Caiu mais um histórico e fundador da Frelimo em meio a crise existencial do partido

POLÍTICA
  • Pascoal Mocumbi (1941- 2023)
  • PR gazeta velório de um camarada histórico

Numa altura em que a Frelimo atravessa uma crise existencial sem precedentes, o País e o partido no poder acabam de perder aquele que é descrito como um dos mais íntegros dirigentes do País. Trata-se de Pascoal Mocumbi, antigo primeiro-ministro, falecido sábado e cujos restos mortais vão a enterrar hoje, terça-feira, no Cemitério de Lhanguene, precedido por uma cerimónia de Estado, segundo decisão tomada pelo Conselho de Ministros. Entretanto, o seu último adeus não contará com a presença do Presidente da República, Filipe Nyusi, que se encontra nos Estados Unidos em missão de trabalho.

Evidêncis

Membro fundador da FRELIMO, hoje partido em crescente crise de popularidade sobretudo no seio dos jovens devido a má governação, Pascoal Mocumbi, que desempenhou várias pastas ministeriais antes de se tornar primeiro ministro durante o consulado de Joaquim Chissano, é um dos membros do partido dos camaradas mais respeitados não só nas lides partidárias, como na sociedade, sendo lembrado como um dirigente íntegro, aberto e patriota.

Em reconhecimento da sua dimensão para o País, o Governo, para além de um funeral oficial, determinou a observância de dois dias de luto nacional, contados a partir de zero hora do dia de hoje, período no qual a Bandeira Nacional e o Pavilhão Presidencial serão içados à meia haste em todo território nacional e nas missões diplomáticas e consulares da República de Moçambique.

Desde que foi anunciado o seu desaparecimento fisco, várias figuras nacionais e internacionais, incluindo antigos governantes e colegas de trincheira, não param de ressalvar os seus feitos para o país.

Joaquim Chissano, amigo de Mocumbi desde os tempos de estudante, passando pela fundação da Frelimo à governação do País, destaca os grandes feitos e lamenta o facto de não ter tido a oportunidade de concluir o seu projecto de memórias.

“Convivíamos perto, porque vivíamos na mesma zona aqui, em Maputo, em Mafalala. Casa dele era perto da minha casa. Éramos quase como irmãos. Nos momentos bons e maus da família, estivemos juntos e conheci a família alargada que ele tinha”, disse ao lembrando do também seu padrinho de casamento.

“Ainda queria conversar com ele para escrevermos as memórias, porque me parece que ele tinha a intenção de também escrever e disseram-me na família que ele tinha começado”, sustenta Chissano, dando a entender que ambos queriam eternizar momentos partilhados desde os tempos da juventude, escola, luta de libertação nacional e governação.

Já para o ex-Presidente da República, Armando Guebuza a morte de Mocumbi representa uma perda irreparável ao país de um patriota dedicado às causas nacionais e que teve um papel preponderante no país.

“Tive a sorte de conhecer Pascoal desde a juventude, há muito tempo. E acontece que frequentávamos a mesma igreja. Ele era instrutor, eu também era instrutor, um pouco mais novo. Quero apresentar, em meu nome, da minha família e em nome da Fundação [Armando Emílio Guebuza], que ele não chegou a conhecer, porque estava doente e acamado, as condolências a Adelina, aos filhos e a outros familiares por esta perda irreparável”, sublinhou.

De uma aluna que depois o substituiu no cargo, Luisa Diogo, as lembranças são de uma pessoa com um sentido patriótico profundo, pragmática, muito virada para resultados.

“Neste momento em que perdemos o nosso antigo Primeiro-ministro, Pascoal Mocumbi, o que me ocorre é que ele continua presente, porque, neste momento, não consigo pensar nele ausente, sempre está presente na minha memória e creio que vai estar na memória de todos os moçambicanos e na memória dos militantes da Frelimo”, acrescentou Luísa Diogo.

Renamo e Nova Democracia reconhecem patriotismo de Mocumbi

O reconhecimento não veio somente dos membros do partido no poder. As condolências e vénias a Mocumbi vieram de outros quadrantes da sociedade moçambicana, com destaque para a Renamo e o Movimento Nova Democracia.

Em comunicado assinado pelo seu presidente Salomão Muchanga, a Nova Democracia lembra de Mocumbi como um nacionalista consequente, um grande patriota que em vida lutou pela libertação do povo, da terra e do poder político colonial, para a instauração de uma nova ordem política.

“Mocumbi, cultor da liberdade, político afável e adulto, enquanto governante foi um homem sensível e aberto. Foi ele que Democratizou a figura de primeiro-ministro no País, dando pessoalmente conferências de imprensa todas quintas-feiras. Era também muito próximo à juventude. Dedicou sua vida a pátria e sua paixão imensurável à saúde. Ele foi fundamental para o estabelecimento do Centro de Investigação em Saúde de Manhiça (CISM), instituição que contribui bastante para a investigação sobre antimaláricos e outras doenças endémicas que enfermam o sistema nacional de saúde. A Nova Democracia rende-lhe a sua singela homenagem e considera que a vida de Páscoal Mocumbi é para ser celebrada hoje e sempre”, sublinha Muchanga.

Por seu turno, Ossufo Momade, presidente da Renamo, considera que a partida de Pascoal Mocumbi deixa um vazio enorme no País, mas também  um valioso legado que o País deve preservar.

“Foi com profundo pesar e muita consternação que os moçambicanos tomaram conhecimento do desaparecimento físico do Dr. Pascoal Manuel Mucumbi,  ocorrido ontem, vítima de doença. O Dr. Mucumbi foi um concidadão que ao longo da sua vida  notabilizou-se  na construção do Estado moçambicano enquanto servidor público, em particular como Médico, Ministro da Saúde, Ministro dos Negócios Estrangeiros e Primeiro-ministro da República de Moçambique”, descreve.

Breves notas biográficas

Pascoal Manuel Mocumbi (nascido em 10 de Abril de 1941), é um médico e político moçambicano. Licenciado pela Universidade de Lausanne, foi Ministro da Saúde de 1980 a 1987, depois Ministro dos Negócios Estrangeiros de 1987 a 1994. Foi Primeiro-Ministro de Moçambique de 1994 a 2004.

É filho de Manuel Mocumbi Malume e Leta Alson Cuhle. Iniciou os seus estudos na Missão de Mocumbi, distrito de Inharrime, província de Inhambane, África Oriental, onde concluiu o ensino básico em 1952. Frequentou o Liceu Salazar (Liceu Salazar) em Lourenço Marques. (hoje Maputo), entre 1953 e 1960. A partir do final dos anos 1950, Mocumbi foi membro do conselho de administração do Núcleo de Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM).

Em 1961, foi membro fundador da Universidade Nacional das Nações Unidas e sucessivamente secretário-geral e vice-presidente desta organização estudantil. Mudou-se para Lisboa (Portugal Continental) e inscreveu-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa em 1960 e 1961; Posteriormente, deixou Portugal por motivos políticos e matriculou-se na Universidade de Poitiers, em França, onde permaneceu até 1963.

Em 1962, Mocumbi participou na criação da FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), na Tanzânia, e no desenvolvimento dos seus estatutos, do seu programa e das suas resoluções. Em 1963, pela causa nacionalista, interrompeu os estudos e foi para a Tanzânia onde foi nomeado membro do Comité Central da FRELIMO e chefiou o Departamento de Informação e Propaganda da FRELIMO. De 1965 a 1967, foi o representante permanente da FRELIMO na Argélia.

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