INSS resiste ao incumprimento de empresas e assegura proteção e dignidade a milhares de moçambicanos

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  • “Empresas devem mais de 6 mil milhões de meticais, correspondente a mais de 87 mil contribuintes’’
  • Apesar das dividas o INSS garante que o sistema de segurança social e sustentável ate 2057
  • Maputo, Nampula, Tete e Zambézia estão entre as províncias com empresas que mais devem ao INSS

Sentada numa cadeira plástica, na varanda da sua casa na Matola, Rosa Dias Guiamba, de 83 anos, conta algum dinheiro antes de mandar o neto ao mercado. É com a pensão de velhice que garante o arroz na panela, paga a energia e ainda apoia os estudos de um dos netos. Para ela, o cheque mensal do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) não é apenas dinheiro: é dignidade e sobrevivência. Histórias como a de Rosa repetem-se de Norte a Sul do País, mesmo quando o sistema enfrenta uma dura realidade: mais de 6 mil milhões de meticais em dívidas acumuladas por empresas que mesmo fazendo os devidos cortes mensalmente aos trabalhadores, não canalizam ao sistema. Apesar disso, o INSS garante sustentabilidade financeira até 2057 e assegura, todos os meses, proteção social a milhares de moçambicanos. Mas os atrasos e o incumprimento de muitas entidades empregadoras continuam a fragilizar o sistema e a penalizar trabalhadores que deviam ter a mesma garantia de segurança que Rosa recebe hoje. Enquanto uns contam com a sua pensão para enfrentar a vida, outros continuam reféns da irresponsabilidade patronal e da falta de cultura de contribuição, sobretudo no sector informal.

Por: Edmilson Mate e Luísa Muhambe

Segundo dados do Instituto Nacional de Segurança Social (INSS), mais de 190 mil empresas contribuintes estão inscritas no sistema, das quais cerca de 95 mil são economicamente activas, representando um universo total de mais de 2,7 milhões de trabalhadores ligados ao INSS, dos quais mais de 700 mil activos no regime regular.

O INSS também abrange os trabalhadores por conta própria, aqueles que são patrões de si mesmos, actualmente com 59 mil inscritos, sendo cerca de 9.500 economicamente activos, garantindo que mesmo no sector informal os trabalhadores possam usufruir de benefícios como pensões de velhice, invalidez ou sobrevivência.

Rosa Dias Guiamba, de 83 anos, residente no bairro Intaka, na cidade da Matola, recebeu a equipa do Evidências sentada, na pequena varanda de sua casa. O olhar perdido entre memórias e o presente, começou a contar sobre a vida que levou e sobre o que significa hoje receber a pensão do INSS.

“Recebo este pouco dinheiro todo mês. Desde 2012, não é muito, mas é suficiente para comprar arroz, pagar a luz e ainda consigo ajudar meu neto na escola. Ele estuda à tarde, e com dinheiro compro caderno, caneta e outras coisas. Esse dinheiro ajuda um pouco na minha vida, não posso dizer que não”, disse.

No entanto, por trás da tranquilidade aparente de milhares de beneficiários como Rosa, esconde-se uma dura realidade. O Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) enfrenta uma sangria silenciosa: mais de 6 mil milhões de meticais em dívidas de empresas incumpridoras, valor que corresponde a contribuições de mais de 87 mil trabalhadores que são sonegadas pelos patrões.

As províncias de Maputo, Nampula, Tete e Zambézia concentram o maior número de empresas devedoras. Muitas continuam a operar normalmente, mas sem canalizar as contribuições para a segurança social, deixando milhares de trabalhadores em situação de risco.

Apesar disso, o INSS assegura que o sistema continua sólido e sustentável, com reservas que actualmente cobrem até pelo menos 2057. Segundo a instituição, as reservas acumuladas permitem garantir o pagamento regular de pensões e subsídios, mesmo com o incumprimento crónico de parte do patronato.

O amparo que Cecília precisou quando perdeu o provedor e seu mundo quase desabou

Estas contas passam muitas vezes à margem de pessoas como Rosa, que, hoje colhem os frutos da seriedade das suas empresas que durante muitos anos cumpriram com as canalizações ao sistema.

“Quando era jovem, trabalhava numa cooperativa de preparação de castanhas. Acordava cedo, ia apanhar as castanhas, era cansativo porque a vida era difícil naquela época, por causa da guerra dos 16 anos, mas tínhamos esperança de ter uma vida melhor. Então apanhava castanha e tinha um salário no final do mês”, contou, para depois acrescentar que “lembro de caminhar quilômetros com os sacos de castanha, de sentir as mãos e os pês doerem porque era difícil, nas nunca desistimos. O que me tranquiliza é que hoje ainda vivo daquele sacrifício graças a esta pensão”.

Na casa simples em Tchumene, Cecília Tivane, 36 anos, mãe de dois filhos, vive todos os dias com a sombra da ausência. Desde março de 2021, quando perdeu o marido, o silêncio da casa ficou mais pesado e o futuro mais incerto. A voz de Cecília embarga quando recorda as últimas conversas que teve com ele. “Ele sempre dizia que, se algo acontecesse, eu teria direito à pensão. Falávamos muito sobre isso, como uma espécie de garantia. Mas nada prepara uma pessoa para o momento em que esse direito se torna necessidade”, murmura, olhando para o chão.

O caminho até à pensão do Instituto Nacional de Segurança Social foi longo e doloroso. Entre lágrimas e papéis, Cecília teve de reunir declarações do bairro, certidões dos filhos menores e comprovativos de casamento.

“Tive que esperar cerca de seis meses. Só em 2022 comecei a receber. Não foi fácil. É um processo rigoroso, eles precisam de provas, mas quando se está de luto, cada exigência é como reviver a dor”, confessa.

Hoje, a pensão chega todos os meses, mas é um alívio com sabor agridoce. “Ajuda muito. Com o meu salário sozinha não dava para tudo. É com a pensão que compro comida, pago consultas, e garanto os estudos dos meus filhos. Não cobre tudo, nem metade, mas faz diferença”, admite, numa mistura de gratidão e resignação.

No entanto, nem tudo correu como esperado. A empresa em que o marido trabalhava deixou de canalizar as contribuições ao INSS nos últimos meses de vida dele.

“Tive que recorrer à empresa para que pagassem seis meses de contribuições. Fizeram, mas ainda há outros seis meses em dívida, que até hoje, quatro anos e meio depois, não foram regularizados. É um valor que poderia ajudar muito a minha família”, explica.

Alívio para uns, tormento para outros

Rosa Dias e Cecília Tivane são o rosto do alívio proporcionado pela segurança social. A pensão mensal que recebem do Instituto Nacional de Segurança Social garante não apenas comida na mesa, mas também dignidade e algum conforto às suas famílias. No entanto, enquanto algumas histórias encontram amparo, outras revelam um lado sombrio: a dívida milionária de empresas ao INSS, que compromete directamente o futuro de milhares de trabalhadores.

De acordo com dados recentes, só a província de Maputo acumula dívidas de 375 milhões de meticais, afetando cerca de 38 mil trabalhadores. Em Nampula, a situação é ainda mais grave: mais de 10.600 contribuintes devem 662,1 milhões de meticais. No total, mais de 125 mil beneficiários estão a ser prejudicados em cinco províncias, segundo números apurados até Junho de 2025.

Anabela Felipe, de 35 anos, é um dos rostos por trás dessas estatísticas. Desde 2019 trabalhava como atendente de mesa num restaurante de Maputo, onde recebia um salário mensal de 7 mil meticais — a única fonte de sustento da sua família. Todos os meses, 7% desse valor era alegadamente descontado para o INSS. Sem contrato formal ou recibos, Anabela apenas confiava na palavra do empregador.

A sua vida mudou em 2023, quando foi atropelada a caminho do trabalho. Depois de quase um mês internada, perdeu parte dos movimentos da perna direita e ficou incapaz de continuar a trabalhar. O desespero pelas despesas médicas levou-a a procurar apoio no INSS, na esperança de ter acesso à pensão por invalidez.

Mas a resposta foi um balde de água fria: o seu nome não constava nos registos. O desconto de 7% nunca tinha sido canalizado. Caiu na realidade e a desgraça estava lá. A empresa que sempre alegou estar a canalizar suas contribuições nunca as fez chegar.

“Expliquei toda a situação, disse que a empresa nos descontava o dinheiro, mas eles perguntaram se eu tinha como provar. Sem contrato, sem recibos e sem apoio dos colegas, fiquei sem saída”, relata Anabela. O medo dos trabalhadores em testemunhar e a ausência de documentos oficiais fizeram-na desistir do processo.

Além do incumprimento das empresas formais, o INSS enfrenta outro desafio: a fraca adesão no sector informal. Dos mais de 59 mil trabalhadores por conta própria inscritos, apenas 9.500 continuam activos.

No Mercado Malanga, em Maputo, comerciantes explicam por que não aderem ao sistema. Orlando Manguela, 36 anos, vendedor há mais de uma década, reconhece a importância da contribuição, mas culpa a rotina.

“Entro de manhã e saio tarde. Não é por falta de dinheiro, mas por falta de tempo. Quero começar a contribuir no próximo ano, nem que não seja por mim, mas pelos meus filhos”, afirma, reconhecendo o papel do sistema.

Já Sidónio Mark, de 25 anos, admite que o problema é financeiro. “O que ganho mal chega para ajudar a família. Seria difícil contribuir. Além disso, não sei bem quais são os requisitos. Preciso de mais informação antes de aderir”, explica.

Entre os mais velhos, prevalece a desconfiança. Fátima Fonseca, 60 anos, vendedora há mais de quatro décadas, nunca contribuiu para o INSS.

“Nem sei como funciona. E não confio. Tenho medo de que o governo use o meu dinheiro antes da hora certa”, confessa, mostrando a necessidade de se apostar em mais campanhas de sensibilizaçåo..

Dívida de mais de 6 mil milhões ameaça sustentabilidade da segurança social

O sistema de segurança social, considerado um dos pilares para a proteção do trabalhador em Moçambique, enfrenta um desafio preocupante: a crescente dívida de empresas que descontam as contribuições dos salários dos funcionários, mas não as canalizam ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS).

Segundo Sónia da Silva, Chefe do Departamento Jurídico do INSS, a dívida acumulada ultrapassa os 6 mil milhões de meticais, envolvendo mais de 87 mil contribuintes.

“Se um contribuinte não paga, a principal razão é que ele está a violar a lei”, afirmou, sublinhando que o problema não se limita a números, mas atinge diretamente a vida de milhares de trabalhadores.

As províncias de Maputo (cidade e província), Nampula, Zambézia e Tete lideram a lista das mais afetadas. Já os sectores mais devedores são a segurança privada, construção civil, hotelaria e turismo.

Embora reconheça factores como dificuldades financeiras causadas pela COVID-19 e pelas manifestações, Sónia da Silva insiste que a violação da lei continua a ser a principal causa.

“Tivemos situações das manifestações e é por isso que temos um decreto sobre o perdão de multas e redução de juros de mora”, explicou.

Acções do INSS e papel do trabalhador

Diante da relutância de empresas em cumprirem as suas responsabilidades, uma dúvida sempre subsiste uma dúvida. Que mecanismos tem o INSS para coercivamente proteger os direitos do pacato trabalhador? A resposta veio. O INSS tem recorrido a diversos mecanismos de cobrança, desde a interpelação para pagamento voluntário até processos em tribunal.

“Nos casos em que a entidade empregadora descontou e não canalizou, isso constitui um crime. Então, remetemos os processos à Procuradoria”, reforçou.

A instituição aposta também na capacitação dos próprios trabalhadores como fiscais directos do sistema. Plataformas como “Meu Número de Identificação” e “M-Contribuição” permitem verificar se as contribuições estão a ser canalizadas corretamente.

“O trabalhador é o primeiro fiscal”, disse Sónia, acrescentando que a denúncia de falhas deve ser feita ao INSS.

Apesar da dívida milionária, a responsável garante que o sistema permanece estável. “Temos um estudo que diz que o sistema é sustentável até 2057. O risco de não conseguir pagar pensões e subsídios não existe”, assegurou.

Contudo, a informalidade e a falta de consciência cultural sobre a importância da contribuição continuam a fragilizar o sistema. A maioria dos trabalhadores por conta própria ainda não se inscreve nem contribui.

“Este é um verdadeiro desafio. Se chegarmos à fase em que todos compreenderem que este é um direito, teremos menos casos de incumprimento”, destacou Sónia da Silva.

A prioridade, agora, é reforçar a fiscalização, combater a informalidade e consolidar a cultura de contribuição, de modo a garantir que o direito à segurança social se torne uma realidade para todos os moçambicanos.

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