Empreiteiros nacionais reclamam oportunidades que são confiadas aos estrangeiros

SOCIEDADE
  • Enquanto o Governo assume dificuldades na fiscalização das obras
  • Há corrupção e favorecimento de empresas aliadas aos governantes

Considerado um dos mais perniciosos e corruptos do País, o sector das obras públicas, e não só, vive momentos tensos. Não obstante, a cada vez indisfarçável má qualidade das obras, há uma guerra sem quartel entre os empreiteiros estrangeiros e nacionais, estes últimos que reclamam estar a perder concursos para a execução de obras para estrangeiros, alegadamente por não oferecerem garantias de qualidade. Mas o presidente interino da Federação Moçambicana de Empreiteiros, Justino Chemane, rebate e sai em defesa dos seus filiados, assegurando que têm capacidade de executar as obras que são confiadas aos estrangeiros. Na ocasião, denunciou a apatia do Governo diante da violação sistemática da soberania do País, por parte de Organizações Não Governamentais que usam a legislação dos seus países de origem na contratação de bens e serviços em Moçambique. Por sua vez, o representante do Governo reconheceu que as falhas e atrasos na fiscalização das obras deve-se à insuficiência de técnicos e localização das infra-estruturas, enquanto que o Bastonário da Ordem dos Engenheiros referiu que a fiscalização não é garante de qualidade das obras.

Duarte Sitoe

A capital moçambicana, Maputo, foi, na última semana, palco da Reflexão sobre o Sector da Construção em Moçambique. Naquele evento que decorreu sob o lema “Dinâmicas, desafios e soluções do sector da construção”, organizado pela Federação Moçambicana dos Empreiteiros, empreiteiros, engenheiros e Governo estiveram sentados na mesma mesa para procurar soluções para alancar o sector.

A qualidade das obras executadas por alguns empreiteiros nacionais ainda deixa muito a desejar. A corrupção e favorecimento de empresas aliadas aos governantes estão, de acordo com alguns empreiteiros, por detrás da qualidade das obras confiadas aos empreiteiros nacionais que nos últimos anos têm perdido espaço para os estrangeiros.

Mesmo com as recorrentes queixas do Governo, o presidente interino da Federação Moçambicana dos Empreiteiros (FME), Justino Chemane, não tem dúvidas de que os empreiteiros nacionais têm qualidade para executar obras de vulto, tendo dado exemplo das obras executadas pelos estrangeiros que não resistiram aos desastres naturais.

“As pontes e estradas feitas por estrangeiros estão aí destruídas. Por que gostar do estrangeiro e não gostar de si próprio? O empreiteiro nacional faz aquilo que está no projecto. Se o projecto já está feito não há como dizer que não tem qualidade, o fiscal deve exigir a aplicação do conhecimento de técnicas que estão no projecto. A culpa não pode ser imputada aos empreiteiros nacionais que tem a mesma qualidade que os estrangeiros. Quem está lá no sol são os moçambicanos, mas como é que dizem que são incapazes de executar as obras? ”, questionou Chemane.

Irresponsabilidade das UGEAS gera prejuízos enormes aos empreiteiros

Durante a reflexão sobre o sector da construção em Moçambique, evento organizado pela Federação Moçambicana dos Empreiteiros, a classe denunciou a falta de seriedade de algumas organizações que cancelam os concursos públicos sem prévio aviso e não ressarcem as empresas que concorreram.

“O empreiteiro recorre a banca para pagar garantias e do nada o concurso é cancelado. Para onde vai aquele dinheiro? Será que esta pessoa conhece os custos dos empreiteiros para fazer parte daquele concurso? Acho que não sabe. O banco exige garantia, ganhou ou não ganhou é seu problema. Numa obra concorrem entre 20 e 30 empreiteiros, mas no final vai ganhar só um. Hoje estamos a endinheirar os estrangeiros em massa”.

Nas entrelinhas, Justino Chemane referiu que os empreiteiros preferem abandonar as obras devido a falsidade que está instalada no sector, defendendo que os estrangeiros não podem continuar a fazer de Moçambique um país de “deixa andar”, uma vez que os mesmos continuam a usar a legislação dos seus respectivos países na contratação de bens e serviços.

“As pessoas devem entender que não podemos continuar a viver na base da falsidade ´porque quem paga com isso é o povo moçambicano, não é só o empreiteiro que tem fornecedores de material e os trabalhadores por pagar (…) As Organizações Não Governamentais que lançam obras no país ignoram as leis nacionais e usam as leis dos seus respectivos países. O processo de contratação é da lei da terra deles. Isso não é justo, estamos a fazer esforços para que? Já temos a legislação, mas eles não aplicam. Não podemos continuar a ser um país de deixa andar, não podemos estar aqui para servir a vontade dos outros”, concluiu.

Governo reconhece falhas na fiscalização das obras

Nos últimos anos, os empreiteiros têm reclamado da qualidade dos engenheiros que são lançados no mercado. O bastonário na Ordem dos Engenheiros de Moçambique, Feliciano Dias, reconheceu o facto, adiantado que os engenheiros recém – licenciados devem aprender com os mais experientes.

“A formação nas universidades é uma formação teórica neste momento. Quando os licenciados acabam o curso precisam de praticar e precisam de ter acompanhamento técnico dos mais experientes. Isso é que está a falhar em algum momento porque os jovens não estão a querer aprender, não sei se isso é psicológico ou filosófico. Nós como órgãos dos engenheiros estamos a procura de organizar estágios de forma que os mais novos possam aprender com aqueles que sabem. Os jovens são capazes, só precisam de oportunidade e acompanhamento”, disse Feliciano Dias, para depois assumir eu a fiscalização é si só não garante qualidade.

“A fiscalização não é garante da qualidade da obra, é garante de que a obra vai ser cumprida. Temos que garantir esta cadeia tenha conhecimento e experiência suficiente para levar o projecto a bom porto. Se o empreiteiro não tem experiência corre o risco de fazer o mau trabalho e se o projectista não tem experiência corre o risco de fazer um mau trabalho. São essas questões que temos que analisar”.

Por sua vez, o inspector-geral do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos, Daniel Balói legitimou as reclamações dos empreiteiros e engenheiros, tendo, por outro lado, reconhecido que o Governo tem défice de técnicos para a fiscalização das obras executadas em todo território nacional.

“A ausência de técnicos no terreno faz com que as obras sejam executadas, muitas vezes, sem seguir as normas de construção civil”, admitiu Balói.

No que ao abandono de obras por parte de alguns empreiteiros desonestos, o Inspector geral do Ministério das Obras Públicas, Habitação e Recursos Hídricos referiu que oi Executivo continua a perseguir e a responsabilizar os infractores.

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