O jantar da Frelimo

OPINIÃO

Alexandre Chiure

Numa certa manhã, o meu chefe chamou-me ao seu gabinete e colocou-me uma questão que não esperava e que me tirou do sério. Depois da saudação da praxe, convidou-me a servir-me de uma cadeira que se encontrava em frente da sua mesa.

Directo ao assunto, perguntou-me:“Chiure, de que lado estás?” Seguiu-se um silêncio de cortar à faca na sala. Ele, à espera da minha resposta. Eu, a tentar digerir o assunto e, sobretudo, analisar o alcance da pergunta.

Depois de um exercício psicológico, entendi tudo. Na verdade, o que ele queria era saber de que partido sou, mas preferi responder-lhe como jornalista, simples contador de histórias. “Estou do lado da verdade”, rematei.

Não ficou satisfeito com o que ouviu. Para ele, tal devia-se ao facto d’eu não ter entendido a questão e foi incisivo na sua insistência:“De que partido és? Da Frelimo ou da Renamo?” Pensei que esse assunto não fosse assunto. Que tudo estava claro sobre o lado a que pertenço.

Olhei fixamente para o seu rosto durante alguns minutos. Vi nele muitas dúvidas a meu respeito, não como profissional da comunicação social, mas em relação à minha inclinação política. “É que dizem que tu és da Renamo”, afirmou ele depois de reunir coragem.

A bola voltou para o meu lado. Tinha de me explicar. Era tarefa difícil porque parecia acreditar mais no que lhe disseram do que propriamente nos argumentos que eu lhe apresentaria.

Eu até que podia ser membro ou simpatizante da Renamo ou do MDM. Não seria problema nenhum. Entender-se-ia como minhas opções políticas no âmbito do exercício democrático, mas não era o caso.

Enquanto conversávamos, o meu chefe ia agitando um envelope branco, aberto, que levava na sua mão direita. Afinal o seu conteúdo era a razão daquele cenário todo. Ele revelou-me que se tratava de um convite para um jantar com a bancada da Frelimo para o balanço de uma sessão da Assembleia da República, que acabava de encerrar.

Apesar de tudo o que falámos, nada mudou. Deixou claro que,ainda assim,não se sentia confortável com a perspectiva de ter de me mandar à referida confraternização dado o rótulo de renamista que levava nas costas.Foi o que aconteceu. Assim que abandonei o seu gabinete, chamou o meu subordinado, de quem tinha a certeza da sua filiação ao “batuque e massaroca”, e entregou-lhe o convite.

Se fiquei triste como isso? Seguramente que não. Mas confesso que a situação deixou-me muito preocupado porque, afinal, não é preciso ser membro ou simpatizante de um partido político da oposição, em particular da Renamo ou MDM, para perder oportunidades no País. Basta uma simples suspeita.

Se eu perdi um jantar por ter sido confundido com um apoiante da “perdiz”, o que será dos que se assumem como fiéis seguidores dos opositores da Frelimo?

Agora percebo porque é que alguém foi afastado do cargo de director de Construção e Urbanização do Conselho Municipal de Maputo quando, depois da sua nomeação, se descobriu que era membro da Renamo. E de Benjamim Pequenino que, apesar de bom desempenho, foi exonerado do cargo de PCA dos Correios de Moçambique pelas mesmas razões.

Como eles, deve haver outros exemplos de gente formada em várias áreas do saber e pronta a servir o País, mas a sua vida está estagnada e boas oportunidades de emprego e de ocupação de alguns cargos de chefia lhes passam ao lado,senão mesmo de promoção nas carreiras profissionais, por se terem declarado abertamente apoiantes de certos partidos políticos da oposição.

No meu caso, pensei que o meu percurso profissional de 40 anos tivesse denunciado tudo. Que os níveis de confiança que granjeio em vários círculos de poder fossem créditos suficientes e esclarecedores sobre quem sou eu.

Julgava que estava claro, desde que iniciei a minha carreira jornalística, em Junho de 1982, que o meu compromisso é com a verdade e que o facto desta estar acima de quaisquer inclinações políticas. Parto do princípio de que política é com os políticos e, nessa base, jornalismo é com os jornalistas.

Noutro dia, tomei conhecimento de que alguém seguiu os meus passos durante algum tempo. Ao serviço de quem, não sei. O facto é que o dito-cujo se meteu numa conversa comigo e disse-me, de caras, que me investigou e que não há por que se preocupar porque, afinal, tenho uma ficha limpa.

No exercício das minhas funções, primo sempre pela independência e imparcialidade. Não estou a fazer mais do que cumprir a Lei de Imprensa. A verticalidade no panorama político permite-me ter amigos na Frelimo, Renamo, MDM e noutras formações políticas.

Fico à vontade, e sem compromissos, para criticar ou dar o meu contributo para o bom desempenho do Governo, da Assembleia da República, dos partidos políticos, organizações da sociedade civil e outros sectores. Este é o meu papel como jornalista: alertar sobre coisas que não estão no bom caminho, mas também denunciar actos de corrupção, gestão danosa da coisa pública, más práticas administrativas e demais comportamentos desviantes. Esta é a minha praia e a que se pretende de todos os jornalistas. Não nos metam em politiquices. Não nos intimidem. Deixem-nos trabalhar.

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