Daniel Chapo homenageado em Genebra por liderar um país que aprendeu a prever as catástrofes

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  • Entre a ciência e a esperança: Moçambique na linha da frente dos alertas precoces

A manhã começou húmida em Genebra. Do lado de fora do edifício da Organização Mundial de Meteorologia, o céu parecia um espelho cinzento, o mesmo que, em Moçambique, costuma anunciar chuva pesada. Dentro, sob luzes brancas e bandeiras de várias nações, um auditório cheio de especialistas discutia a urgência de preparar o mundo para tempestades cada vez mais violentas. Foi nesse cenário, entre o som simultâneo dos intérpretes e o tilintar dos microfones, que o nome de Daniel Francisco Chapo, Presidente da República de Moçambique, ecoou como exemplo de liderança num continente habituado a reagir depois do desastre.

 Redacção

Quando o Chefe do Estado subiu ao púlpito, o ecrã projectava imagens dos ciclones Idai, Kenneth e Freddy: símbolos de uma geografia que há muito vive entre a esperança e a ruína. Chapo falou pausadamente, lembrando que “um alerta a tempo é uma vida salva” e que “investir em sistemas de aviso é investir na dignidade humana”.

As palavras foram recebidas com aplausos discretos, mas sinceros. Para quem acompanha a trajectória de Moçambique, o reconhecimento tinha um peso histórico: o país que, há poucos anos, pedia ajuda humanitária após cada ciclone, hoje exporta experiência e tecnologia para os seus vizinhos.

Da tragédia ao sistema

Os números ajudam a compreender a mudança. Depois do Ciclone Idai, em 2019, que deixou mais de 600 mortos e destruiu bairros inteiros na Beira, o Governo moçambicano iniciou uma reforma profunda da gestão de risco. A nova Lei de Gestão e Redução de Calamidades (2020) criou bases sólidas para a coordenação nacional e local. Desde então, o país implementou o programa “Um Distrito, Uma Estação Meteorológica”, expandindo a recolha de dados e a previsão de fenómenos extremos.

Hoje, os alertas não ficam confinados a boletins técnicos: chegam por SMS, rádios comunitárias e até pelas lideranças tradicionais, que traduzem a linguagem científica em mensagens simples: “a água vem, subam para zonas altas”.

Um laboratório climático africano

A homenagem da OMM reconhece um esforço que vai além da infra-estrutura. Moçambique tem investido em radares meteorológicos modernos, plataformas digitais integradas e inteligência artificial para prever cheias, secas e ciclones com mais precisão.

Com apoio da iniciativa SOFF e do Banco Mundial, os dados nacionais agora alimentam a Rede Global de Observação Básica (GBON), permitindo previsões regionais partilhadas com o Malawi, Tanzânia e Zimbabwe. É um modelo que transforma a vulnerabilidade em conhecimento e a experiência traumática em estratégia.

O preço da resiliência

Mas o discurso do Presidente não escondeu as fragilidades. “Moçambique precisa de mais investimento. O financiamento climático é limitado e o Orçamento do Estado não cobre as exigências de um país exposto a tantos riscos”, advertiu Chapo, num tom que misturava orgulho e apelo.

A OMM estima que cada dólar aplicado em alerta precoce poupa sete em reconstrução. No entanto, muitos distritos ainda não dispõem de energia estável ou rede móvel suficiente para garantir que o aviso chegue a tempo.

No final da cerimónia, Celeste Saulo, secretária-geral da OMM, entregou ao Chefe do Estado um certificado com letras azuis e douradas. O documento consagra Chapo como “Eminent Advocate for Multi-Hazard Early Warnings” ou, em português, Defensor Eminente dos Sistemas de Alerta Multirriscos.

“Moçambique mostra que ciência, governação e comunidades podem andar juntas”, disse Saulo, diante de uma plateia que incluía ministros, climatologistas e diplomatas. A distinção coincidiu com o 75.º aniversário da OMM, um marco simbólico na história da cooperação científica global.

Do lado de fora, já chovia. Enquanto regressava ao hotel, o Presidente caminhava sob um guarda-chuva escuro, cercado pelos assessores. Era uma imagem simples, mas carregada de ironia: o homem que defende os sistemas de aviso contra tempestades atravessava a chuva como quem entende o peso do que representa.

Um país que escuta o vento

 Moçambique continua vulnerável e ninguém o sabe melhor do que ele. Mas há agora, pela primeira vez em muito tempo, uma rede de previsões, estações e vozes locais que avisam antes que o céu desabe.

Com a homenagem de Genebra, Moçambique entra para o grupo restrito de países reconhecidos pela ONU como exemplo de resiliência climática. O objectivo é ambicioso: garantir que, até 2027, todas as pessoas estejam cobertas por sistemas de alerta precoce, uma meta da iniciativa global “Early Warnings for All”. Até lá, cada estação meteorológica instalada, cada mensagem enviada e cada sirene testada serão parte de um mesmo gesto: o de um país que aprendeu a ouvir o vento antes que ele se transforme em destruição.

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