Luca Bussotti
A abertura, por parte dos insurgentes, da frente do Niassa assinala uma nova fase do conflito no Norte do país. Com efeito, trata-se de uma saída em larga medida inesperada, a que as tropas moçambicanas, assim como as aliadas, levarão tempo para responder de forma estrutural. Mas vamos recuar um pouco para tentarmos entender melhor em que ponto está este conflito, na perspectiva militar.
A primeira fase do conflito, que se abriu em Outubro de 2017, foi classificada, durante vários meses, por parte das instituições moçambicanas, como assaltos esporádicos de “bandidos armados”. Uma expressão bem conhecida para os mais velhos, que evoca uma interpretação simplista de fenómenos complexos: primeiro a luta armada desencadeada pela Renamo, hoje pelos insurgentes de matriz supostamente islâmica. Naturalmente que esta postura, por parte do governo moçambicano, fez perder tempo e deu modo aos insurgentes de se organizarem cada vez mais, contando inclusivamente com o apoio decisivo de terroristas estrangeiros, que no entanto estavam a entrar através das porosas fronteiras moçambicanas.
A segunda fase foi a longa fase do conflito militar entre exército moçambicano e insurgentes. Uma fase que contou com o suporte de algumas agências privadas de segurança, tais como a Wagner e a DAG, mas caracterizada por derrotas contínuas em favor dos insurgentes. Nesta fase é que se registou o maior número de vítimas e deslocados, destruição de infra-estruturas públicas e privadas, com o governo moçambicano numa constante postura de ambiguidade para com os possíveis parceiros estrangeiros. O próprio Presidente Nyusi, em várias circunstâncias, continuou a agradecer a ajuda de SADC, UE, CPLP, Portugal, Estados Unidos, África do Sul, Quénia e vários outros países no âmbito da formação militar, mas sempre adiando uma intervenção directa no terreno. Por outra, vários expoentes da Frelimo alegavam a necessidade de defender a soberania nacional, identificada com a ausência, no terreno de guerra, de tropas estrangeiras (mas não de mercenários…). Um posicionamento, este, que revelou todas as suas contradições quando os insurgentes iniciaram a conquistar cidades e inteiras áreas de Cabo Delgado, como aconteceu com Mocimboa da Praia. Principalmente depois do fim do contrato com a DAG, foi claro que Moçambique não tinha condições autónomas para continuar sozinho com o conflito. Daqui, a escolha do Ruanda como parceiro militar principal, depois associando a própria SADC a esta actividade.
Entrámos, portanto, na terceira fase, em que a ideia ilusória do governo e dos aliados era a de uma guerra-relâmpago. Mais uma vez, uma simplificação da complexidade do conflito em curso no Norte do país. Uma sensação, a da guerra rápida, que foi corroborada ao longo das primeiras semanas de entrada no conflito do Ruanda, que conseguiu reconquistar Mocimboa da Praia e os territórios limítrofes, normalizando, em larga medida, a área. É inegável que os insurgentes, nesta fase, ficaram abalados, e a estratégia melhor, para eles, foi de se dispersarem nas matas, quer de Cabo Delgado, quer de Niassa. E entramos aqui na quarta fase, a actual.
Esta fase está sendo caracterizada por um controlo relativamente extenso das principais vilas e cidades em Cabo Delgado, porém mesmo aqui os ataques continuam, embora de forma menos frequente, e nas matas o exército nacional e aliados ainda não conseguiram normalizar a situação. O pior é que os insurgentes fugiram, na sua larga maioria, encontrando abrigo principalmente no terreno favorável do Niassa. Um terreno em que predomina a selva, principalmente dentro da Reserva, e que já viu ataques significativos por parte dos insurgentes, e os primeiros 500 indivíduos deslocados.
Os ataques no Niassa deixam vislumbrar a abertura de uma nova frente que, se consolidada, poderá criar grandes transtornos aos aliados e ao exército nacional: cobrir uma frente múltipla, Cabo-Delgado – Niassa (e talvez amanhã Zambézia e Nampula) poderá representar um desafio quase que impossível, considerando também o facto de, um dia, as tropas da SADC e do Ruanda tiverem de regressar para os seus países…Em suma, o verdadeiro risco desta quarta fase é o pântano em que o conflito poderá desaguar, assim como tem acontecido em todas as circunstâncias similares, dentro e fora da África, como demonstram os caso da Nigéria com Boko Haram, do Sahel com o Estado Islâmico, do Afeganistão, em que os próprios Estados Unidos falharam. O “pântano” seria a pior perspectiva para um país como Moçambique que não poderá canalizar muitos mais recursos em questões militares, quando as condições da população continuam a piorar, e políticas públicas no sector da saúde, educação, até assistência alimentar são cada dia mais necessárias.
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