Administradores exonerados por Magala continuam a exercer mesmos actos

DESTAQUE POLÍTICA
  • Reestruturação no “mar” pariu confusão
  • Já se vão cinco meses que não cedem gabinetes e nem entregam as pastas
  • Neste momento, há em Moçambique duas autoridades (instituições) marítimas
  • Gabinete de Maleane afirma que Magala e Lídia Cardoso fizeram má distribuição de meios
  • TA diz que não possui autoridade para este processo e remeteu o caso à PGR

A apressada reestruturação da Administração Marítima (ADMA) está a gerar confusão a todos níveis, desde legal até administrativo. O ministro de Transportes e Comunicações, Mateus Magala, exonerou, em Fevereiro passado, onze (11) administradores marítimos do Instituto de Transporte Marítimo IP (INTRANSMAR), porém nove destes continuam a exercer mesmas actividades. Há mais de um mês, foram nomeados no Instituto Nacional do Mar, IP (INAMAR), tutelado pelo Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP), mas não estão a exercer actividades porque os administradores cessantes continuam a realizar os mesmos actos administrativos, como se nada tivesse acontecido. O presidente do Conselho de administração (PCA) do INTRANSMAR, Unaite Mustafa, explicou à nossa reportagem que os cessantes assumem agora funções de delegados provinciais, recorrendo aos mesmos meios.

 

A “confusão” é um mal que acompanha o Executivo de Filipe Nyusi em tudo que tenta melhorar. Depois dos falhanços e decepções na reestruturação do sector empresarial do Estado e na atabalhoada Tabela Salarial Única, agora o caos está instalado na Administração Marítima, com administradores marítimos a auferirem salários sem fazer absolutamente nada, pois os cessantes se mantém nos mesmos gabinetes, exercendo os mesmos actos administrativos.

E como se a situação não fosse por si só já inusitada, ficamos a saber que, afinal, agora tem estatutos de delegados provinciais, em claro desacato da ordem do ministro Magala.

A nível central pouco é feito para resolver o problema, mas, no terreno, os administradores nomeados estão num constante braço de ferro, lutando para exercer as competências para as quais foram confiados. Em Cabo Delgado, o caso chegou no Tribunal Administrativo, mas este encaminhou o processo ao Ministério Publico, “tratando-se este do garante da legalidade”, lê-se na nota emitida no dia 31 de Maio pelo do Tribunal Administrativo Provincial de Cabo Delgado.

Em Inhambane, o administrador marítimo cessante ordenou que todos funcionários propostos para INTRANSMAR passassem para um dos compartimentos do mesmo edifício, levando consigo todo o material do trabalho (livros, títulos, cédulas, licenças de navegação, entre outros) e deixar o gabinete do empossado vazio. Ou seja, houve entrega de um Gabinete vazio e sem nenhuma memória institucional. Noutras províncias, nem entrega do Gabinete houve, tal é o caso de Pemba.

Uma restruturação confusa

Tudo começa com a modificação do já extinto Instituto Nacional de Hidrografia e Navegação (INAHINA) e com restruturação do Instituto Nacional da Marinha (INAMAR), consumadas pelo Governo em 2019.

Dois anos depois, em 2021, o Governo cria a INTRANSMAR, o Instituto Nacional de Oceanografia de Moçambique (INOME), o Instituto Ferro Portuário de Moçambique (IFPOM) e restrutura o Instituto Nacional da Marinha (INAMAR) que passa a ser Instituto Nacional do Mar, IP (INAMAR). O INAMAR IP que antes era tutelado pelo Ministério de Transportes e Comunicações, a semelhança do extinto INAHINA, passa a ser tutelado pelo Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas (MIMAIP) e a partilhar atribuições e competências com INTRANSMAR (tutelado pelo MCT), que fica com parte das competências do INAHINA.

Para efeito de clarificação de partilha das competências e atribuições no INAMAR IP e ITRANSMAR, foi criada uma comissão composta por técnicos do MIMAIP e MCT, que vieram a “falhar por não olhar os princípios que criam as duas instituições, nomeadamente o decreto nrº  83/2021 de 18 de Outubro que cria ITRANSMAR e decreto 88/2021 de 28 de Outubro para INAMAR, IP.”

Nesta partilha, em documento enviado ano passado para Assembleia da República, assinando por 54 funcionários, lê-se que a restruturação INAMAR e criação do INTRANSMAR, IP, trás “confusão” ao incorporar matérias do MIMAIP no MCT, ou seja, da autoridade marítima ao INTRANSMAR, IP, que foi criado como regulador da actividade de transporte marítimo.

É que do Estatuto Orgânico do MIMAIP consta que este tem responsabilidade de exercer autoridade do Estado sobre o mar, águas interiores e pescas e de autorizar e fiscalizar o ordenamento, concessões, investigação e demais actividades que determinam a utilização do mar e águas interiores. É assim que se conclui que compete ao MIMAIP, através do INAMAR, IP exercer a autoridade marítima, licenciando, certificando e autorizando todo o meio que demanda a utilização do mar nos termos do artigo 03 do Decreto Presidencial nr 2/2017 de 10 de Junho que introduz alterações no Decreto Presidencial nr 17/2015 de 25 de Março.

Com base neste fundamento, há clareza que o exercício da autoridade marítima na área de segurança marítima em todo o seu domínio compete ao INAMAR, IP, em representação do MIMAIP.

Em contrapartida, o Decreto Presidencial nrº 1/2017 de 10 de Junho, atribui ao MCT a responsabilidade de exercer a autoridade do Estado nos domínios de Transporte, Portos, Aeroportos, comunicações, meteorologia e regulação, licenciamento, fiscalização e inspecção das actividades dos agentes económicos nas áreas de transporte, portos e aeroportos.

É ao INTRANSMAR que compete exercer a regulação e licenciamento das actividades de transportes hidroviários – transporte marítimo, comercial e turístico, gestão de navios, estiva, reboque marítimo e abastecimento de navios, agenciamento de navios e de mercadorias, peritagem, frete e afretamento e serviços auxiliares de estiva e cabotagem.

O artigo 3 do Decreto Presidencial nrº 1/2017 de Junho, enfatiza que a competência de “certificar e licenciar o equipamento e o material exigido para as embarcações e o material destinado ao transporte hidroviário em coordenação com outras entidades competentes”.

O material a ser certificado e licenciado é o mesmo

O ponto de discórdia, a nível de competências, centra-se no facto de que “certificar e licenciar o equipamento e o material exigido para as embarcações e o material destinado ao transporte hidroviário” é o mesmo que “licenciar, certificar e autorizar equipamento e material marítimo que demandem a ocupação e utilização dos espaços marítimo, fluvial e lacustre”, uma competência que se verifica nos Estatutos do MIMAIP.

Quer isso dizer numa linguagem simples que o material a ser licenciado e certificado é o mesmo e duas instituições concorrem para mesmas atribuições, pondo a segurança marítima em causa, uma gafe que pode manchar o país a nível internacional, visto que Moçambique é signatário da Organização Marítima Internacional (IMO), que neste âmbito reconhece o INAMAR, IP.

Neste momento, há na Administração Marítima um fluxo de documentos informativos do INTRANSMAR IP e do INAMAR em contradições diversas sobre a mesma matéria, sem nenhuma coordenação, prejudicando toda uma administração.

Por exemplo, em Tete e Gaza, os documentos são emitidos pelos administradores marítimos do INAMAR, o órgão reconhecido como autoridade marítima, enquanto que noutros portos são emitidos pelos delegados provinciais do INTRANSMAR, IP.

O “cessar funções” de faz-de-conta

Em Fevereiro passado, o ministro de Transportes e Comunicações, Mateus Magala, exarou um despachou onde cessa funções 11 administradores marítimos, visto que enquanto ministério de tutela do extinto INAHINA, competia este a nomeação de administradores marítimos, uma atribuição que agora passou para INAMAR IP.

Com exoneração dos administradores marítimos, o INAMAR IP, nomeou e empossou os seus 11 administradores marítimos, que foram distribuídos pelas várias partes das províncias com representação da Administração Marítima. No entanto, estes não estão a exercer suas actividades, com a excepção de Gaza e Tete, onde coincide que os administradores marítimos exonerados foram os mesmos nomeados. A coincidência começou mesmo na distribuição de recursos humanos, ou seja, alguns funcionários do reestruturado INAMAR e do extinto INAHINA, foram para INAMAR, IP, alguns para INTRANSMAR, IP.

Todos os administradores do INTRANSMAR que cessaram funções, não entregaram as pastas, o argumento é de que não tem pastas para entregar, alguns nem Gabinete cederam. Ou seja, continuam a exercer as mesmas funções que exerciam enquanto administradores marítimos.

PCAs do INTRANSMAR e INAMAR contradizem-se

O presidente do Conselho de administração (PCA) do INTRANSMAR, Unaite Mustafa, numa entrevista que cedeu ao Evidências para explicar o processo da criação da instituição que dirige, porém, sem aceitar gravar a conversa, explica que os exonerados exercem agora funções como delegados provinciais.

Ele exibiu o mapa de partilha de meios que antes pertenciam o extinto INAHINA e ao restruturado INAMAR, com uma assinatura conjunta dos ministros de Transportes e Comunicações, Mateus Magala e Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas, Lídia Cardoso, justificando que as infra-estruturas que permanecem com os administradores cessantes é que são do INTRANSMAR e, obviamente, não podem ser cedidos ao pessoal do INAMAR IP.

“O problema nem é este de entregar pastas”, sublinha Mustafa, argumentando que “quando dizem que em Pemba não querem entregar as pastas não é verdade, o que as pessoas vão receber não são as pastas, o que as pessoas vão receber são os recursos partilhados”.

De acordo com o PCA do INTRANSMAR, “o mesmo aconteceu com o PCA do INAMAR, IP, não recebeu pastas. Ninguém lhe entregou as pastas, recebeu funcionários, recebeu edifícios, recebeu viaturas que na lista de partilha, que os ministros decidiram e concordaram, seriam afectos ao INAMAR, IP.

“Até hoje, neste edifício, não há ninguém que vai me entregar as pastas. Eu recebo recursos que os ministros decidiram que seriam afectos ao Instituto aonde eu estou”, disse.

Mustafa explicou que os nomeados devem aceitar trabalhar com os recursos partilhados pelos ministros. O que Mustafa omitiu é o facto de essa partilha não ter tido apoio do Gabinete do Primeiro Ministro.

É que no documento que o Evidências teve acesso, assinado por Veronica Pombe, chefe do Gabinete do PM, a partilha de meios do Estado deve envolver os ministérios de Economia e Finanças e Administração Estatal e Função Pública e não se limitar nos dois ministérios.

“Constata-se que a proposta não apresenta o acto de constituição da comissão responsável para partilha dos recursos patrimoniais do INAMAR para o INTRANSMAR, IP ou o respectivo relatório, que é imprescindível para demostrar o inventário patrimonial do INAMAR”, observa o Gabinete do PM, argumentando que proposta apenas faz referência aos recursos patrimoniais, contrariando o estatuto no artigo 5 dos Decretos nr 17 e 18, ambos de 18 de Marco, os quais fazem menção a partilha dos recursos humanos, materiais, financeiros e patrimoniais, sendo para o efeito necessária a clarificação do destino a dar aos demais recursos”.

Para o PCA do INTRANSMAR o documento do Gabinete do PM, “assinado pela substituta do chefe do Gabinete” não anula o que dois ministros sentaram a e assinaram.

Já o PCA do INAMAR, IP, Isaías Mondlane, limitou-se em dizer que as melhores pessoas para falar do assunto são as que estão no terreno.

“Não estou a fazer nada, tudo são eles que fazem em obediência a ordens superiores”

No terreno a nossa reportagem falou com Aurélio Sadiana, administrador marítimo nomeado no dia 10 de Maio passado, que diz que não desde que foi nomeado não faz nada.

“Não estou a fazer nada, tudo são eles que fazem em obediência a ordens superiores”, queixou-se Sadiana, que foi quem remeteu o caso ao Tribunal Administrativo, que por sua vez remeteu o caso ao Ministério Publico.

Já o administrador marítimo da cidade de Maputo, Daniel Sitoe está a ponderar seguir o mesmo caminho de Sadiana, ou seja, recorrer a justiça.

“Se continuar assim terei também que recorrer a justiça”, enfatiza, explicando que não existe nenhum dispositivo que cria delegações provinciais do INTRANSMAR.

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