É indispensável dar forma à uma nova moçambicanidade

DESTAQUE EDITORIAL

No ano em que o país completa 47 anos de independência se vislumbra para o futuro um cenário sombrio e incerto. O esgotamento da Frelimo, o vazio da oposição, o escangalhamento da educação e ascendência de grupos criminosos nos sectores-chave do Estado sugerem o Moçambique dos próximos dez anos.

Em 47 anos tornou-se inquestionável a incapacidade dos libertadores de conduzir o país, desde o momento em que os desafios eram menores quando comparados com os desafios do mundo moderno. Pelo contrário, até o que existia de bom foi escangalhado, enquanto uma elite predadora maquiava os estragos da corrupção e dilapidação do erário público, mergulhando o Estado em dívidas para saciar.

Se antes as únicas limitações para o país avançar eram apenas a dispersão dos moçambicanos, a incapacidade de convergir nos seus objectivos horas depois de independência, o que precipitou a guerra civil, hoje os desafios aumentaram para inimigos sem rostos, a instabilidade mundial até o desgaste dos partidos tradicionais, afinal a Frelimo não é o único culpado. Hoje, que temos um governo completamente inapto e uma liderança quase inexistente, até a pobre natureza é chamada para justificar os recorrentes insucessos. Que o diga o coitado do Ciclone Idai, que se transformou num bode expiatório de dois mandatos de uma governação pálida.

Num golpe de mestre, o que pode vir constar como o único legado do consulado Nyusi é uma oposição fragilizada e não se pode, em hipótese alguma, esperar que com os eventos de Angola ela venha despertar, porque os interesses estomacais se sobrepõem ao bem comum e não há qualquer abertura para a própria oposição debater entre ela questões de interesse nacional. Bastou ter seu líder acomodado e ter tacho de pagar as suas contas, prazeres e sabores, que se lixe o país, os militantes do próprio partido, os jovens, o campo e as mulheres.

Não há opções de soluções até dos desafios fúteis como se apoderar das reivindicações do povo e encaminhá-las pacificamente como se assiste noutros polos, como Brasil, Angola e África do Sul. São mais de 60 partidos e apenas um extraparlamentar agendou o seu Congresso e dois parlamentares cambaleiam em crises internas.

E na falta de opções do lado de fora, até num momento de demonstrada incapacidade estrutural dentro da Frelimo, é deste mesmo partido que se espera uma ruptura que venha recriar um Moçambique que expurga os grupos de interesse que infestam o Estado, crie emprego, descongestione a cidade, reforma a educação e resgate o discurso que nos lembre que a vila também é Moçambique.

Aniquilar a posição, matar a educação, usar a indústria para compra de lealdade, promover o consumo de bebidas alcoólicas e escancarar a nossa costa para que Moçambique se transforme num narco-Estado é hipotecar o futuro desta bela “Varanda do Índico” e é a maior evidência da ascensão dos grupos de máfia no Estado. Ainda sequer digerimos o escândalo dos livros escolares que contém erros básicos, mas numa clara demonstração de perda de pudor, os estudantes do Sistema Nacional de Educação foram brindados com enunciados das Avaliações Provinciais com erros graves e de palmatória. Está a se normalizar o anormal e os dirigentes que nem sequer têm medo de mentir para o povo continuam de pedra e cal nos seus “tachos” a esbanjar a incompetências. A pergunta que não quer calar é: a quem a toda-poderosa ministra Namashulua, que sempre sacode o capote pelo lado mais fraco, vai sacrificar como bode expiatório desta vez?

É certo que o fracasso estrutural não é de pessoas dentro da Frelimo, mas não faz sentido ter competentes dentro de um grupo incapaz de traçar uma linha articulada para qualquer lunático que por lapso ascenda a presidência transforme isto num caos. A desculpa de que a culpa é dos executores não convence quando não há preocupação de definir um tecto para executor.

Não são as dívidas ocultas e nem os coitados dos ciclones e temporais que colocarão o país na incerteza nos próximos dez anos, mas as passagens automáticas de hoje, o fracasso do sistema educacional, o escangalhamento da indústria e a insistência em projectos falhados que absorvem grandes fundos posteriormente drenados para compra de lealdade. Os efeitos da desgovernação do Executivo actual irão ecoar até nos próximos dez anos, assim como de seu antecessor ecoam até hoje.

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