As mulheres que estudaram incomodam os homens porquê?

OPINIÃO

 Por Honório Isaías

Minha falecida avó morreu revoltada com os seus pais, porque não a deixaram estudar. Segundo minha avó, os seus pais alegavam que os estudos a tornariam menos propensa a respeitar o marido e por conta disso não ficaria no “lar”. Hoje esta narrativa continua a imperar e a condicionar muitas famílias na sua decisão de colocar suas filhas para escola.

Eu tenho filhas na escola, mas isso não faz de mim um homem melhor do que os outros que ainda vêem problemas na escolarização das mulheres, até porque reconheço que sinto estranhas satisfações, como por exemplo, pelo facto de eu ter um mestrado e a minha esposa estar ainda a fazer a licenciatura. Não sei ao certo o que gera em mim está estranha satisfação.

Devo confessar que me dá uma certa sensação de poder, ter um mestrado enquanto minha esposa faz a sua licenciatura.  Esta estúpida sensação de prazer, se assemelha ao gozo que nós os homens temos quando mostramos as mulheres que não devem nos confrontar porque temos mais saber que elas, ou que temos mais dinheiro, ou porque somos fisicamente mais fortes.

O poder que a sociedade atribui aos homens, em algum momento é muito problemático. Todo o poder atribuído e não conquistado é penoso para quem deve o sustentar. Ser homem, o homem do discurso social, é o mesmo que aceitar o imperativo de manifestar todo o tipo de poder, inclusive a obrigatoriedade de ser mais inteligente que qualquer mulher.

Nós os homens fomos educados e ainda somos educados para entender o nosso lugar no mundo, como um lugar de absoluto poder, não comparável e nem igualável a mais nada se não à dos outros homens.

A ideia de que os estudos fazem com que a mulher não fique no “lar”, tem a ver com o fato de que, estudar significar ter ferramentas para questionar certas práticas, lógicas e atitudes. Mas sobretudo, os estudos tornam mulher, diferente da aquela que o homem está e é preparado para lidar.  A relação entre homens e mulheres é talhada no discurso social através da ideia de a mulher cegamente obediente ao homem.  Esta pré-disposição que se impõe as mulheres, gera nos homens a ilusão de que estão certos em qualquer da circunstância.  E por outro lado, a secular história de exclusão das mulheres no processo de educação escolar, cristalizou o mito segundo o qual a mulheres é intelectualmente inferior que os homens. E subsequentemente qualquer posição que ameace esta norma deve ser duramente combatida. É normal os homens acreditarem que a ascensão profissional da mulher resulta de outros atributos do que da sua competência. Mas este pensamento tem o objetivo de denegrir as mulheres retirando o foco na sua competência, e também com isso procurar legitimar o discurso de que mulher estudada é uma ameaça para estabilidade do lar.

Sei que a este ponto, alguns homens já recolheram muitos exemplos, para sustentar as velhas teses de que a mulher estudada humilha os homens. Este texto não trata de casos particulares e seria bom e corajoso da nossa parte, ganharmos um pouco de coragem e refletirmos em relação a questões estruturantes deste problema da escolarização da mulher e do medo incómodo que isso causa a nós os homens.

A educação das mulheres gera desconforto aos homens, principalmente quando ela outorga as mulheres competências e conhecimentos superiores à dos homens. Mas não é a educação que impede a mulher de estabelecer relação saudável com o seu marido. O homem não foi educado para lidar com uma mulher que entende as dinâmicas do mundo, das relações sociais e humanas, que questiona as incongruências de certas normas e valores. A mulher do homem, deve ser aquela que não questiona, ouve e vê no absoluto silêncio e na quase cúmplice aceitação de tudo que deriva da vontade suprema do homem. É esse lugar de poder absoluto que a sociedade dá que nos impede de estabelecer uma relação saudável com as mulheres.

Nós os homens precisamos entender que não podemos continuar a construir a ideia de que o nosso lugar ao lado da mulher só estará resguardado se os sinais de pretensa superioridade se manifestarem. Ter um grau académico superior da mulher, ter um salário superior da mulher e todos outros superiores que usamos para inferiorizar, dominar e controlar a mulher.

É urgente sair da armadilha em que nos meteram e que nós abraçamos a ela como se não pudéssemos ser homens dignos ao lado duma mulher escolarizada.

E porquê é difícil para nós os homens aceitar que a nossa mulher estude mais do que nós fomos capazes? Precisamos olhar para o mundo em que vivemos e entender que uma mulher escolarizada, em primeiro lugar não é uma ameaça ao homem, mas uma valência de incomensurável utilidade.  Uma mulher escolarizada, permite ao homem entender que a mulher não é um mero instrumento de satisfação do seu prazer, permite o homem perceber que tem ao seu lado uma parceira para debruçar sobre os desafios e os impasses que a vida lhes impõe, uma mulher escolarizada permite igualmente que homem se humanize, domestique os seus instintos nefastos, que aprenda a dialogar e exorcizar os seus fantasmas que procuram diabolizar sempre a mulher.

A história da relação entre homens e mulheres, sempre foi construída a partir da imagem santificada do homem e diabólica da mulher. As mulheres que estudaram e que não estão no lar, são alvos de todo o tipo de ataques, ora porque “são arrogantes e pensam que só porque estudaram podem humilhar os homens, por isso terminam sozinhas”, ora porque “nenhum homem se prestará esses desacatos. Homem algum irá aceitar uma mulher que não lhe obedece e que quer ser como homem”.

Este é na verdade o grande desafio que temos como homens, dar um novo significado ao ser homem. Redefinir a forma como nós entendemos tomando em consideração que não deve ser mais a nossa meta nos posicionar no mundo como o centro de todos os poderes, que a nossa imagem seja de grandeza em tudo, mais inteligentes, mais ricos, mais todas as coisas.

Quando entendermos que a nossa grandeza está em estarmos no mundo para facilitar que os homens e mulheres tenham mesmos direitos, reconhecer que uma mulher é acima de tudo um ser de direitos, que o gozo dos mesmos não nos torna inferiores, aí sim, finalmente teremos paz e todas as nossas energias que gastamos para impedir o progresso da mulher irão se transformar em acções que irão melhorar a nossa vida, a das mulheres e da sociedade no geral.

Espero que este texto me ajude a superar as minhas próprias fraquezas, que cada dia eu consiga entender e superar as normas sociais nocivas que estão impregnadas no meu ser, algumas conscientes outra não.

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