CRED chumba plano do terceiro mandato

POLÍTICA
  • Ordens Superiores tentaram introduzir eleição presidencial por cabeça de lista na reflexão
  • Tal como alertou Evidências, adiamento das eleições distritais era só pretexto para rever mais
  • Proposta de reflexão sobre eleição indirecta do Presidente foi contestada na CRED
  • Quando o assunto foi proposto, alguns membros chegaram a ameaçar se demitirem
  • Próximos dias são cruciais para sobrevivência do plano do terceiro mandato

Na sua edição 98, o Jornal Evidências alertou de forma tempestiva que por detrás da insistência na reflexão sobre o adiamento das eleições distritais, que implicaria uma revisão da Constituição da República, está um plano visando uma revisão mais profunda, que incluirá uma mudança de modelo de eleição do Presidente da República, saindo da actual eleição directa, para uma eleição indirecta, ou seja, através de listas, o que colocaria automaticamente Filipe Nyusi, actual presidente da Frelimo por mais cinco anos, como cabeça de lista da Frelimo em 2024, abrindo espaço para um terceiro mandato que contaria como o primeiro no novo modelo. Tal como, o Evidências previu durante os primeiros dias de trabalhos da Comissão de Reflexão sobre a Viabilidade das Eleições Distritais (CRED) houve uma tentativa de incluir uma proposta para viabilizar o terceiro mandato, através da introdução na proposta de revisão da Constituição, da eleição indirecta, o que dividiu o grupo de trabalho e depois de uma ameaça de demissão de parte dos membros, acabou prevalecendo a decisão de que não obstante não constar não consta dos termos de referência e mexer mais do que a data pode gerar convulsões.

Evidências

Quando o Evidências alertou na sua edição 98 para o risco de manipulações constitucionais que consubstanciam Golpe Constitucional a luz do direito internacional, houve quem achou um grande exagero, mas à medida que o tempo vai passando vem se cristalizando a ideia de que há intenções de se rever para além de uma data na Constituição da República.

Na semana passada, vazou uma versão das constatações preliminares da CRED que desaconselha a realização das eleições distritais em 2024 por razões económicas, contudo, recomenda a manutenção do espírito da lei na Constituição da República, com uma disposição para o futuro, concretamente quando houver condições.

Os trabalhos da Comissão continuam e depois de auscultações nas províncias trabalha na compilação dos novos elementos por forma a produzir-se o relatório final dentro do prazo de 45 dias previstos.

No entanto, para quem vê uma comissão a todo gás, não pode imaginar que foi marcada um momento de grande tensão no início, quando por ordens superiores houve tentativa de forçar a introdução nos termos de referência de uma proposta para que fosse analisada a possibilidade de se alterar o modelo de eleição do Presidente da República, do actual directo, para um indirecto em que o Chefe do Estado seria escrutinado por via de uma lista.

A ideia é aproveitar a reflexão para propor essa alteração que permitiria que Filipe Nyusi, voltasse a ser elegível, num novo modelo, como Presidente da República, pois em vez de concorrer directamente seria eleito como cabeça de lista do seu partido, onde, no último Congresso foi conduzido para um mandato de cinco anos, aclamado pela OJM.

No entanto, a proposta foi chumbada não passou no primeiro teste, pelo facto dos membros da Comissão entenderem que tal extravasa aquelas que são as suas atribuições e mais grave ainda não fazer parte dos termos de referência iniciais.

E porque houve tentativa de imposição, alguns membros, oriundos da sociedade civil, chegaram a ameaçar colocar seus cargos à disposição. A posição dos membros da CRED pode representar uma machadada final à pretensão de um grupo de se manter no poder por vias pouco ortodoxas.

Um Golpe Constitucional que vem sendo ensaiado e divide a própria Frelimo

A ideia de um terceiro mandato para Filipe Nyusi foi introduzido em Maio de 2021 no Comité Central. A primeira a fazer essa insinuação foi Felizarda Paulino, membro do Conselho de Estado, que defendeu que a vitória expressiva, em 2019, cria condições para que Filipe Nyusi continue a dirigir o País até 2030.

Curiosamente foi exactamente na mesma sessão que Celso Correia, actual ministro da Agricultura e Desenvolvimento Rural e um dos elementos activos daquele órgão, evocou pela primeira vez aspectos conjunturais para propor um adiamento da eleição dos administradores distritais a partir de 2024 conforme ficou acordado no diálogo com a Renamo e consta das alterações introduzidas no texto da revisão pontual da Constituição da República, aprovada em Maio de 2018, pela Assembleia da República.

A partir daí os dois ganharam e dentro da própria Frelimo não há uma discussão sobre uma proposta de mudança dos sistema de eleição do Presidente da República para em vez de ser de forma directa, passar a ser eleito de forma indirecta, ou seja, através das listas dos partidos políticos, tal como acontece em Angola. Em Moçambique este modelo, começou a ser implementado desde 2018 para a eleição dos presidentes dos municípios e governadores de província.

Tendo sido eleito Presidente da Frelimo, no último Congresso do partido para um mandato de cinco anos, ou seja, até 2027, numa situação de eleição indirecta, Filipe Nyusi seria automaticamente Cabeça de Lista da Frelimo em 2024, sendo por isso, reeleito Presidente da República, num modelo novo e com cobertura da nova Constituição da República.

Por essa razão, há neste momento um jogo de forças dentro do partido Frelimo, com vista a travar qualquer iniciativa que possa exigir a revisão da Constituição da República. Joaquim Chissano, antigo Presidente de Moçambique, muitas vezes apontado como próximo de Filipe Nyusi, foi o primeiro a contraria-lo.

Refira-se que a concretizar-se essa alteração constitucional para acomodar o terceiro mandato, estaríamos diante de um Golpe Constitucional, um tipo de Golpe de Estado diferente do Golpe Militar, que ocorre quando membros do governo, partidos ou sectores do governo assumem o poder por meios tecnicamente legais o que, no entanto, representa uma ameaça semelhante aos golpes de Estado tradicionais, mas neste caso sem o uso de armas, mas por via da manipulação ou alterarão à constituição para assumir o poder legalmente.

 

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