- Adjudicações milionárias e com indícios de sobrefacturação para empresas de camaradas
- Dinheiro que STAE vai gastar no aluguer de 21 viaturas era suficiente para compra de 30 carros 4×4 e ainda sobrar troco
- Homem de Deus, Dom Carlos Matsinhe, defende os ímpios
Quando faltam sensivelmente seis meses para as eleições autárquicas, os órgãos eleitorais estão envolvidos numa polémica de alegado favorecimento do partido no poder. Desta feita, suspeita-se que o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral (STAE), com recurso a fundos públicos, pode estar a financiar de forma indirecta a campanha eleitoral da Frelimo, através de adjudicações de contratos milionários e com indícios de sobrefacturação a empresas de “camaradas”, alguns dos quais fortes contribuintes para a campanha eleitoral do partido governamental. Entre as adjudicações consideradas insultuosas, está a empresa Omar Rent Car, de um empresário tanzaniano tido como um dos financiadores das campanhas do partido dos camaradas que vai encaixar cerca de 88 milhões de meticais pelo aluguer de 21 viaturas todo terreno para o funcionamento dos órgãos eleitorais das autarquias em Cabo Delgado. O valor seria suficiente para a compra de património próprio, de pelo menos 21 viaturas 4×4 e ainda poupar, segundo cálculos do Centro de Integridade Pública (CIP), cerca de 4.255.000.00 meticais. Outro caso é reportado a partir da Zambézia, onde uma empresa com fortes ligações ao partido no poder vai encaixar mais de 97 milhões de meticais pelos mesmos serviços. Os receios sobem de tom, sobretudo depois de uma antiga ministra e influente membro da Frelimo ter revelado, em sede de um processo judicial, que era comum o partido aceitar o pagamento de empresários para o financiamento da campanha após serem favorecidos em concursos públicos, tal como aconteceu em 2014 com o polémico caso INSS.
Evidências
Tal como sucedeu nos últimos pleitos eleitorais, o Secretariado de Administração Eleitoral (STAE) voltou a usar critérios pouco esclarecedores para beneficiar empresas lideradas por empresários ligados ao partido no poder, naquilo que agora, é interpretado como um esquema para o financiamento indirecto da campanha eleitoral do partido Frelimo de forma indirecta.
A título de exemplo, na província de Cabo Delgado, o STAE adjudicou um contrato de 88.225.000,00 meticais (oitenta e oito milhões e duzentos e vinte cinco mil meticais), para aluguer de 21 viaturas 4X4 a empresa Omar Rent Car, empresa pertencente ao empresário de origem tanzaniana Omar Abdulla Omar.
De acordo com o Centro de Integridade Pública (CIP), o empresário Omar possui fortes ligações com o partido Frelimo e granjeia simpatias no topo da hierarquia deste partido, pois é tido com um dos financiadores das campanhas no partido dos camaradas.
Por outro lado consta que a empresa só foi registada no BR a 27 de Março de 2023, na cidade de Pemba, como atesta o BR nº 63, III Série de 31 de Março de 2023.
De acordo com uma pesquisa independente feita pelo CIP, cada uma das viaturas que serão alugadas pelo STAE na Omar Rent Car custa no mercado nacional quatro milhões de meticais, o que demonstra que se o Estado optasse pela compra de 21 viaturas 4X4 0km gastaria menos 4.255.000.00 meticais que o valor adjudicado a empresa de Omar Abdulla Omar.
Ainda na província de Cabo Delgado, Secretariado de Administração Eleitoral adjudicou três concursos avaliados em aproximadamente quatro milhões de meticais a duas empresas detidas por Bruno do Rosário Pinheiro, nomeadamente a Mussiro Investimentos e Rovuma Holdings. O referido empresário é um destacado membro do Comité Provincial da Frelimo e do braço juvenil do partido, Organização da Juventude Moçambicana (OJM) naquele ponto do país.
Quem também está na farra é a Rovuma Holdings, Sociedade Unipessoal, Lda, que ganhou um contrato orçado em 1.2 milhões de meticais para a prestação de serviço de aluguer de 14 viaturas para o transporte de equipamento de recenseamento eleitoral.
Fly Indico não precisou de ir ao concurso para encaixar 160 milhões de meticais
Para alugar um helicóptero para a movimentação de brigadas nas zonas de difícil acesso, o STAE, mesmo sem tornar público os fundamentos para esta tomada de decisão, optou por ajuste directo e a escolha recaiu, mais uma vez, para uma empresa com ligações ao circuito empresarial do partido Frelimo. Trata-se da Fly Indico, empresa que não precisou de ir ao concurso para encaixar cento e sessenta milhões e novecentos mil meticais
Segundo o BR nº 50, III Série, de 24 de Junho de 2015 – pág. 1833, a empresa Fly Indico é detida pelo empresário Miguel Ângelo dos Santos Curado Ribeiro e por Guita Canacsing Ramchande Curado Ribeiro. Em 2021, a empresa passou a contar com uma nova sócia, Margarida Oliveira da Silva.
O sócio maioritário da empresa, Miguel Ângelo Dos Santos Curado Ribeiro, já esteve nas barras do tribunal acusado de crimes de simulação e peculato no caso da CR Aviation despoletado pelo jornalista e editor do Evidências, Reginaldo Tchambule em 2016.
Zambézia na rota das “boladas” do STAE com os camaradas e STAE em blackout
Para além das adjudicações na província de Cabo Delgado, publicadas no jornal Notícias datado do dia 20 de Abril, na província da Zambézia o Secretariado Técnico de Administração Eleitoral privilegiou empresas cujos acionistas têm fortes ligações com a Frelimo.
Se em Cabo Delgado a empresa Omar Rent A Car vai embolsar cerca de oitenta milhões e duzentos e cinquenta e cinco mil meticais, na Zambézia a HJ Transporte Sociedade Unipessoal Lda prepara-se para receber um cheque chorudo de 97 milhões de meticais e oitocentos mil meticais pela prestação de serviços de aluguer de viaturas para o funcionamento dos órgãos eleitorais das autarquias.
No entanto, as empresas que concorreram no concurso nº 25E000252/CP/005-OR-EL/2023 denunciaram, segundo escreve o portal Integrity News Magazine, alegado favorecimento para empresas ligadas ao partido no poder.
Dados na posse do portal que temos vindo a citar apontam que a HJ Transporte Sociedade Unipessoal Lda, empresa que granjeou a simpatia do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, e detidos empresários com fortes ligações com o partido no poder.
Helena Taipo já havia denunciado esquema de financiamento da campanha
É comum o recurso ao dinheiro proveniente de empresas beneficiadas em concurso, fundos de investimento e institutos públicos para financiar a campanha do partido no poder.
Em 2019 no âmbito da sua defesa, Helena Taipo antiga ministra do Trabalho revelou que em 2014, na qualidade de chefe da Brigada Central recebeu cerca de 100 milhões de meticais de algumas empresas beneficiárias de concursos no INSS em apoio à campanha dos camaradas na cidade de Nampula. Na altura dos factos decorria a campanha eleitoral que conduziu Filipe Nyusi à Presidência da República.
Para provar que o dinheiro foi mesmo para o partido, segundo escreveu o Dossiers & Factos, na altura, Taipo ajuntou uma lista de compras de diverso material de campanha a favor do partido, entre viaturas, motorizadas, biscicletas, entre outros.
As viaturas de luxo zero quilómetros que foram distribuidas por quadros influentes ao nível daquela província, incluindo a famosa Land Rover apreendida pela Procuradoria-Geral da República no âmbito do processo nº 94/GCCC/17- IP, em que ela é acusada de branqueamento de capitais, orrupção passiva, abuso de cargo ou função, peculato e participação económica em negócios.
Para além dela outras 24 pessoas beneficiáram-se de viaturas de luxo zero quilómetros compradas com fundos daqueles apoios, como são os casos de Mety Gondola, na altura secretário provincial da OJM, Adelino Ivala, primeiro secretário provincial, entre outros camaradas.
A fara foi tão grande que até alguns camaradas das bases como régulos e secretários de bairros receberam viaturas. Constam ainda da lista líderes religiosos, animadores de grupos culturais, jornalistas, jovens anónimos, membros da Associação dos Antigos Combatentes da Luta de Libertação Nacional (ACLIN) e alguns quadros dos Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE) que estioveram involvidos activamente na campanha naquele ano.
Esta é uma prática comum no seio do partido dos camaradas, que, inclusivamente, tem vindo a ser sofisticada nos últimos anos, onde nos jantes de angariação de fundo, sentar ao lado ou numa mesa próxima de Filipe Nyusi chega custar, aos empresários que mamam nas tetas do sistema, alguns milhões de meticais.
Infelizmente a ambiguidade da Lei dos Partidos Políticos no capítulo sobre financiamento abre espaço para que os partidos recebam dinheiro algum dele com proveniência ilícita.
STAE fecha-se em copas e homem de Deus sai em defesa dos ímpios
Na tentativa de obter esclarecimentos sobre a adjudicação dos concursos na província de Cabo Delgado e Zambézia, o Evidências contactou o Gabinete de Comunicação e Imagem do STAE, através do colega Ernesto Zaqueu, tendo o mesmo referido que iria indicar alguém para falar sobre o assunto, mas, debalde, tal não veio a acontecer e, horas depois do primeiro pronunciamento decidiu não atender as chamadas.
A palavra do senhor em Salmos 12:8 diz que “Os ímpios andam altivos por toda parte, quando a corrupção é exaltada entre os homens”. Entretanto, o Bispo da Igreja Anglicana, Dom Carlos Matsinhe, um homem de Deus emprestado à política, aproveitou a conferência de imprensa logo após recensear-se, esta segunda-feira, para sair em defesa dos ímpios, dizendo que não há irregularidade nas adjudicações, prometendo
“Existe transparência, existe documentação e também existem motivos próprios para cada adjudicação que foi feita”, referiu dizendo que as críticas são motivadas por desconhecimento, pelo que prometeu que os órgãos eleitorais vão esclarecer tudo dentro de dias.
“São reclamações por falta de conhecimento de factos. Nós tomamos conhecimento disso e neste momento os órgãos estão a preparar-se para dar esse esclarecimento para tirar esse equívoco”, sublinhou aquele respeitado clérigo.
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