O legado de Touraine, o sociólogo dos três mundos

OPINIÃO

Luca Bussotti

Alain Touraine era um sociólogo francês representante do pensamento crítico da esquerda, mas com claras tendências democráticas e liberais, provindo de uma família abastada, burguesa. Depois dos seus estudos em história, Touraine viveu intensamente dois mundos, o europeu, com destaque para a França, e o latino-americano, com atenção especial para Chile e Brasil. Mas ele deve ser considerado como o sociólogo do três mundos, pois, além dos dois geográficos acima mencionados, atravessou a modernidade sendo um dos primeiros analistas e teóricos do pós-modernos e das suas características em parte novas com relação à sociedade industrial em que ele tinha nascido e que o tinha visto crescer como estudioso.

A sua morte, com 97 anos de idade, assinala uma perda muito relevante no pensamento sociológico e filosófico mundial. Seus primeiros interesses foram com o movimento operário e a vida dos trabalhadores, tão que ele próprio, durante um breve período, foi se empregar numa mina. Este primeiro período de estudo se conclui com as suas duas teses de doutoramento, sobre A consciência operária e a Sociologia da Ação. Embora estudando relacionamentos estruturais dentro da classe operária, desde jovem Touraine aponta a sua atenção para a necessidade de ir além dos paradigmas dominantes, sejam eles os de matriz positivistas, ainda fortemente influentes na França, ou até marxistas. O sujeito é colocado ao centro da ação social, weberianamente, embora dentro de um cenário de relações racionais no seio de um social em que cada um tem de desempenhar seus papéis.

Foi esta perspectiva e este olhar crítico que lhe permitiram captar as inovações provenientes do Maio francês de 1968, quando estudantes e operários se juntaram, originando o primeiro, revolucionário movimento social de esquerda depois do fim da segunda guerra mundial. Touraine dedicou uma obra, O movimento de Maio e o comunismo utópico, a estes novos movimentos sociais, que criticavam os partidos comunistas da esquerda, procurando reverter os hábitos sexuais, hierárquicos, morais de uma civilização que os jovens de 68 achavam ultrapassados e vetustos. E foi no ano seguinte que Touraine escreveu uma das obras mais importantes da sua longa carreira académica, A sociedade pós-industrial, prefigurando um modelo social novo, diferente do que se tinha afirmado com os processos industriais ao longo do século XX. Com a experiência polonesa de Solidarnosc, a que Touraine fica particularmente interessado, o este sociólogo formula, além de análises sobre fenómenos sociais específicos, uma nova metodologia de investigação, a intervenção sociológica, cujos princípios foram ilutrados na obra de 1978, La voix et le regarde. Aqui, Touraine procura transitar de uma explicação da ação individual à ação coletiva, estudando movimentos sociais de vária natureza, desde os ambnientalistas até os feministas.

No entanto, Touraine tinha conhecido a América Latina, onde inclusivamente teve o primeiro contacto com a sua futura esposa, a investigadora chilena Adriana Arenas, de que ficou viúvo em 1990. Com base neste conhecimento, em 1973 escreve Vida e morte do Chile popular, em seguida ao golpe de estado de Pinoché. Mantém contactos também com Brasil, tornando-se amigo do futuiro presidente e membnro da escola dos teóricos da dependência, Fernando Henrique Cardoso.

Ao longo da década de 1990 e 2000 Touraine se concentra em relfexões de cunho mais filosófico, abordando questões tais como a democracia (1994), o liberalismo e seus limites (1999), propondo um novo paradigma para compreender o mundo (2005) e o pensar diferente (2007).

Como todos os sociólogos e filósofos de raça, Touraine colocou muitas mais perguntas e interrogações do que dar respostas. A sua inquietação sobre a crise da moderniddade, mediante a recuperação do pensamento de Nietzsche e Freud, a ênfase na necessidade de um ator social individual e coletivo que saísse da restrita ótica utilitarista e positivista, afirmando-se como sujeito capaz de tomar decisões e de promover ações por si decididas e não encessariamente pre-estabelecidas fazem de Touraine um pensador que ainda confia nas liberdades e no discernimento do ser humano.

No fim, Touraine nunca deixou de ser marxista no sentido mais pleno e positivo do termo, que ele próprio resumiu numa frase famosa que ele pronunciou: “Acredito absolutamente à missão dos intelectuais, que consiste em compreender o mundo para transformá-lo”. Uma frase inspirada à XI Tese sobre Feuerbach, e que constituirá a base de toda a sua produção científica, pois “a grande qualidade do inteletual é de estar em cólera”, que sintetiza perfeitamente a vocação e o papel de quem se dedica à investigação numa sociedade moderna: a sua raiva interior para ajudar os outros a perceber o funcionamento do mundo e dos relacionamtos sociais, com a finalidade de contribuir em melhorá-los.

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