Nyusi procura saída pela porta grande no partido

DESTAQUE POLÍTICA
  • Renuncia a Presidência do Partido para evitar ser humilhado por camaradas
  • Não quer a experiência de Guebuza, que em 2015 foi apupado por Alcinda Abreu e outros
  • Na agenda consta somente eleição do presidente, secretário geral e novo secretariado do CC

É oficial. A III Sessão Extraordinário do Comité Central da Frelimo, convocada para dia 14 de Fevereiro próximo, irá eleger o novo presidente do partido Frelimo. Esta eleição irá marcar o fim da administração de Filipe Nyusi, que deverá renunciar a favor do seu sucessor Daniel Chapo, candidato improvável e vencedor contestado nas últimas eleições presidenciais, empossado semana passada, tornando-se no quinto Presidente da República. Filipe Nyusi tenta assim sair pela porta grande e evitar um processo mais fracturante e sujeito a todo tipo de especulações como aconteceu com Gubuza em Março de 2015. A Sessão Extraordinária estava prevista para Novembro de 2024, logo depois das eleições, no entanto, temendo ser censurado, Nyusi arrastou a sessão até depois de terminar o mandato enquanto o Presidente da República, influenciando processos que terão efeito no consulado do seu sucessor. Só para se ter ideia, a última nomeação de Filipe Nyusi foi dois dias antes da tomada de posse de Chapo, quando indicou Domingo Estevão Fernandes para o cargo de embaixador da ONU.

Evidências

Não é só liderar, é preciso interpretar cenários. É o pensamento que ocorre quando se analisa o percurso do Presidente Nyusi na presidência da Frelimo. Ao longo dos dez anos, moldou o partido a sua imagem, forçando alinhamento, anulando a reunião de quadros e privilegiando candidaturas únicas de figuras indicadas a dedo nas eleições a órgãos sociais. Arrastou um exército de inimigos, principalmente de pessoas que antes eram íntimas.

Entre os primeiros, consta o presidente Armando Guebuza, que antes da primeira sessão do CC o perguntou se estava confortável em deixar nas suas mãos a presidência do partido e se deveria renunciar. Em privado, segundo o Evidências apurou, Nyusi deu todo o conforto de que Guebuza devia renunciar. No entanto, a resposta a porta fechada não foi a mesma que Nyusi deixou transparecer na sessão, tendo criando a percepção de que Guebuza negava deixar o partido, o que forçou este a renunciar já na sessão entre apupos de camaradas como Alcinda Abreu. Desta aparente traição, as relações nunca mais foram as mesmas e o que se seguiu, veio abrir mais a ferida entre os dois.

Mas o exercito de inimigos no seio do partido nunca parou de crescer, e mesmo depois de construir um Comité Central a sua medida, no decurso do X Congresso, não impediu que estes se voltassem contra si. Das palavras da Graça Machel, ouviram-se palavras de que a administração da Frelimo foi assaltada por um grupo pequeno.

Pela primeira vez na história, quebrando a tradição de a Frelimo manter-se (ou fingir) coesa diante das eleições, quadros do partido questionaram os resultados da própria formação políticas nas eleições autárquicas. São ataques que pesavam sobre administração Nyusi, que no decurso da sucessão, quis impor sem sucesso seu candidato Roque Silva, o que levou a uma rebelião interna que fez diversos grupos opositores se unirem e endossarem seu apoio a Daniel Chapo, que havia sido introduzido na corrida como fauna acompanhante e, dessa forma, de improvável assumiu os destinos do país a custo de uma das mais violentas manifestações que nunca antes foram vivenciadas.

Estes cenários, segundo interpretações dos próprios quadros da Frelimo, teriam forçado os membros do CC a afastar Nyusi caso tivesse cedido à realização da sessão extraordinária do CC em Novembro 2024. Embora os pontos sugeridos gravitassem entre o balanço do partido para as eleições gerais.

Das pessoas abalizadas, as interpretações são de que a ideia de contornar o CC extraordinária visava evitar qualquer censura e influenciar o próximo governo. E Nyusi, cuja astucia foi demostrada em vários momentos, conseguiu influenciar até o próximo governo através da Comissão Politica por si dirigida. Mas não é a nível do partido que Nyusi deixou intactas suas impressões digitais no consulado de Chapo. As nomeações que ocorream nos últimos meses sugerem essa obsessão por controlo ou de a ideia de ter no Estado um espaço para fazer compensações. Faltando dois dias para entregar o poder, Nyusi nomeou embaixador de Moçambique para ONU.

Uma Extraordinária que ocorre a menos de um mês da Ordinária

Não está clara a urgência de uma sessão extraordinária quando, em Março, é realizada a sessão Ordinária do CC. Apenas lê-se, na convocatória, que na sua 39ª Sessão Ordinária, a Comissão Política (CP) da Frelimo deliberou pela convocação da III Sessão Extraordinária do Comité Central, para reunir no dia 14 de Fevereiro de 2025, na Escola Central do Partido, com a proposta de Agenda de Trabalho a eleição Presidente do Partido, Secretário-Geral do Partido e Membros do Secretariado do Comité Central.

Tradicionalmente, o CC realiza as suas sessões ordinárias no mês de Março, as vezes atrasando até Maio, o que indica que a sessão extraordinária irá reunir um mês antes da ordinária, sugerindo uma urgência na renuncia do Presidente da Frelimo.

Calculista, Nyusi já mediu a temperatura dentro da Frelimo, em que há quase um consenso de que este conduziu o partido para a sua pior crise desde a sua fundação, deixando-o com o seu mais baixo nível de popularidade, por isso, antes que seja removido de forma humilhante, prefere antecipar-se e criar condições para uma transição menos fracturante.

Qualquer um desde que não seja Nyusi

No entanto, apesar de consensual a ideia de que Nyusi deverá renunciar a favor de Daniel Chapo, há que anotar que há meses, foi levado a debate a possível inconstitucionalidade do Presidente da República liderar um partido político. O debate veio de fora, mas teve eco dentro da Frelimo e nalgum momento esteve misturado

Desde que governa o país, os sucessivos Presidentes da República sempre assumiram simultaneamente o cargo de presidente do partido. De algum tempo a esta parte está lançado um debate em torno da constitucionalidade ou não desta “norma de convivência”. Mesmo assim, a Frelimo sempre contornou este debate, com o argumento de que um Presidente da República, sem poder no partido teria dificuldades para governar.

Recentemente, Óscar Monteiro, acadêmico e jurista, sugeriu que o próximo Presidente da República não pode ser também o presidente do partido pelo qual se candidatou, para mostrar respeito pela Constituição da República. Monteiro defendia num artigo que fez circular, que caso a renúncia à presidência do partido não seja voluntária, deve ser forçada pelo Conselho Constitucional.

Através de um artigo de quatro páginas, intitulado “PARTIDO FRELIMO SERVE CAUSAS MAIORES”, o académico e político procura resgatar os valores do partido Frelimo e resolver uma inconstitucionalidade antiga, o facto de o Presidente da República ser também presidente da Frelimo.

“…eu não estava atento. É só o que posso dizer. Achei que não devia intervir constantemente na vida pública, porque havia órgãos para isso. Ademais, é preciso dar espaço e ter confiança nas novas equipas governativas, com a tranquilidade de saber que sempre tomarão as decisões mais correctas.  Até que as coisas se agravam e jogos de interesses e de poder me forçam à intervenção cívica”, lê-se no artigo.

Monteiro explica que “o pensamento político moçambicano evoluiu, no sentido de o Estado ser visto como algo que é pertença de todos os seus cidadãos. O Partido ou organização que geraram o Estado deverá, desejavelmente, sentir que chegou o momento de emancipar o Estado, deixá-lo ter vida própria. Uma nova fase se anuncia, em que diferentes visões do país e do mundo levam a posições diferentes, a escolhas políticas diversas e, portanto, a Partidos diferentes e em competição. O Estado afirma-se como de todos, regido por regras visíveis e equânimes, não favorecendo nenhum dos grupos ou agremiações dentro do espectro político”.

Nessa base e recordando que o artigo 148 da Constituição não precisa de regulamentação para a sua implementação, Monteiro questiona:

“Questão que nos deixa perplexos: o Presidente da República que continue a exercer a função de Presidente do Partido Frelimo, não está a violar flagrantemente a Constituição?”

E a seguir responde:

“Resposta imediata, genuína e honesta: renúncia, imediata, do Presidente do Partido Frelimo ao seu cargo no Partido. Esta renúncia deve, desejavelmente, ser voluntária e na sua falta, tal decisão deve ser tomada pelos respectivos órgãos partidários e, em última instância, imposta por órgão estatal competente, que só pode ser o Conselho Constitucional. Resposta simples a um problema que só se tornou complexo por via de uma gritante e contínua violação da Constituição, ao longo dos tempos em que não podemos persistir. Violação reiterada de regra constitucional não cria “costume” constitucional, diferentemente do que ocorre ao nível da legislação ordinária no contexto do Direito administrativo”, lê-se.

Refira-se que no ano passado foi submetido um estranho expediente no Conselho Constitucional com vista a declaração de inconstitucionalidade e consequente proibição do Presidente da República exercer funções privadas.

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