O triunfo de um pacto silencioso na Frelimo: Norte e Centro tiram Sul da jogada

DESTAQUE POLÍTICA
  • Chissano e Guebuza não “ouviram nada” sobre o terceiro mandado de Nyusi

Foi eleito, na noite do último sábado, o secretário-geral da OJM, Silva Livone, no decurso do II Congresso da organização. Livone é da Zambézia. Quem também é do Centro é Fernando Faustino, Tete, e Mariazinha Niquice, Manica, uma distribuição que coincide com a propalada vez do Centro, um critério que é cada vez mais questionado, mesmo depois de um pacto implícito para uma unidade que pretere a meritocracia e olha a distribuição de poder por regiões. A nível mais alto, a Frelimo é dirigida por um SG de Sul, Roque Silva, que pode vir a conhecer a queda no XII Congresso que se realiza em Setembro próximo, depois de ser marginalizado no decurso do Congresso da OJM, estando a vista a eleição de um quadro do norte, confirmando-se um pacto silencioso que empurra cada vez mais a ala sulista para fora do septo do poder. Esta semana o partido vai ao Comité Central (CC).

Pelos estatutos do partido, está claro a promoção da unidade nacional, um compromisso que transcende dos Estatutos da organização e passa a constituir parte dos pilares que sustentam o Plano Quinquenal do Governo (PGG), e faz os discursos de quem conduz os destinos da nação. É na verdade um compromisso plausível, que busca reduzir as assimetrias regionais e promover a igualdade de oportunidades, em todos os sentidos.

Não é por acaso, afinal, a sua génese mostra que a Frelimo é mesmo fruto de unidade, da sua capacidade de unir movimentos diferentes e lutar por um objectivo consensual. Foi com a convicção desta unidade que se conseguiu fazer a luta pela independência, quando os diferentes movimentos aceitaram dissolver-se e criar uma única frente e o conceito vincou porque houve um factor muito concreto e claro, que era a unidade para libertar o país do domínio colonial, já que não podia haver moçambicano que não quisesse a liberdade sobre a colonização. A conquista veio e foi evocada a unidade para preservar a independência e não só, mas é um pilar sagrado que está a fracturar-se.

Porque passado esse objectivo (a independência), o país e a Frelimo continuaram na mão dos seus libertadores, que por quase 40 anos (11 anos de Samora Machel, 18 anos de Joaquim Chissano e 10 anos de Armando Guebuza) eram todos do Sul, enquanto o Norte e Centro reivindicavam, sem rosto, uma maior representatividade.

Dessa reivindicação veio o pacto silencioso entre o Centro e Norte, que nos últimos tempos têm uma tendência de voto solidário que vem tirando o Sul da jogada. É possivelmente dentro dessa solideriedade entre Centro e Norte que a OJM, enquanto liderada por Anchia Talapa, natural de Nampula, defendeu um terceiro mandato a Filipe Nyusi na liderança da Frelimo. Um desejo que Joaquim Chissano e Armando Guebuza, quando abordados por jornalistas nesta segunda-feita (23), dizem não ter ouvido. “Eu não ouvi isso. Estou a ouvir de si (jornalista)”, disse Chissano.

É que dentro da Frelimo não houve um comando ou uma directiva que instruísse que o poder devia ser “xitique” de regiões, mas é comum no partido ouvir-se que agora é a vez do Centro, tal como em 2013 foi a vez do Norte. É por isso que dos três (Filipe Nyusi, Aires Ali e José Pacheco) candidatos da Frelimo que concorreram para sucessão de Armando Guebuza nenhum era do Sul.

É nessa corrida que Norte (Cabo Delgado) passa a assumir os destinos da nação e enraizando-se a ideia das regiões, o debate que vai subindo de tom é de que desta vez seria a vez do Centro, e a pergunta que nunca teve resposta é “onde está escrito?”.

OJM, OMM e ACLIN com comando do Centro

A recente indicação de Silva Livone deixou cristalino a ideia de que os órgãos sociais da Frelimo têm todos um comando de Centro, uma ou não coincidência que surge num momento que existe uma tímida reivindicação, sem mensageiro, da vez do Centro.

Livone, eleito no decurso do II Congresso da organização, é natural da Zambézia. Quem também é do Centro é Fernando Faustino, secretário-geral dos Antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional, um braço forte do partido, onde fazem parte os filhos dos antigos combatentes. Faustino é natural de Tete. O terceiro órgão da Frelimo é a Organização da Mulher Moçambicana (OMM), liderado por Mariazinha Niquice, natural de Manica.

Oficialmente, a eleição dos dirigentes não teve em conta a questão das regiões, mas não deixa de ser curiosa a forma como esta distribuição alinha com a ideia de que esta é a vez do Centro, como se isso garantisse a estabilidade ou a prevenção de conflitos explicados pelas assimetrias. Ao mesmo tempo em que existe uma insegurança avançar contra esta ideia já interiorizada nos militantes da Frelimo, de que depois de Sul e Norte, o próximo candidato da Frelimo deve ser do Centro, chegando a se relacionar isto com os conflitos que sempre fizeram parte da história recente do país.

Afinal, é no momento em que o poder é controlado a partir do Norte, Cabo Delgado, província de onde o actual chefe do Estado é natural, que se vive o horror da insurgência, onde os terroristas se aproveitaram das assimetrias para engrossar nas suas fileiras jovens que se veem se opções.

Aliás, no momento em que a região é gerida a partir do Norte foram desenhadas estratégias e cridas instituições com vocação primária de reduzir as desigualdades, numa região que tem o índice de pobreza a fixar-se em 67, 50 e 65 por cento nas províncias de Niassa, Cabo Delgado e Nampula, mas até então não se conhecem avanços palpáveis. Estando toda concentração na luta contra o terrorismo, que só começou a melhorar graças a intervenção externa.

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