Ngoenha denuncia elite que usou o Estado para acumular recursos que deviam ser pertença de todos

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  • Apesar de reconhecer que o País viveu 50 anos de turbulência em vez de verdadeira independência,

 No dia 25 de Junho em curso, Moçambique comemora 50 anos como País independente. O conceituado académico Severino Ngoenha, apesar de reconhecer que a independência tem um valor indiscutível para os moçambicanos, devendo-se, por isso, respeitar e honrar aqueles que lutaram para que Moçambique se livrasse do jugo colonial, adverte, apoiando-se nos conflitos que eclodiram depois da proclamação da independência, que o País viveu 50 anos de turbulência em vez da verdadeira independência total e completa, anunciada por Samora Machel no dia 25 de Junho de 1975. Ngoenha, o qual referiu que os protestos que eclodiram depois da divulgação dos resultados eleitorais não derivam apenas da fraude, mas sim do descontentamento generalizado da forma que a nação foi dirigida nos últimos anos. Ele defende que Moçambique deve reflectir sobre o estágio do País de 1975 a esta parte.

 Duarte Sitoe

Tal como aconteceu em 1975, aquando da proclamação da independência, o Estádio da Machava, arredores do Município da Matola, província de Maputo, será palco das cerimónias centrais do 50º aniversário da independência nacional.

Os moçambicanos vão, de Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico, festejar este número redondo em resposta ao repto lançado pelo Presidente da República, Daniel Chapo, que, num passado não muito distante, pediu a participação dos partidos políticos, organizações da sociedade civil, académicos, líderes comunitários e religiosos, sector público, sector privado e todos os estratos sociais para que esta efeméride seja um verdadeiro momento de festa e, sobretudo, da unidade nacional.

Entretanto, o conceituado académico Severino Ngoenha não vê os 50 anos como um momento somente de júbilo, mas também de reflexão, pois, no seu entender, Moçambique viveu 50 anos de turbulência de 1975 até esta parte.

Para sustentar a sua tese, Ngoenha apoia-se nos conflitos que eclodiram no País, tendo dado exemplo da invasão do exército de Iam Smith e da guerra dos 16 anos, as sucessivas crises político-militares, sem esquecer o terrorismo na província de Cabo Delgado.

“Assinámos os acordos de Roma, introduzimos um novo sistema, criámos o multiculturalismo e a democracia, porém, esta turbulência da guerra não parou. Esta turbulência da guerra começou a chamar-se Santungira, Muxúngue, distritos cuja existência desconhecíamos, entraram a fazer parte da nossa falta geopolítica nacional. Eram ataques intermitentes, mas constantes, que fizeram com que não conhecêssemos, de facto, uma situação de paz duradoura no país. Quando parecia que com a DDR, Santungira e Muxungue saíssem da nossa gramática política, começámos com o terrorismo em Cabo Delgado. O terrorismo em Cabo Delgado dura cinco, seis anos com inimigos desconhecidos, razões opacas, porém, com uma vontade ferrenha de matar e de destruir. Quem são, do outro lado, aqueles que se revoltam por razões étnicas?”, questionou Severino Ngoenha.

Para Ngoenha, Moçambique foi o maior perdedor da guerra dos 16 anos, a qual culminou com a assinatura do Acordo Geral da Paz em 1992, uma vez que o número de mortes subiu exponencialmente em relação à guerra que visava libertar o país do jugo colonial.

“Nasceu uma oligarquia que a pouco e pouco foi se afastando dos interesses do povo”

Olhando para o rumo que o País seguiu depois da assinatura do Acordo Geral de Paz, Severino Ngoenha enfatizou que a Frelimo estabeleceu o liberalismo económico e, por via disso, se afastou dos verdadeiros interesses do povo.

“Começou a nascer em Moçambique uma oligarquia de pessoas ricas, de pessoas com muitos bens, de pessoas com direito, de pessoas que usaram a sua pertença ao Estado para poderem acumular aquilo que em teoria devia ser pertença de todos. Olhem para as minas de Moçambique, as mais orientadas, todas elas pertencem a alguém (…) Então nasceu uma oligarquia que a pouco e pouco foi ficando afastada dos interesses das pessoas do povo”, sublinhou.

Aliás, Ngoenha aponta que as manifestações que eclodiram após a divulgação dos resultados eleitorais não derivam propriamente da fraude eleitoral, mas sim do descontentamento em relação a distribuição da riqueza no País.

Nas entrelinhas, o conceituado académico reconhece que a independência nacional significou o fim da escravatura, o fim do colonialismo, do sofrimento e da discriminação. No entanto, adverte que Moçambique falhou redondamente na construção de um País onde todos pudessem ter acesso à escola em termos de igualdade e, sobretudo, na construção de uma liberdade que a muitos é negada, daí que defende que o 50º aniversário da independência nacional em vez de ser um momento de festa devia ser um momento de reflexão sobre a promessa de fazer de Moçambique num país de todos moçambicanos.

“Os moçambicanos não deviam precisar de atravessar para a África do Sul para serem atacados cada vez que há problemas de racismo, tribalismo na África do Sul. Os moçambicanos não deviam apanhar aviões para ir a Portugal servir de empregados (…) Aquilo a que assistimos hoje é a falência dos nossos propósitos. O regresso ao Estádio da Machava devia significar não comemorar, mas rememorar porque a palavra comemorar significa fazer festa, saudar e abraçar. A palavra rememorar significa fazer um trabalho de introspecção, perguntarmo-nos onde estávamos quando há 50 anos proclamámos a nossa independência e onde estamos hoje. Não é para nos crucificarmos uns aos outros, é para levarmos a nossa promessa de fazer de Moçambique um país onde todos possam ter espaço, onde todos possam ser reconhecidos”, sublinhou.

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