A nossa querida variante Ômicron

OPINIÃO

Luca Bussotti

O quadro simbólico representado pela descoberta da variante Ômicron da COVID-19 é perfeito: até hoje, os países africanos não representavam o maior perigo diante do Ocidente, em termos de contágios. Por pura sorte, ou devido a uma recolha de dados estatísticos duvidosa, oficialmente, os casos de infectados do Coronavírus e de vítimas mortais têm sido relativamente limitados. Estamos a falar de quase 9 milhões de infectados e de cerca de 223.000 mortos… poucos, se comparados com quanto tem acontecido, por exemplo, no Brasil, com mais de 22 milhões de infectados e 614.000 mortos, ou na Europa, onde foram registados 73 milhões de casos e quase 1,7 milhões de vítimas.

Quanto acima reportado não andava de acordo com o imaginário colectivo, em que é da África que provêm todas as piores doenças deste mundo: SIDA, malária, ebola e por aí fora. Agora, a variante Ômicron fez justiça: o perigo vem, de novo, da África. Solução: fechamento de todas as comunicações com os sete países “infectados”, que assim ficaram completamente isolados do resto do mundo. E a simbologia usual foi retomada.

Fora de metáfora, convém reflectir sobre as palavras da ministra da cooperação regional da África do Sul, a doutora Zuma, uma médica especializada em doenças tropicais, que senta no governo sul-africano desde o primeiro executivo pós-apartheid, liderado por Nelson Mandela. Em declarações que apareceram inclusivamente na imprensa europeia, a ministra sublinha o quanto precipitada tenha sido a medida por parte dos países ocidentais. Mas ainda mais importante é quando ela afirma a propósito do efeito indirecto que esta decisão poderá ter nos países, como a África do Sul, objecto das restrições: desencorajar o plano de vacinação que com tantas dificuldades estes países estão levando a cabo.

Mas tem mais: o caso do italiano, funcionário da ENI, que voltado ao seu país acusou positivo à COVID-19, variante Ômicron, coloca mais uma questão fundamental: a ineficácia das vacinas diante desta nova variante. É legítimo supor que o cidadão italiano que trabalha na ENI-Moçambique tenha feito as suas vacinas na Itália. Entretanto, é preciso realçar duas questões: primeiro, felizmente ele é quase que completamente assintomático. Provavelmente, sem as vacinas tomadas ele não estaria em boas condições de saúde. A vacina pode não evitar o contágio, mas reduz, geralmente, a COVID-19 a algo muito próximo a uma “gripezinha”. Segundo: fora do caso dele, é provável que a difusão (ainda incipiente) desta variante na África Austral tenha sido ajudada de um plano de vacinação extremamente demorado ou, quando feito, usando vacinas da eficácia duvidosa, por exemplo, algumas daquelas importadas da China. E aqui entra em jogo o mecanismo COVAX, que devia garantir uma cobertura vacinal significativa em toda a África. Apenas 5 países do continente alcançarão uma vacinação de 40% da sua população até fim do ano, e não são certamente os países mais populosos: Seychelles, Maurícias, Marrocos, Tunísia e Cabo Verde. Os Estados Unidos conseguiram doar apenas 25% das doses prometidas para África, a União Europeia apenas 19%. Resultado: a média africana de vacinação é de 6%, com situações paradoxais, tais como na República Democrática do Congo, em que 1,3 milhões de doses de vacina foram devolvidas à COVBAX, por falta de seringas. Diante desta carência de vacinas, recorrer a imunizantes de eficácia duvidosa foi uma escolha forçada…

Com a descoberta da variante Ômicron, a única resposta que a Europa conseguiu dar foi o fechamento das fronteiras: uma medida de certa maneira lógica e até oportuna para proteger as populações europeias, mas que, primeiro, vai colocar em dificuldades cada vez maiores os países abrangidos por este novo fechamento, incluindo Moçambique, e, segundo, vai atacar o problema do fim, e não do início, desresponsabilizando cada vez mais os países ocidentais que tinham prometido de ajudar o continente africano a implementar um plano de vacinação sério, mas cujos egoísmos impediram de fazer isso.

Um sinal cheio de simbolismo, este, em que, coerentemente com toda a história da modernidade, deixa a África ao seu próprio destino, sem pensar que, mesmo isolando aquela parte do mundo, a variante Ômicron entrará nas fronteiras europeias, como tem acontecido com o funcionário da ENI. Uma miopia política que, desta vez, não ajudará a salvar uma parte do mundo em detrimento da outra, pois este vírus é muito democrático, diferentemente da malária, concentrada em África e nalgumas outras zonas do hemisfério Sul. É com esta democraticidade viral que os países ocidentais ainda não fizeram as contas, e continuarão a não fazê-las, agravando a situação em África e, consequentemente, em todo o resto do planeta, inclusive Europa. 

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