- 20 anos de exploração de gás e apenas algumas migalhas para o povo
- A última manifestação foi a quarta só no presente ano
- Comunidades continuam desfavorecidas e jovens clamam por emprego
- “Os jovens vão continuar a lutar pelos seus direitos”
Mais de duas centenas de jovens, oriundos de várias localidades do distrito de Inhassoro, província de Inhambane, onde a petroquímica sul-africana Sasol tem o projecto de exploração de gás natural, saíram, novamente, à rua em protesto contra a exclusão e falta de oportunidades de emprego naquele que é o primeiro e mais antigo projecto de exploração de gás no país. Na sequência da manifestação, sete jovens foram recolhidos às celas da Polícia da República de Moçambique (PRM) ao nível daquele distrito, sob alegação de que queriam vandalizar as infra-estruturas da Sasol. No entanto, os manifestantes acusam a polícia de excesso de zelo e detenções arbitrárias de pessoas.
Duarte Sitoe
A exploração de gás natural tem sido encarada como sendo a fórmula para tirar o país da pobreza, contudo a contribuição desta indústria na economia real ainda é incipiente. Em 2024, o país vai assinalar 20 anos desde que iniciou a exploração de hidrocarbonetos.
A Sasol explora reservas de gás desde 2004 em Temane e Pande, em terra, na província de Inhambane, com gasodutos para a África do Sul e Maputo, alimentando ainda a central eléctrica moçambicana de Ressano Garcia, na província de Maputo. No entanto, não obstante a sua quase que insignificante contribuição para a economia do país, poucas empresas nacionais têm acesso a negócios de fornecimento de bens e serviços, os jovens reclamam falta de emprego e as comunidades continuam subdesenvolvidas.
Depois de em três ocasiões distintas (em Maio, Julho e Agosto deste ano) terem bloqueado a EN1, exigindo oportunidades na Sasol, nas primeiras horas da última quinta-feira, 02 de Dezembro, frustrados pela falta de emprego, os jovens de Inhassoro voltaram a manifestar-se de forma violenta contra a petroquímica sul-africana.
Mais uma vez, a manifestação que parecia pacífica foi travada pelas autoridades de lei e ordem que para dispersar os manifestantes usaram gás lacrimogéneo e balas de borrachas.
Com a chegada da polícia, segundo o porta-voz da Polícia da República de Moçambique em Inhambane, Juma Dauto, os jovens puseram-se em fuga, mas alguns foram detidos.
“Logo nas primeiras horas, os jovens se fizeram à rua para exigir emprego a Sasol. Tratando-se de uma manifestação ilegal e violenta, a polícia foi chamada para fazer o seu trabalho. Eles queriam destruir e vandalizar algumas infra-estruturas e a polícia foi obrigada a usar balas de borracha para os dispersar, não houve registos de feridos”, declarou Dauto.
Foram mais de 200 jovens de várias localidades de Inhassoro que se fizeram ao projecto da Sasol para reivindicar as oportunidades de emprego, mas nem todos tiveram a sorte de retornar à casa, uma vez que, segundo a PRM, sete jovens encontram-se a ver o sol aos quadradinhos.
“Foram detidos sete indivíduos tidos como cabecilhas daquela manifestação. Eles foram instados a procurar as estruturas competentes para dialogar sobre as suas reivindicações e não vandalizar as instituições”, assegurou.
Jovens acusam polícia de excesso de zelo
Por outro lado, Juma Dauto adiantou que se por tratar de uma manifestação ilegal, cujo objectivo era vandalizar instituições, “os jovens serão responsabilizados criminalmente, tendo sido enviado o expediente para o Ministério Público”.
Contrariando a versão da polícia, alguns jovens ouvidos pelo Evidências alegam que a manifestação era pacífica e visava simplesmente pressionar a Sasol a dar oportunidades a aquele exército de desempregados.
“Cobram dinheiro para meter as pessoas na empresa e nós os nativos somos esquecidos. Decidimos, mais uma vez, sair à rua para contestar o que está a acontecer. Estávamos a cantar e de repente chegou a polícia e começou a nos bater sem nenhuma explicação. O Governo sabe que as nossas reivindicações são legítimas, mas não faz nada para nos defender. Prometeram que este projecto iria criar oportunidades de emprego para os jovens, mas os jovens de Inhassoro estão a ser excluídos”, disse Adolfo Rodolfo, para depois acusar a Sasol de estar a pilhar os recursos do povo.
“Para Inhassoro, os recursos minerais estão a ser uma maldição. A Sasol está a delapidar os nossos recursos e nada faz para ajudar o povo. Falou-se que iam melhorar os serviços de saúde e educação no âmbito da responsabilidade social, mas até hoje os hospitais e escolas continuam degradados. O Governo deve repensar as suas políticas de gestão quando se trata de recursos minerais”, recomendou.
“Os jovens vão continuar a lutar pelos seus direitos”
Indo mais longe, Rodolfo declarou que os jovens vão continuar a lutar pelos seus direitos, tendo igualmente apelado a polícia para não travar manifestações pacíficas de forma violenta.
“Reconhecemos que em Maio estávamos com ânimos exaltados quando colocamos barricadas nas estradas, mas desta vez optamos por uma manifestação pacífica. A polícia não pode nos tratar como criminosos. Estamos a reivindicar os nossos direitos. Ninguém gosta de ficar desempregado. Sabemos que a Sasol sempre contrata pessoas, mas não prioriza a mão de obra local. Não queremos muita coisa, queremos uma oportunidade de emprego, com vista a alimentar os nossos sonhos”, reafirmou.
Um outro jovem que não se quis identificar disse que enquanto a Sasol não priorizar a mão de obra local, não haverá paz entre os jovens e a multinacional sul-africana, que no ano passado iniciou um programa de desinvestimento em várias partes do mundo.
“Como dizia o presidente Samora Machel, a luta continua. Não nos vamos render até que resolvam o nosso problema. Desta vez, disseram que a manifestação era ilegal porque não avisamos, mas quando são oportunidades de emprego eles também não nos avisam. Queremos que o Governo e Sasol resolvam esse problema. Vamos continuar a reivindicar pelos nossos direitos”, rematou.
Um outro jovem que se identificou pelo nome de Castigo dos Santos denuncia práticas corruptas no processo de selecção de mão-de-obra. Conta que foi cobrado dinheiro para trabalhar naquele projecto de exploração de gás natural, mas como não tinha continuou no rol dos empregados.
“Se forem a fazer um levantamento das pessoas que trabalham na Sasol pode se notar que muitos são de Maputo. Podemos não ter a formação, mas sabemos manejar máquinas e podemos fazer outras coisas. Como prova de que não é por falta de qualificações que nos excluem é que me cobraram sete mil meticais para poder ter uma vaga. Onde vou encontrar esse valor? É vergonhoso o que está a acontecer no nosso país, e quando saímos à rua para reivindicar chamam a polícia para nos espancar e prender os nossos companheiros. Pedimos a quem é de direito para resolver este problema que inquieta os jovens de Inhassorro”, reivindicou.
Refira-se que o braço de ferro entre a população dos distritos de Inhassoro e a multinacional sul-africana de exploração de gás dura desde 2019 e o Governo e Sasol não parecem ter um plano para satisfazer as reivindicações populares.
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