou de grupos. Tem que haver mudanças que permitam  um novo começo, uma nova politeia (política), que integre os interesses de todo o povo de Moçambique.

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