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- Declarações do Ministro geraram espanto em doadores e chancelarias
As declarações recentes do ministro da Agricultura, Pesca e Ambiente, Roberto Albino, de que não sabe qual é ponto de situação do Projecto Sustenta, implementado pelo Governo anterior, com fundos do Banco Mundial e outros parceiros, não só geraram espanto para milhares de moçambicanos, como também para algumas chancelarias dos principais doadores dos programas do Governo, colhidas de surpresa com a informação de que, afinal, projectos por si financiados falharam ou, mais grave ainda, estão descartados sem nenhuma explicação por parte do Executivo. Numa resposta curta, grossa e que espelha uma suposta ruptura abrupta com o legado do seu antecessor. O ministro Albino recusou-se, terminantemente, perante a insistência de jornalistas, tecer qualquer comentário sobre o Sustenta, sob alegação de que só fala sobre o plano de desenvolvimento de Agricultura que está neste momento a desenhar neste mandato. Mas o Evidências sabe que as explicações que não deu ao povo, prestou-as de forma mais afloradas para um grupo de Whatsapp da sua faculdade, o que não só revela inconfidências, como também levanta questões éticas.
Evidências
Está instalada uma verdadeira crise de confiança entre o Governo e alguns dos seus principais doadores, após o actual ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas ter vindo a terreiro declarar uma clara posição de ruptura com o Projecto Sustenta, sem apresentar grandes detalhes sobre a referida decisão.
Quando questionado por jornalistas, recentemente, sobre o ponto de situação do projecto Sustenta, que foi a bandeira do Governo de Filipe Nyusi, o ministro Roberto Albino foi curto e peremptório na reposta: “Não sei”, declarou, esboçando cara de espanto, para depois de alguma insistência sentenciar: “Eu estou a desenhar o programa de desenvolvimento de Agricultura deste País neste mandato. É sobre isso que eu falo”.
As declarações foram recebidas com espanto em muitos círculos, afinal, não é comum que um ministro que recebeu pastas de seu antecessor venha a público declarar desconhecimento de um projecto, ainda mais quando se trata de um programa que foi a âncora de todo um ciclo de governação como o Sustenta.
Entre a incredibilidade e o espanto, vieram ao de cima várias especulações e surgiram rumores não confirmados de que o antigo Presidente da República, Filipe Nyusi e o antigo ministro da Agricultura, Celso Correia, estariam a ser investigados pela Procuradoria Geral da República.
Enquanto os moçambicanos tentavam gerir o seu espanto, alimentando debates calorosos nos meios de comunicação formais e informais, como as redes sociais, a exposição desta aparente ruptura com o projecto Sustenta, não foi recebida com bom grado nalgumas chancelarias, e sobretudo nos doadores, com particular destaque para o Banco Mundial que só em 2020, quando foi lançada a fase nacional após uma fase piloto implementada em duas províncias entre 2017 e 2019, injectou cerca de 500 milhões de dólares norte-americanos.
Desenhado em estrita colaboração com o Banco Mundial, o Sustenta, preconizava a gestão integrada de agricultura e recursos naturais cujo objectivo é promover e facilitar o desenvolvimento rural integrado, com vista a contribuir para a melhoria das condições de vida das famílias rurais.
Nos círculos diplomáticos, segundo apurou o Evidências, mais do que o espanto, as declarações do ministro, a par de uma demonstração de aparente fracasso do projecto, estão a ser interpretadas como uma falta de seriedade e consistência por parte dos sucessivos Governos da Frelimo, o que tem potencial de comprometer o financiamento de outras iniciativas. A aparente ruptura unilateral, sem nenhuma informação substancial, está a aumentar os receios, numa altura em que outros projectos estão em fase de avaliação para a sua prorrogação.
Ministro ignorou o povo, mas falou para amigos no WhatsApp
As declarações do ministro ecoaram os quatro ventos. Se ao povo não se sentiu na obrigação de dar informação, aos seus amigos e colegas, Roberto Albino deu uma explicação um pouco exaustiva e que roça a falta de confidência.
Foi através de um grupo de WhatsApp que Roberto Albino respondeu a colegas da faculdade, que na altura o interpelaram preocupados com a aparente incoerência e tonalidade arrogante do seu discurso.
Às várias interrogações, Roberto Albino respondeu dizendo que o Sector Agrário tem um Plano Estratégico de Desenvolvimento (PEDSA) que agora está na sua segunda fase e válido até 2030, que cada cinco anos este PEDSA é operacionalizado por Programas.
“O último quinquénio foi pelo SUSTENTA, que terminou na Campanha 24/25. Acontece que a sua implementação foi feita fora do mecanismo usual dos Conselhos Consultivos, mas por uma equipa dedicada externa (PIU). Directores Nacionais do ex-MADER dizem ‘desconhecer’ os detalhes. Estava previsto que no ano passado fosse feito uma avaliação e não foi feita. Por isso, não posso especular sobre o que foi o SUSTENTA sem informação fiel. Não existem consensos sobre o desempenho do SUSTENTA e não pretendo ser eu a alimentar isso. Daí que prefiro ‘desconhecer’ do que deixar a brasa acesa”, justificou-se aos colegas Albino.
Prosseguindo, como que a dar razão à desconfiança sobre a falta de consistência, disse que o foco é continuar a operacionalizar o PEDSA II, com foco na produção de alimentos, numa abordagem orientada pela procura, com o sector privado a liderar e com mecanismos de financiamento de concessão;
“Nosso foco está no presente e futuro. O jornalista cortou a minha resposta e colocou no ar o que quis…”, disse aos colegas Albino.
Relatório interno do Banco Mundial dava nota positiva ao projecto
Um olhar ao organigrama do actual Conselho Consultivo do Ministério da Agricultura traça um cenário sinistro das declarações do ministro Albino. É que das direcções centrais do Ministério da Agricultura, quase metade dos membros do Conselho Consultivo do ministro anterior foi mantida na actual gestão. Entre os nomes que transitaram estão: Lúcia Luciano, antiga directora nacional de Desenvolvimento da Agricultura Familiar; Rui Mapatse, ex-director-geral da Agricultura e Desenvolvimento Rural; Jaime Chissico, director nacional da Agricultura Comercial; Nilza Paunde, directora de Planificação e Políticas; Daniel Massinga, director do Gabinete Jurídico; e Acubar Batista, director de Administração e Recursos Humanos.
Esta lista não inclui Dalfino Guila, assessor que permaneceu no gabinete ministerial. Além disso, em diversas instituições tuteladas pelo ministério, mais da metade dos dirigentes manteve-se em funções.
Dado este nível de continuidade, causa estranheza a alegação de desconhecimento de assuntos estruturantes por parte do actual ministro. A permanência de quadros-chave garante, em tese, a transferência de conhecimento institucional sobre os programas em curso.
A título de exemplo, o Evidências teve acesso a um relatório interno do Banco Mundial, datado de Junho de 2024, que apresenta uma avaliação positiva da execução do Projeto SUSTENTA. Polémica a parte, o documento revela que os resultados da implementação alinham-se com os objcetivos previstos, contrariando discursos que minimizam ou ignoram os avanços alcançados.
O objectivo central do projecto era integrar famílias rurais em cadeias de valor agrícolas e florestais sustentáveis, bem como responder de forma eficaz a situações de crise ou emergência. As metas incluíam, entre outras: beneficiar directamente 20.000 pessoas (sendo 50% mulheres), integrar 30.150 famílias rurais em cadeias de valor, apoiar 50 MPMEs de agronegócio, restaurar 2.000 hectares e emitir 70 Certificados de Uso e Aproveitamento da Terra (CUCs).
A execução superou expectativas em vários indicadores. O número de beneficiários directos chegou a 380.042, quando a meta era 250.000. Também se destaca o sucesso do modelo de Serviço de Extensão de Gestão Florestal (SEGF), que facilitou a inclusão de pequenos agricultores em cadeias de valor e mercados.
Diante desses dados, a alegação de desconhecimento por parte do titular do ministério torna-se ainda mais difícil de sustentar, especialmente considerando a continuidade da equipa técnica e os relatórios detalhados disponíveis. A narrativa oficial parece, portanto, contrastar com os registros internos e avaliações de parceiros estratégicos como o Banco Mundial.

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