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Luca Bussotti
Um dos aspectos em que poucos repararam, no majestoso funeral do Papa Francisco I, foram as medidas de segurança que o governo italiano implementou para garantir que tudo corresse de forma tranquila e sem sobressaltos. A segurança é um bem supremo para cada ser humano e cada país, entretanto ficou uma sensação de exagero, e até de estranheza para o espectáculo a que assistimos.
Com efeito, além de uma “no fly zone” na área do Vaticano, estiveram presentes, nos edifícios próximos ao evento, francos atiradores, bazucaa anti-drones, com um controlo apertado de todas as dimensões geográficas possíveis: superfície, subsolo e ar, sem esquecer as águas. Na superfície, uma presença policial nunca vista antes, com grupos de bombeiros a operar em núcleos anti-nucleares e para prevenir ataques bacteriológicos; no subsolo, fiscalização contínua das estações da metropolitana de Roma; no ar, imagens em 3D retiradas pelos drones da polícia italiana, mas também a polícia fluvial a patrulhar o rio Tevere (rio Tibre), o rio que atravessa Roma, na parte mais próxima ao Vaticano. No total, foram 4000 os agentes da polícia e de outras forças de segurança da Itália a ser operacionais nos dias dos funerais do Papa, com complementação de agentes dos serviços de intelligence espalhados pela cidade, do exército, com mais 4000 membros voluntários da Protecção Civil.
Em suma, uma verdadeira configuração de guerra, digna de um país que está à espera, a qualquer momento, de um ataque inimigo, e não da celebração do funeral de um homem público que, independentemente da religião professada por cada um de nós, teve uma linha-mestra bem clara ao longo dos seus 12 anos de pontificado: a paz.
Por isso é que foi surpreendente que as medidas de segurança por ocasião do seu funeral fossem de tamanha envergadura. O próprio Papa não gostava nada de armas e equipamentos militares. Só para recordar um episódio recente, em 2022, aquando do Fórum do Mediterrâneo, em Florença, que reunia bispos e autarcas, ele resolveu não ir, devido à presença de um homem político que ele definiu como “criminoso de guerra”. Tratava-se de Marco Minniti, antigo ministro do interior pertencente ao Partido Democrático (centro-esquerda), que implementou os campos de retenção (mas seria melhor defini-los de prisão) dos migrantes africanos na Líbia, e que agora é presidente da “Med-Or”, uma controlada da Leonardo s.p.a., a maior produtora italiana de armas que, ao longo dos últimos 24 meses, teve uma subida enorme das suas cotações na bolsa de valores de Milão, cada acção passando de 22,09 para 44,36 euros. Também não nutria simpatias pela política anti-migrantes da direita mundial. Na Itália, o seu alvo principal era Matteo Salvini, actual ministro dos Transportes, mas já ministro do Interior, que em várias circunstâncias disse: “o meu Papa é Benedicto XVI, não Francisco”. E cuja postura para com os migrantes, principalmente africanos, sempre foi muito dura e, em certa medida, desumana. A nível internacional, a discórdia com Trump sobre este tema foi inconciliável. Trump tem definido o Papa Bergoglio de “homem bom”, uma definição extremamente pobre de conteúdos políticos, e tão simples e óbvia que não precisava do chefe de estado do maior país do mundo para pronunciá-la.
Agora, por que todo aquele aparato de guerra presente por ocasião do funeral do Papa Bergoglio? Como homem de paz, era difícil encontrar alguém de boa vontade, independentemente de qualquer credo religioso e político que fosse, que não concordasse com ele. Quem, hoje, mais chora a morte do Papa Francisco não são os católicos, mas, sim, o imenso “povo da paz” que reúne católicos e protestantes, judaicos e muçulmanos, laicos e ambientalistas. Desde a Ucrânia até à Palestina, do Congo ao Sudão, trata-se de um único povo que está à procura de uma convivência tranquila e sem o medo das armas. O aparato securitário não era, portanto, para o Papa “bom”, segundo uma definição usada para o Papa João XXIII, mas que bem se adequaria mesmo ao Papa Bergoglio. Não, aquele aparato militar e policial era justamente para proteger os políticos que lá estavam, e que semearam guerras e destruição ao longo dos últimos anos.
Trata-se de indivíduos que, mediante processos eleitorais justos ou não, têm enveredado para o caminho da guerra como opção de resolução dos conflitos entre países. Indivíduos com muitos inimigos espalhados pelo mundo, e que podem aparecer em qualquer momento e circunstância, mesmo durante o funeral do Papa “bom”, para procurar vinganças e mortes.
O Cardeal Giovanni Battista Re, encarregado de celebrar o funeral do Papa, realçou na sua homilia as frentes que viram o compromisso incansável do Papa: paz e acolhimento dos migrantes. Por isso é que usou o lema “construir pontes, e não muros”. Aquelas pontes que os poderosos da terra deixaram de construir, e aqueles muros que estão a erguer com crescente força e convicção, iludindo os respectivos eleitores de que, desta forma, a falta de comida, de paz, de liberdade e de democracia em vários cantos do mundo, a partir da África, poderá ser travada mediante barreiras físicas, sem uma redistribuição mais equitativa da riqueza a nível mundial.



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