- Conflitos de interesse e ausência de inspecção criam anarquia no sector de combustíveis
- Funcionários do MIREME são simultaneamente reguladores e proprietários de bombas
- Ganham com corrupção e poder de influenciar a tabela de preços
Vive-se uma autêntica anarquia no sector dos combustíveis no país, onde parte considerável das bombas, camiões cisternas e outras infra-estruturas associadas àquela actividade operam de forma clandestina, com licenças caducadas, com suposto apadrinhamento de gestores seniores da Direcção Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis e a Inspecção-Geral do Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME), duas entidades com missão de regular, emitir licenças e inspeccionar os operadores do sector. Supostas negociatas e existência de funcionários seniores que ao mesmo tempo detém negócio de bombas de combustível, em claro conflito de interesse, criam campo fértil para a proliferação de operadores que não cumprem com um dos requisitos básicos para o funcionamento de bombas de combustíveis.
Em 2019, o Conselho de Ministros aprovou o Decreto n.º 89/2019 de 18 de Novembro, que cria o Regulamento sobre os Produtos Petrolíferos e revogou o Decreto n.º 45/2012, de 28 de Dezembro, com vista a adequar as disposições legais relativas às actividades de produção, importação, recepção, armazenagem, manuseamento, distribuição, comercialização, transporte, exportação e reexportação, trânsito e mecanismos de fixação de preços de produtos petrolíferos, à dinâmica actual da indústria de combustíveis.
Com a entrada em vigor deste decreto em 2019, todas licenças de produção; armazenagem nas terminais de distribuição; armazenagem em instalações centrais; distribuição; retalho em instalações centrais de armazenagem; retalho em postos de abastecimentos; retalho em postos de revenda; exploração de oleoduto; exportação e exploração de terminal de descarga, deviam ter sido actualizadas até ao prazo de 180 dias, ou seja, mais tardar até Junho de 2020.
Sucede, porém, que, volvidos quase dois anos após o fim do prazo legalmente estabelecido, uma parte considerável dos postos de abastecimento de combustível que operam no país ainda não actualizaram as suas licenças, continuando a operar com documentos caducados, apesar de existir um regulador que, inclusive, emite as licenças e uma inspecção sectorial.
A Direcção Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis, que é o regulador, e a Inspecção Geral dos Recursos Minerais e Energia, criada em Abril de 2019, precisamente para garantir o controlo permanente e eficiente do cumprimento das leis, fiscalizando de forma eficaz a actividade mineira e petrolífera e assegurando que a actividade corra com segurança e sustentabilidade, estão cegos, surdos e mudos.
Tal como mostram os documentos na posse do Evidências (vídeo e fotos), há posto de abastecimento de combustíveis que operam com documentos caducados há mais de cinco anos e até ao presente não se conhece um posto de abastecimento sequer que tenha sido multado por não ter cumprido com o número 01 do artigo 110 do retromencionado decreto 89/2019. As penalizações que constam do artigo 94 do referido decreto vão desde multas à suspensão da licença, o que não tem sido observado.
Negociatas e corrupção entre as causas da anarquia no sector de combustíveis
O Evidências apurou de fontes dentro do MIREME que grande parte dos técnicos e funcionários do ministério, sobretudo os da Direcção Nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis, responsável pela produção de pareceres técnicos para emissão de licenças, estão mergulhados em negociatas e esquemas de corrupção, para além de que grande parte está em flagrante conflito de interesse por serem simultaneamente reguladores e proprietários de bombas.
Detentores de informação privilegiada têm servido os corredores do cartel do qual fazem parte, para, segundo as fontes, conseguirem influenciar a manipulação da tabela de preços de combustíveis.
Outro esquema consiste em negligenciar a inspecção aos postos de abastecimento de combustíveis e outras infra-estruturas, para posteriormente obter ganhos pessoais, daí a proliferação de licenças caducadas.
Contactado pelo Evidências, o director nacional de Hidrocarbonetos e Combustíveis, Moises Paulino, reconheceu a existência de funcionários que são proprietários de postos de abastecimento, mas segundo ele “nós não temos a ver. A lei é para todos. Se alguém do MIREME tem um posto de abastecimento, tem que actualizar a licença. É o que a legislação pede”, destacou.
No entanto, segundo Moisés Paulino, que dirige a instituição há cerca de 10 anos e é referenciado pelos seus colegas como um dos operadores, quem fiscaliza a conformidade e o processo de actualização de licenças não é a direcção que dirige, mas sim a Inspecção-Geral do Ministério dos Recursos Minerais e Energia.
“Quem deve fazer a actualização das licenças não somos nós, são os titulares das mesmas. Quando saiu o decreto reunimos com os operadores, espalhamos em todas as províncias, por isso não somos nós”, disse, para depois acrescentar que “a entidade que faz a fiscalização não somos nós. É a Inspecção-Geral do Ministério dos Recursos Minerais e Energia e não o licenciador. Esse é o trabalho que devia ser feito para que aqueles que têm as licenças fora das normas vigentes sejam multados e solicitem ao regulador para poderem actualizar as licenças. Foram 180 dias de período de graça e já passaram há muito tempo.”, conclui.
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