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- Revisão de leis áreas de minas, energia e hidrocarbonetos
- Cinco leis vão à revisão e Governo quer que Estado assuma uma posição central
- Executivo diz que quer fortalecer controlo do Estado e industrialização local
- Instituto Nacional de Minas pode ser extinguido para dar espaço a outras entidades
- Mimbire defende uma abordagem focada na raiz dos problemas
No âmbito da revisão do quadro jurídico-legal nas áreas de minas, energia e hidrocarbonetos, o Governo promoveu, esta segunda-feira, uma auscultação pública a diversos estratos da sociedade ao nível da cidade de Maputo, última das 11 províncias do País. Trata-se de uma reforma que também prevê uma reestruturação completa das instituições reguladoras e de fomento. Durante o escrutínio das seis propostas de leis que depois de revisitadas para inclusão de propostas acolhidas durante as auscultações havidas do Rovuma ao Maputo, a sociedade civil questionou a eficácia do modelo proposto e alerta para o risco de um aumento da burocracia e dos custos operacionais. A apresentação da proposta legislativa culmina um processo de auscultação pública que o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) promoveu por todo o País, um esforço iniciado a 14 de Julho na província de Inhambane.
Luísa Muhambe
Trata-se de uma das reformas legais do sector mais abrangentes, abrangendo cinco instrumentos de governação dos recursos naturais e normativos, nomeadamente: Proposta de Revisão da Lei de Minas; Proposta de Revisão da Lei dos Petróleos; Proposta da nova Lei do Conteúdo Local; Proposta do Regulamento de Concessões de Energia Eléctrica e Proposta do Regulamento da Taxa de Acesso Universal.
Este processo visa, segundo a proposta do MIREME, garantir um enquadramento legal moderno, justo e ajustado à realidade nacional e com o contexto internacional, com impacto directo na melhoria da governação dos recursos, no ambiente de negócio e nos benefícios para as comunidades.
A proposta governamental assenta em vários pilares fundamentais, conforme detalhado na apresentação. Busca-se a modernização do regime de direitos minerais, a promoção da industrialização interna como pilar da transformação económica, uma gestão mais assertiva dos recursos minerais estratégicos, a clarificação das políticas de intervenção do Estado e uma reestruturação das instituições para garantir maior eficiência e transparência no licenciamento. Este conjunto de intenções visa posicionar o sector como um motor de desenvolvimento mais inclusivo e com maior retenção de valor no país.
Parte da produção deve ser para o mercado interno e uma parte deve ser processada aqui
A mudança mais significativa reside na nova abordagem aos minerais considerados estratégicos, onde o Estado assume uma posição central. A proposta de Lei de Minas, apresentada por Elsa Alfai, do Instituto Nacional de Minas (INAMI), detalha um modelo onde o Estado, através de uma nova empresa pública, será o detentor titular dos direitos de exploração, podendo depois formar parcerias com investidores privados.
Na sua intervenção, Alfai esclareceu a filosofia por trás da medida, afirmando que a revisão legislativa foi desenhada para “acentuar a maior oportunidade de transparência, garantindo uma protecção dos direitos e obrigações dos titulares de minas”, ao mesmo tempo que se procurou “acentuar os interesses nacionais, a partir dos benefícios para as comunidades”.
O plano para a industrialização é igualmente robusto, introduzindo mecanismos legais para forçar a agregação de valor dentro do território nacional. A lei proposta torna mais explícita a obrigatoriedade de uma percentagem da produção mineira ser destinada ao mercado interno e de uma parte dos minérios em bruto ser processada no país antes da exportação. O governo considera que as directrizes genéricas da lei anterior foram insuficientes.
“É preciso que sejamos mais decisivos para que a lei obrigue que uma percentagem cumpra para o consumo interno”, defendeu Alfai, argumentando que apenas com esta imposição legal se poderá catalisar a criação de indústrias locais.
Paralelamente, a reforma procura resolver antigos entraves operacionais e financeiros. Para tal, introduz a figura do “penhor de direitos mineiros”, permitindo que as licenças sejam usadas como garantia para a obtenção de financiamento, uma lacuna que dificultava o acesso ao capital.
A proposta cria também uma nova “licença de avaliação”, um instrumento intermédio para dar tempo às empresas para realizarem estudos tecnológicos complexos após a fase de pesquisa. Adicionalmente, estabelece um quadro para a partilha de infra-estruturas entre projectos vizinhos, evitando a duplicação de custos com estradas ou pontes e optimizando os investimentos na logística de escoamento.
O sector da mineração artesanal e de pequena escala, que envolve maioritariamente cidadãos nacionais, recebe uma atenção especial na proposta de revisão. O novo texto legal visa fortalecer e formalizar esta actividade, transformando o conceito de “senha mineira” para garantir que os benefícios sejam direccionados às comunidades locais. Prevê-se um modelo de registo simplificado e a possibilidade de os detentores de senhas mineiras poderem evoluir para o estatuto de “certificado mineiro”, criando um percurso de crescimento e legalização para os pequenos mineradores, que antes permaneciam perpetuamente na informalidade.
A reestruturação institucional proposta é igualmente profunda, prevendo a extinção do actual Instituto Nacional de Minas e a sua substituição por duas novas entidades com mandatos distintos e especializados. Seria criada uma agência de promoção mineira, com a missão de realizar pesquisa geológica, produzir e vender informação sobre o potencial mineiro do país, e apoiar pequenas empresas. A segunda entidade seria uma autoridade reguladora, focada exclusivamente na gestão do processo de licenciamento e na fiscalização dos títulos mineiros, visando maior celeridade, rigor e autonomia.
Proposta da lei preocupa sociedade civil
Apesar da abrangência da proposta, a visão do governo foi recebida com cepticismo e preocupação por parte de representantes da sociedade civil. Fátima Mimbire, presente na auscultação, direccionou as suas críticas mais contundentes à proposta de Lei do Conteúdo Local e à proliferação de novas instituições, que, no seu entender, podem ter o efeito contrário ao desejado.
Argumentou que a criação de uma agência dedicada ao conteúdo local representa uma camada de burocracia desnecessária que irá onerar as empresas. Para Mimbire, a proposta erra no seu conceito fundamental do que constitui conteúdo local estratégico.
“Quando falamos de conteúdo local no sector de óleo e gás e até no sector de minas, não estamos a falar de fornecer ovos ou fornecer frangos ou fornecer carteiras que são no âmbito da responsabilidade social corporativa”, disse, sublinhando que estes são insumos não estratégicos para as operações mineiras.
A activista questionou o modelo de gestão proposto para o conteúdo local, que prevê a submissão de planos, avaliações e pagamentos de taxas, levantando a questão sobre quem irá, em última análise, suportar estes novos encargos.
“Isso vai significar um custo adicional para as empresas e a pergunta que se coloca é: quem vai pagar por este custo?”, questionou Mimbire, sugerindo que o peso recairá sobre o projecto, diminuindo a sua competitividade.
Em vez de criar novas agências, Mimbire defendeu uma abordagem focada na raiz dos problemas, que muitas vezes são de natureza económica e não regulatória. Ela sugeriu que o verdadeiro desenvolvimento de conteúdo local passa por forçar o investimento em áreas de alto valor.
“O maior conteúdo local se promove com o governo obrigando, em sede dos contratos, que as empresas canalizem um montante de investimento para o desenvolvimento tecnológico”, e concluiu citando o caso do Brasil. A proposta de reforma segue agora os seus trâmites, carregando a promessa de uma nova era para o sector, mas também o desafio de acomodar as visões e preocupações de todos os envolvidos.



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