- Ainda não houve nenhuma medida económica e social para acalmar os manifestantes
- Manifestações se transformaram em reivindicação contra pobreza e injustiças
- Conselho de Ministros continua a assobiar para o lado e CP da Frelimo só saúda FDS e Nyusi
- Caso Kenmare: Manifestantes começam a ir pedir ajustes de contas às mineradoras
Logo a seguir aos violentos protestos de 2008, 2010 e 2012, nas cidades de Maputo e Matola, durante o consulado de Armando Guebuza, o Governo anunciou um pacote de medidas económicas e sociais, para conter a crise, incluindo a demissão de quatro ministros ao mesmo tempo. Nestas manifestações, que se transformaram em reivindicação contra a pobreza e as injustiças, ainda não houve decisões que faz jus à dimensão do problema – nem sequer um Conselho de Ministros Extraordinário ou a criação de um Gabinete de Gestão da Crise. Do partido Frelimo, saem condenações às manifestações e comunicados da Comissão Política a saudar as Forças de Defesa e Segurança e o Presidente da República, mas nada que busque uma aproximação com o povo que se rebela nas ruas contra a má governação, sobretudo dos últimos 10 anos, que contribuiu para o aumento do descontentamento social, que acabou sendo o combustível ao qual ao candidato presidencial Venâncio Mondlane, simplesmente coube acionar a ignição.
Evidências
O ciclo de manifestações violentas convocadas pelo candidato presidencial suportado pelo Podemos, Venâncio Mondlane, em reivindicação dos resultados eleitorais das VIIª Eleições Gerais, vai completar proximamente dois meses sem que o Governo e o partido que o suporta (Frelimo) tenham apresentado medidas para conter a instabilidade política e social crescente.
Desde Outubro, pelo menos 100 pessoas morreram e 274 foram baleadas durante as manifestações e ainda há registo de 3450 detidos, segundo registos das organizações da sociedade civil. Além de saque a estabelecimentos comerciais e bloqueio das vias de acesso, as manifestações resvalaram para a destruição de tribunais, postos policiais, penitenciárias, sedes do partido Frelimo, habitações de responsáveis da polícia, viaturas de corpo de salvação pública, entre outros.
Nas duas últimas semanas, os manifestantes inauguraram uma nova de forma de ser e estar que se constitui numa verdadeira ameaça para os mega-projectos. Por exemplo, na localidade de Topuito, no distrito de Larde, os manifestantes escalaram e invadiram o acampamento da mineradora de areias pesadas Kenmare, onde protagonizaram uma série de exigências, apossaram-se de viaturas, saquearam bens, obrigaram os trabalhadores a manifestarem-se e cercaram o aeródromo local, obrigando um avião que acabava de aterrar a embrenhar uma fuga de emergência. O cenário, gerou receios de que outras comunidades afectadas pela indústria extrativa possam usar os mesmos meios.
O perímetro da Presidência da República, na Cidade de Maputo, na avenida Julius Nyerere, foi fechado nos horários anunciados por Venâncio Mondlane para a paralisação de viaturas, assim como as vias de acesso ao Ministério da Defesa Nacional e à Ponta Vermelha, significando que entidades superiores do Estado se adaptaram às lives do candidato presidencial, uma espécie de arregimentação de um poder a um outro poder.
A economia, no último trimestre deste ano, derrapou, devido ao encerramento de fronteiras, bloqueios de estradas, destruição de património, o que se reflectirá, no curto prazo, na inflação galopante, despedimentos por justa causa e deterioração das condições de vida da população.
Compromissos internacionais, como desembolsos de parceiros de cooperação e acordos com instituições financeiras e políticas, estão suspensos à espera da retoma da estabilidade, havendo o risco de se fecharem as janelas de financiamento, devido às burocracias inerentes.
Não é conhecida nenhuma estratégia de gestão desta crise por parte do Governo
Perante o quadro crítico, o Governo e o partido que o suporta ainda não apresentaram um pacote de medidas para estancar as manifestações e assegurar o funcionamento normal do país. O diálogo com Venâncio Mondlane estava, à partida, condenado ao fracasso, por falta de salvaguardas que dessem conforto ao candidato presidencial para se sentar à mesma mesa com Filipe Nyusi.
Os comunicados da Comissão Política do partido Frelimo mantêm a linha anacrónica de saudação das Forças de Defesa e Segurança e do Presidente da República e não apontam caminhos para resolver a crise política.
Os chefes das brigadas centrais – membros da Comissão Política – foram enviados, entre semana passada e esta, às províncias, mas mantém, perante à população, a narrativa de condenação às manifestações, alerta sobre os impactos negativos na vida da população e a indisponibilidade para negociação.
Até agora, não foi apresentada publicamente, existindo, uma Comissão de Gestão da Crise, responsável por assessorar e aconselhar a Direcção na tomada de decisões face aos impactos das manifestações.
Guebuza tomou medidas imediatas e fez cair quatro ministros
Esta letargia contrasta com a forma como foram geridas eficazmente outras manifestações. Logo a seguir aos violentos protestos populares de 2008, 2010 e 2012, nas cidades de Maputo e Matola, o Governo anunciou um pacote draconiano de medidas económicas e sociais, para conter imediatamente a fúria da população. E conteve!
As medidas passaram pela realização de sessões extraordinárias de Conselho de Ministros, que deliberaram o cancelamento de viagens internacionais de dirigentes, incluindo a participação do Presidente da República à época na 65ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, na Cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América (EUA).
As viagens dos ministros e directores nacionais foram condicionadas à necessidade, assim como também foi limitada a classe no avião para os dirigentes. As manifestações serviram também para mudanças governamentais, tendo sido exonerados, ao mesmo tempo, os ministros do Interior, Saúde, Agricultura e Indústria e Comércio.
O destaque foi, naquele momento, para o afastamento do ministro do Interior, José Pacheco, fortemente criticado pela forma como a polícia respondeu aos protestos contra a subida do custo de vida. Na altura, pelo menos 13 pessoas tinham sido mortas.
Hoje, quando faltam poucos dias para dois meses de manifestações violentas, que se transformaram em reivindicação contra o alto custo de vida, e em que já morreram 100 pessoas, o Governo e o partido Frelimo esqueceram as receitas do passado que contribuíram para devolver a estabilidade social ao país.
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