“Sabotam-me porque sou um adversário forte”

DESTAQUE POLÍTICA
  • Vahanle analisa a interferência do poder central e conclui
  • Procuradoria responsabiliza Vahanle por falta de contribuições desde 1997
  • Chegou ao ponto de inviabilizar plano do município de tapamento de buracos 
  • MISAU recusa-se a dar planta modelo para a edilidade construir hospital
  • “Se as eleições fossem hoje, a tendência de voto seria para a Renamo” – edil

 

A cidade de Nampula tem estado a despertar atenções ao registar mexidas nas infra-estruturas, depois de um longo período de estagnação, que levou o seu edil, Paulo Vahanle, a reconhecer a inexperiência. No entanto, as realizações fizeram despertar novos “inimigos do desenvolvimento”, que, de acordo com o Presidente do Município, inviabilizam a implementação do seu manifesto eleitoral, que está, segundo suas palavras, a 85 por cento do cumprimento. Aponta como exemplo o facto de o Ministério da Saúde ter se recusado a dar planta modelo para construção de um hospital, o que limitou a edilidade de cumprir a promessa de entregar aos munícipes um Centro de Saúde. As queixas sobre perseguições políticas não são vazias, no dia 18 de Outubro passado, a procuradoria chamou Paulo Vahanle para notificar-lhe o facto de o município de Nampula não ter canalizado contribuições de funcionários ao Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) desde 1997 até Abril de 2018, altura em que, curiosamente, assumiu os destinos da edilidade em termos efectivos e tornou-se no primeiro presidente a canalizar à segurança social o que é retido mensalmente aos funcionários da edilidade. Em entrevista ao Evidências, o edil faz uma análise positiva de uma cidade cujos desafios continuam palpáveis.

Nelson Mucandze

Presidente, a Cidade de Nampula conheceu uma mudança que de alguma forma forçou o reconhecimento, até da Frelimo, quando esta exigia que revelasse onde conseguia dinheiro para viabilizar certas infra-estruturas. Afinal, o que aconteceu e que radiografia faz da tua cidade?

– Nós tivemos dois momentos. Um momento muito ruim e a fase actual. O período muito complicado foi depois da tomada de posse, porque isto estava um pouco destruído.

Mesmo aquilo que era a visão dos próprios recursos humanos era uma lástima e pouco a pouco fomos juntando as nossas energias com colegas e houve pessoas que nos aconselharam para fazer isto e aquilo.

A partir de 2020 começamos a surpreender não só os nossos munícipes como também a nível nacional. Já se ouvia que algo está a mudar na cidade de Nampula. E em 2021 quase explodimos com a construção de estradas, pontes, melhoria de recolha de resíduos sólidos, limpeza, melhoria das placas centrais e montagem de semáforos, abertura de furos de água, entre outras actividades ao nível da nossa autarquia.

Neste momento temos dificuldades, mas se as eleições fossem hoje, a tendência de voto seria para a Renamo, porque o povo já está a agradecer e reconhecer os motivos do seu voto. Em poucas palavras, queria dizer que a cidade de Nampula não é aquela que conhecíamos antes.

Está a fazer uma leitura plenamente positiva?

– Não quero dizer que não tenhamos algumas dificuldades.

Como está a implementação do seu plano de governação, falo do manifesto?

– Para não ser pessimista ou optimista, acredito que estamos nos 85%. Estamos no negativo nas áreas de empoderamento da mulher. Havia, antes, os vulgos sete milhões, toda gente sabe que era um fundo canalizado aos distritos e municípios para levar a cabo algumas actividades e dentro dele havia essa iniciativa de empoderamento das mulheres para reforçar a capacidade financeira delas. Tivemos dificuldades porque conseguimos pouca receita no início e já não dava para fazer empréstimo, mas sim investir em actividades pontuais e de investimento no município.

Temos também o caso do Centro de Saúde que havíamos projectado para construir, que fazia parte do nosso manifesto, mas devido às questões políticas os serviços distritais e provinciais inviabilizaram, quando solicitamos a planta modelo – porque não bastava ir a um local para amontoar blocos – não nos facultaram.

Não houve abertura por parte do Ministério da Saúde ao nível da província de Nampula, pese embora tenhamos reportado esta situação ao Secretário de Estado da Província e ele havia prometido fazer algo para contornarmos esse impasse.

Houve uma resposta oficial ou simplesmente a solicitação do município foi ignorada?

– Foi ignorada. As cartas foram enviadas, mas não tivemos resposta. Primeiro, pensávamos que o expediente tinha sido perdido, mas quando fizemos o segundo e o terceiro expediente percebemos que não havia boa vontade.

“Pessoas de má fé querem prejudicar o nosso mandato”

Os 15% que faltam têm somente a ver com Hospital e empoderamento da mulher ou temos mais acções?

– Na componente da Educação também inviabilizaram a construção de salas de aulas. O comportamento demonstrado pelos colegas da Saúde foi o mesmo demonstrado pelo Ministério de Educação, quando solicitamos desenho para a construção. Mas estamos a conseguir dar algum material didático às crianças no posto administrativo ou em reuniões populares.

Essas são manifestações de sabotagem à sua governação…

– Acredito que sim, porque num espaço carente, com dificuldades imensas e haver alguém que quer desempenhar o seu papel, porque todo governante quer ver o bem-estar da sua população, e há este impasse, concluímos que pessoas de má fé querem prejudicar o nosso mandato. E ao mesmo tempo estão a prejudicar a população, porque se os que querem fazer são impedidos de fazer, quem sai neste momento prejudicado é o povo.

Além das acções que sugerem trabalho do município, verifiquei, na cidade, que há desafios aqui não arrolados, como é o caso da deficiente manutenção dos sistemas de esgotos, a falta de sanitários públicos, problemas de água… há resposta à vista?

– Nós temos um financiamento para o saneamento. É um programa de saneamento urbano financiado pelo Banco Mundial e neste momento temos acções a realizar. Estamos a conseguir estancar algumas situações que eram mesmo críticas no que diz respeito a esgotos e valas de drenagem. Tínhamos falta de equipamento, mas conseguimos adquirir no mês passado, que é para acelerar, porque muitos dos esgotos estavam entupidos. Neste momento, estamos a fazer, de forma paulatina, esta actividade de desentupir os esgotos.

Em relação à água, temos uma parceria com o FIPAG. Nós pedimos a esta empresa para cobrar as nossas taxas de saneamento. Dentro da nossa autarquia temos duas taxas. Os munícipes pagam a taxa de lixo que é cobrada pela EDM e a taxa de saneamento que é cobrada pelo FIPAG, mas podemos dizer que não temos água na nossa autarquia, tendo em conta as dificuldades que o FIPAG tem em abastecer a cidade, porque a barragem que tinha sido construída para cinco mil habitantes, que eram os colonos, de lá para cá o número da população aumentou. Hoje, somos quase um milhão de habitantes. É caso sério, nós como autarquia quando conseguimos um dinheiro abrimos furos ali e acolá, mas reconhecemos que ainda não é suficiente para abastecer a cidade.

Vahanle queixa-se de interferência do poder central

Não são poucas as vezes que o presidente é chamado pela Procuradoria para prestar declarações, mas não se relata o mesmo de outros edis. Por que esses processos de notificação vão para Vahanle?

– É complicado responder essa pergunta porque não quero pôr em causa aquilo que é a situação política do país. Não quero colocar em causa a democracia, mas existem realmente lacunas na interpretação daquilo que é a democracia.

Se existem governos autónomos (municípios), alguma coisa tinha que ter sido feita para melhor interpretação das leis locais. Se estamos numa região autónoma devíamos decidir algo para o bem do município, desde que isto fosse de agrado dos munícipes, e não se exigir ao presidente da autarquia para fazer aquilo que são as leis (vontade) do governo central.

O munícipe está feliz quando fizemos uma pequena diferença, mas em contrapartida, nesta pouca demonstração (das nossas capacidades), somos chamados de corruptos. Eu adquiri cinco camiões a um preço muito baixo, mas tivemos que responder como compramos por aquele preço, um camião custa mais do que pagamos. Respondemos que o nosso fornecedor nos deu a aquele preço e há documentos legais que confirmam que os carros são zero quilómetros.

No dia 18 deste mês fomos chamados à Procuradoria porque somos acusados de não ter canalizado os fundos ao INSS desde 1997, o que significa que desde que foram criadas as autarquias esta nunca canalizou fundos ao INSS, mas quando fomos chamados atenção pelo Secretário do Estado da Província de Nampula, que tínhamos que regularizar esta situação,  o fizemos.

Desde Abril de 2018 até Agosto deste ano estamos a canalizar os fundos. Porque essa empresa (INSS) não se acautelou e quer que seja nesse mandato a se regularizar a situação de 1997 e de todos aqueles que não canalizaram. Em poucas palavras, vejo que sou um adversário forte.

Está a levantar a questão da interferência do poder central num momento em que o país está a aumentar as autarquias. O que significa para nossa democracia essa proposta de criar mais autarquias quando temos indicadores de perseguição política?

– É um desafio. O povo moçambicano deve continuar firme, de igual modo que ontem bastava ouvir que aquele é da Renamo deixava de existir, mas o povo moçambicano resistiu até então.

Podemos aumentar as autarquias, podemos ir também às eleições dos governadores e administradores em 2024. Ontem não tinha gestão, no meio não se sabia onde ia se buscar dinheiro, mas agora são montagens, são questões.

Em democracia temos que avançar, temos que estar unidos e determinados acima de tudo. Com o tempo vai se moldar a própria história e a mudança virá, de igual modo que mudou a nossa história. Se o jornalista fez pequenas entrevistas nessa cidade podia acompanhar que aquele que estava no “mato” percebe os problemas da cidade do que aquele que se acha melhor governante (veio da cidade).

Nós lançamos um concurso que era para fechar essas covas em dois anos, mas para tal o empreiteiro cobrou um milhão para fechar todas as covas da cidade, e para trabalhar cobrou por quilómetro. No documento assinamos que quando conseguirmos dinheiro para um quilómetro chamávamos o empreiteiro para fazer o trabalho de forma parcelada, em 24 meses, mas o processo encalhou porque antes de ser anunciado tivemos um expediente da procuradoria a travar a reabilitação das nossas estradas.

A Procuradoria diz que o concurso está fora do normal e que está acima de 600 salários mínimos. Explicamos que o município não vai pagar de uma vez, nem duas vezes, é de forma faseada. Há meses que aceleramos as nossas receitas e vamos pagar de forma faseada quando houver disponibilidade financeira.

“Nunca recebemos nenhum dinheiro do Fundo de Estradas”

Como está o nível de canalização de fundos que compete ao Estado. Falo do Fundo de Estradas, de compensação autárquica e de investimento autárquico?

– Como autarquia nunca recebemos nenhum dinheiro do Fundo de Estradas. O que recebemos é a comunicação, mas este ano nem comunicação recebemos. Tudo está no silêncio. Nos anos anteriores diziam que vocês vão ter 15 milhões de meticais e quando fôssemos atrás do fundo nos criavam uma série de dificuldades para tirar um só metical. O que estamos a realizar é graças às receitas do município e um pouco do FIA. Fizemos muitas estradas com distância acima de um km.

O que significa este aparente despertar e aposta nas infra-estruturas?

– Primeiro, revisitamos o nosso manifesto eleitoral. No contacto que tivemos com os munícipes nos encorajaram a apostar mais nas obras e em outras actividades que até certo ponto o seu impacto não era tão relevante.

A nossa a cidade está num lugar um pouco alto, estamos no planalto, no tempo chuvoso as águas criavam, nas zonas periféricas, muita mortalidade. A população vinha nos pedindo uma intervenção. E fizemos. Por exemplo, em todas as zonas já fizemos pontes. Hoje, nos perguntam onde encontramos orçamento para tantas actividades que estamos a realizar, mas foi um pouco de gestão. Foi por causa da pressão, atendendo e considerando aquelas que são as preocupações da população e escolhemos as áreas prioritárias. Focamo-nos, primeiro, na questão do saneamento, segundo fomos perceber que o nosso povo precisava de infra-estruturas de raiz, daí fomos arrolando as coisas de forma decrescente.

Parece ter concentrado esforços para o saneamento no centro da cidade, mas as críticas prevalecem nos bairros periféricos?

– Nós sabemos que o lixo é o foco do munícipe. O lixo carrega consigo muita imundice, provoca moscas e outros organismos nocivos à saúde. Entendemos que a higiene traz saúde e longevidade às nossas vidas, e nós estamos cientes disso, porque essa é a razão de ter apostado na limpeza da cidade.

Recorremos aos contentores, mas há um défice e de vez em quando há falta de comunicação com os colegas supervisores e fiscais, não é que não há limpeza (nos bairros) e muitas vezes o lixo fica estagnado nas zonas intermédias, a fazer uma montanha desagradável.

O outro elemento que nos deixou um pouco decepcionados é a vandalização do nosso equipamento, tínhamos muitos contentores, mas era frequente encontrar munícipes a cortar para vender como ferro velho e a população acaba por armazenar o lixo ao ar livre.

Há uma vontade de fazer limpeza em todas as zonas, mas por vezes nos deparamos com défice de material e as vias de acesso também não são favoráveis. Não conseguimos minimizar os problemas em termos de vias de acesso, ainda falta muito. Levamos muitos anos sem dar atenção às vias de acesso, que alguns munícipes acabaram construindo residências nas vias.

A julgar por esse desempenho ou a “satisfação do munícipe”, há vontade de continuar nos destinos da presidência do Município de Nampula?

– Às vezes não é por vontade, é pela confiança dos órgãos que acham que aquela pedra pode funcionar num determinado lugar. Eu como Paulo diria que sim, mas também deixaria à disposição para um outro dirigir os destinos do município.

Para vir até aqui não foi por minha vontade, como sabe eu era deputado da Assembleia da República, estava acomodado, estava bem, não foi fácil deixar aquele órgão para vir a esta cidade com problemas de gestão de lixo e com covas que tinha ou outros males que a nossa população hoje clama. É difícil dizer se continuo ou não continuo.

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