Sabotagem institucional ou uma bolada para incrementar receitas: INATRO às escuras e a economia feita refém

EDITORIAL
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Há fenómenos em Moçambique que se repetem com tal frequência que deixam de ser vistos como falhas pontuais para se converterem em sintomas de um mal mais profundo. O da inoperância institucional, por vezes acompanhada de suspeitas de aproveitamento obscuro. O recente (de quarta a esta segunda-feira) e contínuo apagão do sistema do Instituto Nacional dos Transportes Rodoviários (INATRO) é mais do que uma avaria técnica. É a reprodução de um círculo vicioso que, de forma silenciosa, mas impiedosa, sufoca importadores, penaliza consumidores e corrói as bases já frágeis da nossa economia.

Sem o sistema a funcionar em pleno, o INATRO não consegue emitir segundas vias de cartas de condução, não processa atribuições de matrículas, nem garante a consulta ou pagamento de multas. Trata-se de serviços básicos que sustentam a mobilidade e o funcionamento logístico do país. A falha, porém, revela-se mais devastadora quando atinge o sector das importações, um verdadeiro termómetro da saúde económica nacional.

Tomemos como exemplo o drama de singulares e empresas que coincidentemente estavam a importar viaturas. Sem matrícula atribuída, nenhuma viatura pode ser inspeccionada pelas alfândegas. Sem inspecção, o carro permanece retido no parque. Findos os dias de desembaraço (05 a 10 dias), cada dia de espera traduz-se numa factura pesada que chega a passar os 38 792 meticais, valor que empresas como a Grindrod, operadora do Terminal de Carros em Maputo, cobram aos proprietários pelo parqueamento. A soma é astronómica, consequência da negligência de instituições que se recusam a trabalhar conjuntamente, transformando-se num fardo insustentável que recai sobre quem nada tem a ver com a falha original. É o Estado a imputar a incompetência aos bolsos do pacato cidadão.

Aqui reside a perversidade da cadeia, o importador paga por um atraso que não provocou, a operadora lava as mãos, imputando responsabilidades ao proprietário, e o INATRO, epicentro da crise, refugia-se na explicação simplista do “apagão do sistema”. O efeito é devastador para a confiança e para a previsibilidade de um ambiente de negócios já marcado por fragilidades estruturais.

A dúvida, portanto, não se limita ao plano técnico. O que está em causa é a opacidade do processo. Fala-se de dívidas acumuladas do INATRO com o fornecedor do sistema, situação que, se confirmada, colocaria em causa a seriedade de uma instituição pública que deveria ser pilar e não obstáculo da economia. E mais, tal situação de dívidas se mostra mais insana ainda pelo facto de se tratar de uma instituição que produz receitas provenientes de multas, captação de dados, emissão de documentos como carta de condução, matrículas, entre outros. Mais grave ainda é a percepção pública, para muitos, este não é um mero contratempo, mas um expediente que configura uma sabotagem institucional ou, pior, uma bolada montada para extorquir os importadores, criando condições artificiais para prolongar os prazos e forçar pagamentos adicionais.

Num país em que a crise de divisas já condiciona o ritmo da economia, atrasando ordens de pagamento e dificultando a vida de quem ousa investir ou importar, o martírio causado por este apagão contínuo é mais uma peça de desorganização que empurra Moçambique para o abismo da desconfiança e da paralisia. A burocracia, em vez de facilitar, torna-se fonte de penalizações injustas. A cada clique que não processa, a cada matrícula que não é emitida, a cada carro que permanece retido no parque, perdem-se horas, perdem-se recursos, perdem-se oportunidades e acumula-se a faturação a favor da empresa gestora da Terminal de Viaturas.

Mas, mais do que perdas financeiras e roubo de outro, o que se mina é a confiança. A confiança do importador no Estado, confiança do consumidor na disponibilidade de bens, confiança do investidor na previsibilidade do mercado. O apagão do sistema do INATRO é, por isso, um sintoma do Estado da Nação, uma economia feita refém de instituições frágeis, permeáveis a falhas repetitivas e vulneráveis a suspeitas de captura para interesses particulares.

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