Que significado político Eduardo Mondlane tem para os moçambicanos?

OPINIÃO

Por: Dionísio Tamele

Numa época em que o país é caracterizado por altos índices de corrupção, que envolve as elites políticas, económicas e diversos funcionários do aparelho do Estado, um dado que não pode passar de forma despercebido para os moçambicanos está associado ao facto de sermos o terceiro país mais pobre do mundo, por causa dos actos de corrupção no qual estamos mergulhados, mesmo detendo diversos recursos naturais.

Moçambique comemorou, há dias, 53 anos da morte do arquiteto da unidade nacional e o primeiro intelectual que o país testemunhou no século XX. Esta figura, que a data da sua morte foi designada como o dia dos heróis moçambicanos, não só desafiou o sistema colonial com a fundação da Frelimo, bem como, com os escritos científicos do seu livro, refutava a ideia segundo a qual Moçambique tinha sido colonizado durante 500 anos, cuja historiografia colonial continua a ser usada nas escolas e universidades do país.

Mondlane, na sua mais conhecida obra nos meandros académicos nacionais e internacionais, cujo título é “Lutar Por Moçambique”, considera que a colonização iniciou na conferência de Berlim aquando da partilha de África pelos países imperialista, onde Portugal era parte integrante deste processo.

A nossa pretensão com este artigo é discutir o legado de um dos maiores intelectuais do mundo, sendo que para Moçambique, além de ser intelectual, foi o primeiro PhD a leccionar nas universidade americanas e um dos maiores organismos de prestígio do mundo sediado nos Estados Unidos, as nações unidas. Mondlane, de longe, é uma grande figura, se comparando com os lendários Agostinho Neto e Amílcar Cabral, em termos da sua erudição intelectual, cultural e de influência no mundo liberal e socialista. Só para não esquecer, fundou os três movimentos.

Como deve-se saber, a cada três de Fevereiro o país comemora o dia dos heróis moçambicanos, em homenagem a morte de Eduardo Mondlane, numa das praias onde ele estava com a sua amante, através de uma bomba, mas não é de interesse deste artigo discutir a vida privada desta figura, mas o trabalho que levou a cabo para que o país fosse independente.

Diversas pessoas tentaram, de certa forma, negar a contribuição de Mondlane, mesmo o facto dele ter sido a primeira figura a saber ler e escrever, tanto que foi escrito um livro com esta pretensão, com o seguinte título Uria Simango Um homem e Uma Causa, que traz algumas verdades do período da formação da Frelimo e as clivagens existentes, atacando a figura de Mondlane e da sua família, defendendo, em contrapartida, a família Simango. Contudo, pode-se depreender que é um livro de conspiração a figura de Mondlane. Todavia, ha quem  se dedicou a estudar a figura de Mondlane, é o caso do académico e deputado Silvério Ronguane, que na sua tese de doutoramento, com o título “Toda a Verdade Sobre Mondlane”, retrata o papel de Mondlane, e Severino Ngoenha, filosofo moçambicano, no seu mais recente livro publicado, O Regresso ao Futuro, sem esquecer de umas das primeiras obras que retrata está personagem, o exemplo do livro O Meu coração está nas mãos de um Negro, escrito pela sua esposa, e o livro Chithango, Filho do Chefe.

É preciso não esquecer de vista diversas figuras da arena académica ao nível internacional que se têm dedicado ao estudo desta personagem, que não só teve uma influência na arena política, mas sobretudo no campo científico. Não é por acaso que a sua maior inspiração foi o 28º presidente americano, Woodrow Wilson, que também foi um grande intelectual de uma craveira internacional.

Os moçambicanos mal conhecem a história desta proeminente figura, que vezes sem conta o partido Frelimo tem se apropriado do seu nome para fazer campanha eleitoral, cuja perspectiva é ganhar as eleições, sem antes seguir os seus ideais. Quem lê o livro Lutar Por Moçambique ou alguns dos seus artigos pode compreender que esta figura tinha uma capacidade de conviver com pessoas que não partilhavam as mesmas perspectivas de vida, o exemplo de Urias Simango, Marcelino dos Santos, entre outras, até a sua neutralidade dentro do partido ao facto de ele não assumir que o partido era liberal, muito menos socialista, com o móbil de angariar parceiros para que a luta fosse ganha pela frente.

Mas é preciso compreender que nunca foi capaz de usar as teorias de conspiração no meio das diversas vicissitudes que marcaram a sua vida, o que esteve sempre ao espírito de sacrifício de auto superação, o que nos últimos anos, em Moçambique, não constatamos, porque o clientelismo, nepotismo, caracteriza não só o partido Frelimo como também a sociedade no seu todo, incluindo o sector privado, que se devia caracterizar pela competência e a meritocracia.

Falar da data dos heróis moçambicanos no período em que estamos a passar é de facto uma grande tristeza, no sentido em que nós, como povo, não temos conseguido os nossos propósitos, parafraseando Fanon quando diz que cada geração tem uma missão que pode trair ou cumpri-la, e nesse caso estamos a traí-la. Vezes sem conta vemos moçambicanos a discutirem se Mondlane morreu com a sua amante ou no seu escritório, coisas que não trazem nada de importante para esta sociedade no seu todo.

Precisamos começar a ver as coisas em outras dimensões, no sentido patriótico e não sentido paupérrimo, por causa da falta de um compromisso que a gente não tem com a dinâmica política do país. Os moçambicanos não sabem o que significa Mondlane em termos políticos e académicos, muito menos cultural, não compreendem como as coisas devem funcionar e como podemos erguer novos heróis com um comprometimento da coisa pública.

Nos últimos tempos, o país tem perdido diversos heróis, desde a cultura, desporto, academia, com maior incidência no cenário político, pois já não temos referências que possam responder às maiores preocupações da demanda do país.

Moçambique transformou-se num lugar onde os políticos servir começaram a servir a eles mesmos e às suas famílias e não aos cidadãos, criando uma sociedade que é caracterizada pelo fosso entre ricos e pobres nas diversas arenas.

Não vejo nenhuma necessidade de resgatarmos Mondlane e nem Machel para que a gente possa construir uma nova sociedade com novas perspectivas para mais adiante. O povo está órfão e nesse caso é preciso que comece a criar novos mecanismos para se ter novas personagens do cenário político, com o desiderato de responder às necessidade primárias que os cidadãos têm sofrido nos últimos anos, que estão associadas à ausência do Estado nos distritos, provação, províncias que possam garantir a segurança dos cidadãos, falta de hospitais, escolas, universidades, vias de acesso, entre tantas outras coisas que caracterizam a nossa sociedade. Talvez precisamos começar a pensar em outras alternativas para esta situação, isto deve ser feito através de um compromisso, do engajamento pela causa nacional, se os moçambicanos não forem capazes de reivindicar esta situação ninguém vai fazer por eles.

É pertinente que isso aconteça de forma urgente. Afinal, nós não podemos ser novos heróis ou não podemos compreender a figura de Mondlane com a sua profundidade para levarmos o barco para mais adiante, sem nenhum medo das dificuldades que vamos encontrar no meio da caminhada. 

Facebook Comments