- Dugongo Cimentos viola direitos das comunidades sob olhar impávido das autoridades
A violação dos critérios de reassentamento deixa 122 famílias em situação crítica na comunidade de Mudada, no distrito de Matutuine, província de Maputo, por falta de alimentos e um lugar de cultivo. As crateras deixadas na extração de calcário pela Dugongo Cimentos SA são a macabra prova dos efeitos mais perversos da ausência do Estado. Com o descaso de quem de direito, a população perde os seus meios de subsistência e a Lei de Terras e de Minas é sistematicamente violada. A multa pelo incumprimento no reassentamento, que deveria ser paga, roça os 32 milhões de dólares (10% do valor do investimento).
Texto: Jornalistas do MídiaLab*
“Isto significa perder a minha vida”, afirma Helena Matlaba, de 65 anos, enquanto aponta para um lugar onde estavam, no passado, a sua casa e a machamba, a prova da sua falência. Desde que foi retirada da sua moradia, em Outubro de 2020, com outras 13 famílias, recebeu apenas 4500 meticais. Volvidos 18 meses, continua a residir no centro de reassentamento provisório instalado pela Dugongo Cimentos SA, onde, disseram-lhe, iria “ficar seis meses” e receber de forma contínua 1500 meticais por mês. “Tudo isto eram minhas machambas”, lamenta Amosse Cossa, de 74 anos de idade, para acrescentar: “eles disseram que não tínhamos nenhum direito”, conta o mais velho dos anciãos, cuja extrema delgadez é a sua versão.
Dirigir-se ao Governo distrital também não deu em nada, pois ninguém tinha papéis para garantir algum direito. “Quando colocaram essa fábrica eu já estava aqui, mas não recebi nenhum apoio por parte deles”, declara Rafael Gouveia, de 54 anos, que aponta para quatro meninos que brincam para deixar o tempo passar. A história, em Mudada, repete-se de morador em morador. O desencanto é enorme e a impossibilidade de sobreviver ainda maior.
A mandioca de Inês Maria, de vinte e cinco anos, não cresceu tão bem como ela esperava. Não tem havido chuva suficiente em Mudada e a poeira gerada pela exploração do calcário não deixa nada crescer. Ela arranca alguns pés do chão para mostrar o seu tamanho. Os magros pés de mandioca que ela colhe são tanto a sua comida como uma fonte de rendimento para sustentar os seus cinco filhos. Por eles, ela pode receber 100 meticais por dia. “Também tenho batata-doce”, ele estende a mão, apontando na direcção com o feixe na mão. O pai está desaparecido. “Ele está na África do Sul”, diz ela. A sua pobreza é extrema. A família vive num cômodo não superior a nove metros quadrados, com chão mal pavimentado e com um telhado de ferro corrugado sustentado por pedras. Para evitar dormir no chão, espalharam um saco de ráfia no meio do quarto. Todos ficam descalços e a sua cozinha é constituída por três pedras no exterior, onde também tem algumas galinhas. Não há acesso a água ou saneamento. E esta é a sua nova casa, construída no contexto do reassentamento promovido pela Dugongo Cimento SA a anterior, estava mais bem localizada, deu lugar a uma cova enorme na qual se extrai calcário. Tal como ela, dezenas de famílias vivem demasiado longe das instalações de saúde para prevenir e tratar as doenças agora exacerbadas pelas consequências da exploração de calcário.
A lei…
O artigo 12, da Lei de Minas, na sua alínea a) estabelece que os “os direitos pré-existentes de uso e aproveitamento da terra são considerados extintos após o pagamento de uma indemnização justa aos utentes e revogação dos mesmos, nos termos da legislação aplicável”. No que se refere aos residentes de Mudada, que passaram a residir num bloco residencial com um cómodo para famílias com mais de cinco pessoas, não teve lugar essa compensação que a lei dá por justa e que, na realidade, passa ao largo de residentes desavisados.
A mesma Lei, no número 1 e 2, reforça a obrigação de indemnizar os abrangidos de forma justa e transparente e que as condições devem ser discutidas e firmadas num memorando de entendimento entre Governo, a empresa e as comunidades.
Descaso das autoridades
“Este governo não nos ajuda. Eles estão a matar-nos. Eu gostaria que a ministra ou o governador viessem aqui para passar pelo menos dois dias e ouvir as nossas reclamações e ver também a dimensão do nosso sofrimento”, conta Matlaba. Outro morador explica que o Presidente da República, aquando da inauguração da fábrica, não quis reunir-se com a população. Contudo, a lei define indemnização justa a disponibilização, por exemplo, de melhores condições do que as anteriores. Helena Matlaba, que também foi persuadida a abandonar a casa, tem de percorrer agora cinco quilómetros para ter acesso à água e vive num quarto junto de cinco pessoas que compõem a sua família. A machamba, que lhe garantia alimentos e uma renda mensal, deu lugar ao negócio de pedras de gelo.
Em 2020, a Dugongo Cimentos SA montou um tanque alegadamente para evitar disputas entre humanos e animais que, até aquele momento, compartilhavam a mesma fonte de água. Longe de melhorar a saúde das comunidades, o fornecimento intermitente aumentou os casos de diarreia e outras doenças na população de Mudada, pois desesperadas por matar a sede, as pessoas colectam essa água estagnada, suja e insalubre para consumo em tambores e bidões de óleo. Dessa forma, mulheres e crianças, encarregadas da tarefa de recolher água, economizam caminhadas quilométricas até as poucas fontes seguras disponíveis nas zonas anteriormente povoadas, mas pagam um preço muito alto em termos de saúde. Apesar dos esforços da comunidade, desde então a situação só piorou.
Agricultura clandestina
“Temos de produzir de forma clandestina, pois a Dugongo não deixa”, confirma Amosse Cossa. Os dados oficiais obtidos pelo Evidências não param: o número de pessoas em insegurança alimentar grave no distrito de Matutuine aumentou de 21 mil de Agosto de 2021 para 33 mil em Fevereiro de 2022, enquanto o número total de casos de desnutrição aguda em crianças menores de cinco anos subiu 17% no mesmo período.
As terras em Moçambique compartilham um selo e um destino. A Livaningo alerta que por conta da exploração de recursos naturais 3,5 milhões de pessoas estão em risco devido à falta de alimentos. “Somos muito pobres. Apenas 10% das pessoas aqui podem se dar ao luxo de comer mais de uma vez por dia”, estima Reginaldo Mangue, Oficial de Comunicação da Livaningo. “Antes desta fábrica nós tínhamos machambas, mas agora cultivamos clandestinamente”, informa Cossa que acrescenta que a proibição para o cultivo advém das autoridades locais.
“Antes podíamos vender carvão, mas agora é proibido”, conta Helena Matlaba.
“Eu não trabalho em nenhum sítio, vivo de agricultura e estes não nos ajudaram em nada. Ninguém aqui ganhou algo para deixar de ocupar a terra. Vivemos à nossa maneira: olha a minha, vivo com base no pouco que tenho para pelo menos conseguir comer, vendendo de vez em quando um saco de carvão”, acrescenta.
Autoridades fecham os olhos para uma multa de cerca de 32 milhões de dólares
O Decreto 31/2012 de 8 de Agosto, na alínea c) do artigo 25 estabelece que o incumprimento do plano de reassentamento aprovado é multado com um valor igual a 10 % do custo do projecto ou empreendimento. Para erguer o empreendimento, a empresa Dugongo Cimento SA investiu cerca de 320 milhões de dólares norte-americanos, o que significa que 10% desse montante está fixado em 32 milhões de dólares. Com esse montante, as famílias afectadas teriam, em jeito de estimativa, cerca de 262.295 mil dólares, o equivalente a 16.524.585,00 de meticais (valor suficiente para se ter uma casa condigna e investir na criação de uma fonte de renda e igualmente suficiente para a alocação de infra-estrutura básicas na comunidade).
Os donos do calcário em Maputo
O total da área em que se explora calcário na província de Maputo equivale a 44 mil campos de futebol. Se juntarmos todos espaços um município como Matola, com 373 km quadrados poderia ser engolido pela indústria da extração, cuja área concedida em toda província de Maputo é superior a 449 quilómetros quadrados. O município de Quelimane, por exemplo, caberia pelo menos quatro vezes.
O ranking da extração é liderado pela DAG Moçambique lda, com dezoito mil hectares. Segue-se, com 12 mil ponto cinco hectares a S & S Cimento lda. Estas duas empresas sozinhas exploram 68% das áreas concedidas na província de Maputo. Em separado a DAG Moçambique lda conta com 40,9% da área total e S & S Cimentos lda fica com humildes 27,8%.
Bem distante das duas primeiras queda-se, na terceira posição, a RL Mines Sociedade Unipessoal, com 4609,98 ha, que se traduzem em 10.2% da área total. Uma quarta empresa, a Gosh – Aluguer de equipamentos e serviços lda explora 3217,3 ha, equivalentes a 7,2%. O top cinco é fechado pela CIF – Moz com três concessões que totalizam 1995,31 ha. No total, na província de Maputo, apenas 11 empresas possuem licença para extração de calcário. Porém, as três últimas na tabela, Limak Cimentos SA, Maputo Cimentos AndSteel e Grupo Zanda exploram menos de 2% da área total.
Dugongo fecha-se em copas…
A Dugongo não quis falar com o Evidências e informa sempre aos residentes de Mudada que a responsabilidade é da CIF-MOZ. Sucede, porém, que em 2029 a West China CementLtd anunciou que uma subsidiária da empresa chinesa criou uma parceria com três outras empresas para relançar o projecto de construção de uma fábrica de cimento na capital de Moçambique, Maputo. Nesse comunicado à Bolsa de Valores foi revelado que o segundo maior acionista é a empresa CIF-MOZ SA, que contribuiu com os direitos de propriedade e exploração sobre uma mina e sobre o terreno onde se situa a fábrica. A Oceanic Star Venture Ltd, empresa das Seychelles, e a moçambicana Guhava Serviços, S.A. são as outras parceiras, com participações de 14 e 5 por cento, respectivamente.
A CIF-MOZ, por sua vez, é propriedade da SPI – Gestão e Investimentos SA (braços da Frelimo), com 54% do capital social, da Guhava Serviços SA, com 45% e da China InternationalFund com 1%.
*Este conteúdo foi produzido em parceria com o MídiaLab. O Evidências apoia iniciativas de produção de conteúdos jornalísticos de interesse público e fornece espaço para a veiculação dos mesmos.
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