Organizações da sociedade civil lamentam que o HIV/SIDA tenha o rosto da mulher

SAÚDE SOCIEDADE

Vários estudos mostram que, comparativamente às mulheres, os homens continuam a não aderir de forma voluntária aos serviços de saúde para rastreio, diagnóstico e tratamento de doenças, o que faz com que tenham menos acesso aos serviços de aconselhamento e testagem para HIV, procurando os cuidados de saúde nos estágios mais avançados da doença e com piores prognósticos. E pelo facto de as mulheres serem as que mais aderem às unidades sanitárias tem contribuído para a estigmatização da mulher, sendo muitas vezes apresentada como o rosto do HIV/SIDA em Moçambique.

Neila Sitoe

A cada 20 minutos, em Moçambique, uma mulher jovem, de 15-24 anos de idade, é infectada pelo HIV, 2.1 milhões de moçambicanos vivem com HIV e 1.4 milhão estão em tratamento. E destas, 81% conhecem o seu sero estado, 84% estão em tratamento e 80% estão viralmente suprimidos.

À primeira vista, estas estatísticas parecem mostrar maior prevalência do HIV/SIDA nas mulheres, mas a verdade é que, comparativamente aos homens, as mulheres têm mais sensibilidade à saúde, aderindo massivamente à testagem, enquanto os homens só procuram cuidados sanitários quando estão graves e por vezes com poucas chances de sobrevivência.

Como se tal não bastasse, quando os homens iniciam o TARV têm taxas de adesão aos cuidados e tratamento muito baixas, o que resulta em alta taxa de morbimortalidade por HIV após o início do tratamento. De uma forma geral, em Moçambique, a cobertura de TARV no ano 2017, entre homens com 15 anos ou mais, foi de 42%, em comparação com 63% entre as mulheres.

Essa situação preocupa sobremaneira a sociedade civil, que recentemente participou do Fórum Regional Sul das Redes de Mulheres contra o Sida, realizado pela ONU mulheres, ONUSIDA, em colaboração com a Associação Sócio Cultural Horizonte Azul e o Conselho Provincial de Combate ao Sida de Gaza, na cidade de Xai-Xai, província de Gaza.

Gisela Banze, representante da Rede Nacional de Mulheres e Raparigas Vivendo com HIV/SIDA, considera que a doença tomou o rosto feminino porque as mulheres são as que mais aderem às unidades sanitárias e os homens têm medo de saber, no mínimo, se estão contaminados ou não.

“Estou ciente que a mudança de comportamento é um processo que leva muito tempo, mas é necessário que continuemos a advogar para a mudança de comportamento porque nos 2.1 milhões de pessoas que vivem com o HIV mais que a metade é composto por mulheres e raparigas, mas é porque o país é composto maioritariamente por mulheres e estas são as que mais se preocupam em saber do seu estado serológico. Enquanto os homens não se engajarem nos cuidados de saúde, continuaremos longe de alcançar as metas traçadas para a redução e eliminação do HIV/SIDA”, lamentou. 

 

Banze diz que enquanto a sociedade estiver preocupada em culpabilizar a mulher pela transmissão do HIV/SIDA, vidas ainda serão ceifadas por esta epidemia que pode ser controlada e futuramente eliminada. 

Mulheres na dianteira dos serviços de saúde

Maria Mussuei, coordenadora nacional de Líderes Religiosos Afectados e Infectados pelo HIV/SIDA, lamenta o facto de existirem ainda doutrinas que criam limitações e inferiorizam a mulher.

“A mulher se preocupa com a saúde dela, dos filhos e do marido. Um simples sintoma estranho, ela logo dirige-se à unidade sanitária. Mesmo dentro das igrejas, quando tem pessoas com HIV, é mais fácil saber quando são mulheres e se elas estão a seguir o tratamento ou não. Mas quando se trata dos homens, por mais que a mulher esteja a fazer tratamento, nunca revelam se eles são ou não seropositivos e nem sequer procuram uma unidade sanitária. Por essa razão, mesmo dentro das igrejas, os homens com HIV são os que mais morrem”, revelou.

Para Célia Muchanga, coordenadora de género da Associação Kutenga, os homens não aderem à testagem e tratamento de HIV/SIDA porque crescem numa base de protecção das normas sociais que os defendem e dão privilégios.

“Alguém pode ser polígamo e passar o vírus para as suas múltiplas parceiras, e muitas das vezes o homem nem quer agir assim, mas os hábitos e costumes que transmitem valores e tradições o obrigam a seguir tais práticas, assim como obrigam todos a segui-las. A mulher é marginalizada e culpabilizada, não pode ter autonomia, e tudo o que não é bonito para a fotografia do homem associa-se à mulher”, destaca.

A coordenadora acredita que é possível transformar as práticas nocivas, as desigualdades de género e o fraco engajamento masculino em boas práticas, para que se tornem veículos de transformação da sociedade para que todos tenham comportamentos positivos e reduzam a incidência do HIV, principalmente na faixa etária dos 14-49 anos, onde há maior infecções.

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