Comissão multissectorial confirma esquemas de contrabando de combustível e fuga ao fisco

DESTAQUE ECONOMIA
  • Galp apanhada com a boca na botija
  • Apenas uma bomba é que declarava receitas à Autoridade Tributária
  • As restantes bombas vendem combustível cuja origem pode ser ilegal
  • “… a Galp mete muito combustível contrabandeado no circuito normal”

Depois de ter negado sonegação de impostos na sequência de reportagens publicadas por alguns jornais da praça, a Galp Moçambique foi, esta segunda-feira, alvo de uma inspecção multisectorial a duas das suas bombas localizadas na cidade e província de Maputo, tendo sido constatadas diversas irregularidades, incluindo um amplo esquema de sonegação de impostos, o que vem confirmar os resultados da auditoria que apontava que aquela gasolineira portuguesa lesou o Estado moçambicano em 105.154.327,91 Meticais, através da importação irregular de combustível durante o período entre 2016 a 2021. Da inspecção desta segunda-feira, foi constatado que toda facturação do combustível importado da Galp é declarada como tendo destino a bomba do Aeroporto, no entanto, as demais bombas têm combustível a venda, o que, para as autoridades, é já uma prova de que o nível de sonegação é elevado.

Reginaldo Tchambule

Apenas três dias depois da empresa Galp ter vindo a público para contestar, sem apresentar dados contrários, os resultados da auditoria da Autoridade Tributária de Moçambique, a que o Evidências teve acesso, que indicam que a empresa pode estar envolvida no contrabando de combustíveis, a petroquímica portuguesa voltou a ser alvo de uma sindicância, desta feita de uma equipa multissectorial, que envolve as principais entidades que intervêm no sector do combustível.

O objectivo da fiscalização era verificar o grau de cumprimento das obrigações fiscais da Galp desde a importação (pagamento dos direitos aduaneiros e todas imposições) até a comercialização nas diferentes bombas.

A Galp é um player com uma considerável quota do mercado, actuando como importador, através da sua subsidiária Petrogal Moçambique; bem como distribuidor e retalhista através da própria marca principal, por isso depois de investigar e encontrar irregularidades na cadeia desde a importação até aos armazéns aduaneiros, a equipa multissectorial desceu até à comercialização (bombas), tendo constatado que a empresa portuguesa “é bastante deficiente” em termos de cumprimento de obrigações fiscais.

A inspecção que seguia os rastros de suspeitas de risco elevado de entrada de mercadoria no país sem o pagamento de direitos e demais imposições; saída de mercadoria em armazém de regime aduaneiro, sem a devida regularização; processamento das requisições internas de combustível em armazém, fora do sistema JUE bem como a partilha de tanques no armazenamento de combustíveis em trânsito e do consumo interno, incidiu sobre duas bombas só nesta segunda-feira, o que foi suficiente para ter uma ideia do nível de sonegação de impostos.

Trata-se dos postos de abastecimento de combustível (bombas) do Aeroporto, na cidade de Maputo, e do Infulene, na cidade da Matola, província de Maputo, onde, sem grandes surpresas, foram constatadas diversas irregularidades fiscais e aduaneiras.

“Vimos várias irregularidades e isso levou a que perseguíssemos toda a cadeia de negócios até desembocar nas bombas. Nas bombas verificadas até agora vimos facturação paralela (uma num sistema electrónico e outra num sistema manual)”, denunciou Domingos Muconto, director-geral adjunto dos Impostos, acrescentando que no sistema manual foram constatadas inconformidades e irregularidades que indiciam um esquema que permite a Galp declarar apenas rendimentos do sistema electrónico, sonegando impostos.

“No sistema manual vemos irregularidade e descontinuidade em termos de VDˊs, etc, o que indicia claramente que as bombas da Galp tem seguido um procedimento irregular que obviamente indicia que a linha de facturação electrónica é a que deve ser declarada enquanto a linha não manual que não é possível ser determinada com exactidão é a linha fora do circuito tributário”, sublinhou.

Apenas uma bomba declara receitas

Durante o trabalho foram constatadas irregularidades também na declaração dos rendimentos. Para supostamente ludibriar as autoridades, a Galp declara todo o combustível importado como sendo destinado à bomba do Aeroporto, no entanto, são abastecidas outras três, sob pretexto de tratarem-se de sucursais.

Como tal, embora o combustível seja vendido em quatro bombas, apenas uma, a do Aeroporto, faz a facturação, o que é encarado como prova de que a empresa pode estar envolvida na sonegação de impostos.

“Até que provem o contrário, toda a facturação de combustível importado para as bombas da Galp indicam esta (Aeroporto), no entanto nas outras bombas também foi constatado que há combustível, o que é já em si uma prova de que o nível de sonegação é muito elevado”.

Através deste esquema, suspeita-se que a Galp esteja a lesar o Estado moçambicano em muitos milhões de meticais e a próxima fase, anunciou Muconta, vai incidir no cálculo do valor que vem sendo sonegado em impostos e demais imposição ao longo destes anos todos, através do referido esquema, estando também previstas multas. Por exemplo, o não pagamento do IVA, uma vez apurado, resultará numa multa que varia do valor igual ou até duas vezes.

“Quando nós vamos para lá eles sempre dizem que são sucursais e subentendemos que ela declara as vendas na sede, quando na verdade está sendo provado aqui nas medições que aqui simplesmente entra uma pequena parte e a outra vai para as ditas sucursais, sem nenhuma declaração ao fisco. Isto prova-nos mais uma vez que este sector é sensível e o nível de contrabando é elevado e também indicia que a Galp mete muito combustível contrabandeado no circuito normal”, declarou Muconta, destacando que as investigações perseguem em todo o país.

MIREME verifica licenças a pente fino

A par da inspecção sobre a conformidade fiscal da Galp, o Ministério dos Recursos Minerais e Energia (MIREME) está a levar a cabo um trabalho visando conferir a fiabilidade das licenças da petroquímica portuguesa, sobretudo das bombas.

“Há indícios que nos permitem duvidar da autenticidade de algumas destas licenças. Estamos numa equipa multissectorial e todos esses elementos vão ser apurados”, revelou Muconto, no fim de um trabalho inspectivo.

Refira-se que durante a inspecção, técnicos do MIREME auxiliaram a Autoridade Tributária (AT) de Moçambique a verificar as licenças e fazer as medições e avaliação das quantidades de combustível existente nas bombas, entre outros elementos de gestão.

Para se pronunciar sobre as constatações desta inspecção, o Evidências entrou em contacto com a Galp Moçambique, através da sua assessoria de imprensa, contudo, não foi possível obter uma resposta em tempo útil. Pouco antes do fecho desta edição, tomamos conhecimento de que a empresa iria falar à imprensa na noite desta segunda-feira.

O rastro de contrabando começa no processo de importação

Constatações preliminares de uma auditoria realizada pela Autoridade Tributária de Moçambique e empresa Petrogal Moçambique, subsidiária da Galp, vocacionada à importação de combustíveis, indicam que aquela empresa de origem portuguesa tem uma dívida aduaneira na ordem de 105.154.327,91 meticais resultante de práticas irregulares no processo de importação e armazenamento de combustíveis.

Entre as irregularidades constatou-se que existem declarações de entrada em armazém (oito) que não foram regularizadas, das quais 01 (um) processo com Ref. 17334925125, cuja quantidade é de 501,941 Kgs de gasolina e sete (07) processos com a quantidade total de 7,493,617.00 kgs de gasóleo. As mesmas encontram-se fora de prazo de armazém e não foram integralmente regularizadas. Como tal, foram liquidados os direitos e demais imposiҫões referentes às quantidades em saldo e apurada a dívida correspondente à 59.349.896,94 Mts.

Constatou-se igualmente a existência de 12 (doze) processos regularizados parcialmente, tendo sido liquidados direitos e demais imposições, apurando-se dívida correspondente a 10.473.014,18 Mts.

Foi apurado o valor das despesas de demora dos navios pagos ao exterior que não foram incluídos ao valor aduaneiro, contrariando alinha b) do nº 1 do artigo 8 do Decreto nº 38/2002 de 11 de Dezembro. Desta análise resultou uma dívida no valor de 32.145.985,93 Mts.

Igualmente, foi solicitado à JUE a relação das contramarcas pendentes, tendo-se constatado a existência de 07 (sete) contramarcas abertas que até à data do término da auditoria encontram-se fora do prazo. Uma vez que as contramarcas referidas não foram submetidas para efeitos de declaraҫão aduaneira, o que consubstancia incumprimento de várias normas aduaneiras. Por essa razão, foi apurada dívida no valor de 477,462.29 Mt.

Foi também acrescido a esta dívida o montante referente à multa de mora nos termos da Ordem de Serviço n.o: 06/DGA/2018 de 16/01, conjugado com o n 1 do artigo 254 do Contencioso Aduaneiro, no valor de 477,462.29 Mts.

Na análise do fluxo dos combustíveis, fez-se a confrontação do combustível requisitado em 2020, constatou-se uma disparidade entre a quantidade de combustível requisitada (vendido) que foi de 5.489.430 Litros de gasolina e o que efectivamente foi regularizado em quantidade de 5.018.116 Litros, porque a requisição de combustível evidencia uma pré-venda, pressupõe-se que a quantidade requisitada seja igual a que imediatamente foi regularizada no mês seguinte, sendo que, a diferença calculada de 471.314 Litros de gasolina consubstancia uma omissão de quantidade na declaração de regularização, por esse facto, fez-se o cálculo de direitos e demais imposições da referida quantidade, tendo resultado numa dívida aduaneira no montante de 2.707.458,56 Mts.

Em resposta, na passada sexta-feira, a Galp emitiu um comunicado vago, no qual, em vez de rebater as constatações da auditoria, limita-se a declarar que cumpre com as suas obrigações legais e fiscais de forma transparente e responsável.

“Não procedeu a qualquer importação irregular de combustíveis, presumindo-se que as insinuações proferidas decorram de uma auditoria de rotina levada a cabo pela Autoridade Tributária que resultou numa alegada divergência entre o valor calculado e o efectivamente entregue pela Galp, a título de direitos aduaneiros e IVA, tendo esta prontamente prestado todos os esclarecimentos, e fundamentando nada ser devido”, refere a nota, na qual exalta-se de ter uma postura exemplar enquanto contribuinte.

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