Manifestações como auscultação pública

OPINIÃO
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Alexandre Chiure

Depois da divulgação dos resultados das eleições presidenciais e legislativas de Outubro de 2024, pelos órgãos eleitorais e chancelados pelo Conselho Constitucional, as pessoas saíram às ruas, em todo o país, para protestar, alegando que as eleições foram fraudulentas. Defendiam que os resultados não reflectiam a vontade popular. As manifestações ocorreram em quase todo o território nacional com jovens que lideraram o processo a exigir “justiça eleitoral”.

De uma simples revolta popular que, para alguns, tinha as cores de uma revolução, as manifestações, com a cara de Venâncio Mondlane, foram uma ocasião para os jovens, frustrados, abrirem os seus corações e dizerem o que querem do seu país, Moçambique. Não foi preciso constituir nenhuma comissão técnica para tal. Era só ouvir, anotar e agir. A agenda do governo estava nas ruas. Não seria necessário gastar dinheiro com reuniões nos hotéis ou noutros sítios, nem com o lançamento do diálogo e, depois, da auscultação.

Não tinha que se despender rios de dinheiro em viagens para as províncias, ajudas de custos, alojamento e alimentação dos membros da comissão técnica. A auscultação foi a custo zero. Quem quisesse ouvir as mensagens, claras e directas, estavam todas lá. Os mesmos assuntos que são, hoje, objecto de consulta pública.

Os manifestantes, que se diziam cansados, exigiam mudanças profundas no país e o discurso continua o mesmo. O país perdeu rumo. A pobreza aumentou 87 por cento nos últimos dez anos. Os índices de percepção da corrupção são altos. Continuamos no lugar 146 dos 180 avaliados. Em democracia também não estamos bem.

Os populares querem uma vida melhor. Mudanças no sistema eleitoral. O actual sistema, corrompido, está a produzir falsos vencedores e falsos vencidos. Por outras palavras, passaram a mensagem de que o país não quer mais órgãos eleitorais partidarizados. Não quer mais ficar dois meses à espera dos resultados finais das eleições, se no quintal do vizinho tudo resolve-se, no máximo, em uma semana.

Na África do Sul, que realizou eleições um pouco antes de Moçambique, ficámos a saber, em dois dias, que o Congresso Nacional Africano (ANC) tinha ganho eleições, mas perdeu a maioria. Há pouco, no Malawi, despachou-se tudo em apenas uma semana e as eleições foram feitas na maior transparência.

Os manifestantes, apelidados de marginais pelo governo do dia, entre os quais jovens formados e sem ocupação, em busca de oportunidades de emprego, que rareiam, exigiam que a polícia fosse republicana como vem na Constituição da República. Que as oportunidades e a riqueza sejam repartidas por igual entre os moçambicanos e não caiam nas mãos de um punhado de gente, a mesma que abocanha tudo. Estes que se consideram mais moçambicanos do que os outros e com mais direitos do que os restantes.

Os revoltosos gritavam, nas suas marchas, que “este país é nosso” porque, em algum momento, se sentiam marginalizados ou excluídos de alguns processos de organização do país e dos círculos de tomada de decisão. Sentem-se moçambicanos de terceira categoria no seu próprio país onde as oportunidades de emprego estão à venda e os melhores ficam com os filhos de gente de nomenclatura política.

Os populares deixaram claro que querem educação e saúde de qualidade. Medicamentos nos hospitais públicos. Carteiras e salas de aulas para as crianças que estudam debaixo das árvores ou sentadas no chão, quando o país é maior produtor de maneira.

Os populares questionaram os megaprojectos. Todos nós acompanhámos isso. Quiseram saber a quem beneficiam os recursos minerais explorados no país, em particular o petróleo e gás no Rovuma, em Cabo Delgado, em Pande e Temane, em Inhambane, as areias pesadas de Moma, em Nampula, e de Chibuto, em Gaza.

Exigiam a transparência e a prestação de contas por parte do governo como a necessidade de divulgação dos contratos que celebrou com os megaprojectos. Questionavam se pagam os impostos e o que era feito das receitas obtidas, incluindo as das portagens.

Caíram em cima das multinacionais presentes em Moçambique para que cumprissem com as promessas que fizeram no início dos seus projectos petrolíferos às comunidades: a de que construiriam centros de saúde para elas; ofereceriam salas de aulas; melhorariam a qualidade das vias de acesso e financiariam a extensão de energia eléctrica e água, como aconteceu em Chongoene e Chibuto, em Gaza.

A pergunta que eu faço é: depois de todas as mensagens transmitidas durante as manifestações, incluindo a exigência para que o partido Frelimo saia do poder, será que ainda era necessário fazer um diálogo político para sabermos o que sabemos ou o que fazer? Ou era só tomar decisões com base no diagnóstico popular sobre o país para que haja mudanças pretendidas? O presidente de Madagáscar demitiu, em bloco, o seu governo após protestos mortais. Não estamos a pedir isso, mas o cumprimento da agenda das ruas.

Será que era preciso uma nova consulta pública sobre o que se deve e o que não se deve fazer no país ou todos nós já sabemos, estamos conscientes do que queremos? Claro que estamos. Será que as respostas às questões levantadas pelos jovens nas ruas só podem ser encontradas através do diálogo político? Penso que não.

Pode haver reformas da legislação eleitoral sem precisar de diálogo político. Pode-se despartidarizar o Estado, os órgãos eleitorais e o Conselho Constitucional sem recorrer ao diálogo político. Quando estes órgãos foram partidarizados foi uma questão de decisão e pronto. As coisas aconteceram. Acredito, também, que se podem operar reformas na economia e nos sectores da educação e saúde sem diálogo político, bastando para isso definir políticas apropriadas, prioridades e metas a atingir daqui a 30 ou 50 anos.

O que me parece é que não há essa vontade política. Enquanto os cartéis que capturaram o Estado ganharem dinheiro com as importações, nada irá acontecer. Continuaremos a comprar o arroz fora, quando podemos produzi-lo em quantidade suficiente para o nosso consumo e exportação. O povo está à espera das mudanças, mas, infelizmente, até aqui, não há sinais nesse sentido. Os resultados do diálogo só daqui a dois anos. O que vemos é um país a saque através de sobrefacturação e de desvios de avultadas somas de dinheiro. Isso sim.

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