Economista Egas Daniel diz que o FMI é quem vai tirar mais vantagens com o aperto aos mais pobres

ECONOMIA
  • Enquanto Nyusi pede aos moçambicanos para aguentarem a fome

A retoma do financiamento do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial à economia de Moçambique foi celebrada com pompa e circunstância pelo governo. Entretanto, o regresso daquelas duas prestigiadas instituições do Bretton Woods à perola do Índico tem um preço a pagar. O Presidente da República, Filipe Nyusui, figura que mostrara mais empolgação, acabou sendo o porta-voz das más notícias. Afinal, haverá um aperto que vai doer sobretudo aos mais pobres, por imposição do Fundo Monetário Internacional. Para o economista Egas Daniel, o FMI é quem vai tirar mais vantagens, a curto prazo, com o aperto de cintos que se vai viver em Moçambique nos próximos tempos, mas observa que, a longo prazo, estas medidas vão permitir com que o país seja atractivo para investimentos estrangeiro nos próximos anos.

Duarte Sitoe

No último dia da visita oficial à República do Gana, volvidos dois dias depois da ARENE anunciar o reajuste dos preços dos combustíveis pela segunda vez num intervalo de três meses, o Presidente da República deixou um sério aviso aos moçambicanos, declarando que o aperto só estava a começar.

“A expectativa que há é que vamos trabalhar. Primeiro, temos que evitar os erros cometidos que nos puseram fora. Nisso temos que trabalhar todos nós, os moçambicanos, e temos essa consciência. Quando o FMI regressa, vem com algumas medidas que exigem uma disciplina financeira. Essa disciplina deve ser feita e algumas dessas medidas vão doer. Teremos um espaço para podermos comunicar a nação. Teremos que apertar algumas medidas, não para poder pôr o moçambicano a sofrer, mas para ver se nos qualificamos. O combate à corrupção é fundamental e os indicadores de produção por si só têm que ser”, declarou o Presidente da República, sentenciando o aperto que vai afectar sobretudo aos mais pobres.

Antes mesmo do Presidente da República se pronunciar, o custo de vida já mostrava sinais de deterioração, com os preços dos principais produtos a subir de forma galopante, com destaque para o pão, cujo preço tem estado a ser incrementado à surdina pelos panificadores sob olhar impávido das autoridades.

Actualmente, o preço de pão de 200 gramas, o mais consumido e essencial na dieta dos moçambicanos, varia entre 12 e 15 meticais. O Governo já deixou claro que não vai mais subsidiar este produto.

Aliás, outro sector transversal onde o governo, sob orientações do FMI, conhecido por suas políticas de austeridade, decidiu demitir-se da sua função de protecção é o de transportes de passageiros e carga, este último com implicações directa no custo dos produtos no país. Os transportadores encontram-se neste momento em negociações com o governo com vista ao incremento do preço.

E o governo já anunciou que não haverá subsídio às gasolineiras e panificadoras. O primeiro-ministro, Adriano Maleane, que já foi ministro da Economia e Finanças, diz que os subsídios não são sustentáveis. Para tal, prometeu alargar a base da protecção social, no entanto, escondeu que o subsídio social em Moçambique, canalizado de forma deficiente pelo Instituto Nacional de Acção Social, é de apenas 540 meticais ao mês, que são pagos trimestralmente, por vezes com atrasos, aos grupos vulneráveis como idosos e crianças órfãs. O valor é de longe insuficiente para cobrir uma sexta básica.

Egas Daniel compara actual estágio da economia a um doente em estado grave

O analista Egas Daniel compara o actual estágio da economia moçambicana com um doente que está em estado grave, por isso entende que a implementação efectiva das políticas do Fundo Monetário Internacional requer sacrifícios no presente, com vista a conter o aumento da despesa pública e melhorar a eficiência da gestão das finanças públicas.

“No processo de compra de bens e serviços que o Estado paga devem ser feitos ao mínimo custo possível e com o mínimo nível de corrupção para permitir que um determinado objectivo, e dependendo de recursos, mas talvez a parte que mais vai sufocar não seja esta, mas a contenção de despesas. A nossa despesa aumenta mais que a receita, o segundo ponto é a nossa folha salarial que é uma das maiores do mundo. O rácio do que é pago aos funcionários públicos sobre o PIB não compensa. Esse conjunto de reformas de conter a despesa, de limitar o máximo possível os gastos do Governo em diferentes sectores para permitir a melhoria da eficiência das finanças públicas e permitir que a despesa seja cada vez menor que a receita poderá minimizar o défice orçamental resultante do acúmulo da dívida”, destaca.

A fonte avança, por outro lado, que a aplicação das políticas do Fundo Monetário Internacional requer ousadia e alguma repriorização das despesas, sendo que alguns sectores serão sacrificados, principalmente num momento em que se assiste a nível internacional o cenário do aumento dos preços de alimentos, combustíveis e das taxas de juros.

“O FMI terá maior vantagem e maiores benefícios”

Indo mais longe, Egas Daniel entende que o aperto é uma manifestação da política restritiva dentro do novo contexto que Moçambique está a viver, declarando que o país poderá colher algumas vantagens nas políticas do FMI, mas aquela instituição de Bretton Woods vai colher maiores benefícios.

“A vantagem é que vamos dar a possibilidade de a médio prazo recuperarmos os níveis sustentáveis nos diferentes indicadores das finanças públicas. Um aperto no presente dá-nos a possibilidade de melhorarmos os indicadores das finanças públicas a médio e a longo prazo. O aperto do presente vai-nos permitir, nos próximos tempos, ter mais atracção de investimentos estrangeiros e maior atracção do apoio financeiro internacional e terá ambiente para o investimento nacional assim como externo, porque os indicadores estarão no nível controlado e sustentável. Os que estão lá fora verão Moçambique como um país atractivo para investimento, desde pequenos assim como grandes”, sustenta.

Egas Daniel adverte que o grosso das políticas implementadas em Moçambique é de curto prazo e ignoram a necessidade de aperto no presente para colher mais no futuro. Aliás, segundo o economista, o Governo fez bem ao não subsidiar os preços dos combustíveis porque os moçambicanos pagariam uma factura alta nos próximos 10 anos.

“Não podemos continuar a responder questões de curto prazo. O que acontecia com o combustível é que para conter a subida do preço fazíamos dívidas com as gasolineiras para subsidiar, para que não haja aumento estaríamos a resolver o problema agora, mas íamos pagar a factura de conter o preço pelos próximos 10 anos, porque a dívida que vai ser contraída para conter a subida do preço do combustível pode nos fazer pagar a factura por muito mais tempo. São decisões difíceis que devem ser tomadas agora e se formos a aguentar vamos, mais tarde, ter uma economia sustentável”, destaca

Se por um lado Egas Daniel mostrou-se confiante de que Moçambique pode vir a tirar vantagens das políticas do FMI olhando para as condições que são colocadas quando se fala da Lei de Probidade Pública, melhoria da questão da despesa e Lei de Branqueamento de Capitais, por outro refere que essas políticas não podiam depender exclusivamente do Fundo Monetário Internacional.

“Em princípio, todo o Estado deve procurar garantir que a sustentabilidade da dívida, garantir a sustentabilidade da folha salarial, garantir sustentabilidade da lei de probidade pública seja cumprida para não suscitar conflitos de interesse que põem em causa a execução das despesas e elevados níveis de corrupção, ou seja, qualquer país devia fazer isso, mas agora o que tem de ficar claro é que o FMI terá maiores vantagens, terá maiores benefícios e vai colher muito dessas políticas”, sublinha.

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