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A vez da meritocracia

Até aqui, as pretensões de terceiro mandato, denunciadas exclusiva e oportunamente por este jornal, quando trouxe os detalhes do último Comité Central, alimentavam um debate tímido e só nos espaços informais é que se fala em voz alta.

E porque as reações que são determinantes para o avanço ou não continuam tímidas, não permitindo se o ensaio pode ganhar vida ou não, o poder político decidiu anunciar em voz alta através dos seus grupos de apoio, desta vez a escolhida para fazer ecoar a mensagem foi Anchia Talapa, no seu último discurso como Secretária-Geral da OJM, que veio ganhar nos jornais a manchete de que a “OJM apoia Terceiro Mandato de Nyusi”.

Anchia é filha de ministra de Trabalho e Segurança Social, e a sua vontade é expressa depois de fracassada sua estratégia de revisão dos estatutos da OJM e alargamento da idade dos membros para 45 anos, o objectivo era mesmo de se perpetuar no poder e viabilizar os ensaios dos alinhados na agenda de terceiro mandato.

De longe, não parece que o Presidente Nyusi tenha ambições e um apego obsessivo pelo poder, mas parece ver nele o refúgio para escapar dos seus inimigos, desde os processos de Londres que lhe empurram para o centro das dívidas ocultas, até aos combates internos no partido onde é visto como promotor de caça às bruxas, desculpas que podem estar a ser usadas pelos que lhe rodeiam para fazer urdir esse plano, que até aqui mostra-se concentrado em medir a reação pública. É obvio que para o povo será vendida a narrativa por todos conhecida: é a vitória expressiva nas eleições de 2019, que se ignora o facto de terem sido sangrentas e fraudulentas; os efeitos das dívidas ocultas que inviabilizaram o desenvolvimento; o terrorismo em Cabo Delgado; os ciclones; e o conflito de Centro. Ou seja, as intempéries que deveriam ter sido aproveitadas para mostrar a capacidade de liderança de Filipe Nyusi são usadas como desculpas para perpectuar a ingovernabilidade.

E, enquanto se faz o anúncio, são soltas perguntas como onde está o problema em fazer três mandatos? Qual é a garantia de que o povo se incomoda com isso? E os indiferentes comparam com Armando Guebuza, e concluem que se este último, que é mais forte e mais cauteloso, fracassou (não houve indicadores claros de que tinha intenções de ir a um terceiro mandato), quem é Nyusi, rotulado como pior Presidente na história do País, para conseguir.

O curioso de tudo é que este debate surge num momento em que dentro do partido, a Frelimo mostra-se concentrada na sucessão, desvalorizando as pretensões dos defensores de Nyusi, encarando como uma ilusão dos meninos de recado. Aliás, o próprio Nyusi parece concentrado em controlar os órgãos sociais do partido, as direcções dos partidos, como se viu na OMM, no ACLIN e agora na OJM.

É nessa senda que se discute a vez do centro, como se a governação de Moçambique fosse um xitique do poder, no lugar do partido discutir a meritocracia dos seus candidatos, que deviam privilegiar os planos que estes têm para o país, com vista a evitar os erros que cometemos nos últimos 8 anos.

Talvez por se pensar na vez do centro, que se excluiu totalmente o sul dos órgãos sociais, embora a equação que conduziu os tais SG’s não tivesse tido em conta as regiões, a soma deu essa oportunidade.

A indiferença da Frelimo pode ser a melhor resposta para os que sondam a opinião pública para saber se impõe ou não a agenda de terceiro mandato, que tem agora um tempo cada vez mais apertado e resumido somente na presidência da Frelimo. E porque o silêncio do partido mostra-se mais perigoso do que o barulho dos anónimos, já se mostra em curso a estratégia de montar um partido a medida da ala no poder, um plano que passa por controlar as bases para garantir a continuidade, mesmo que seja através de uma outra figura fiel ao planalto.

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