O medo da verdade que destrói e empobrece o africano

OPINIÃO

Felisberto S. Botão

A libertação das mentes do povo africano será a batalha mais dura do que a erradicação dos regimes coloniais” – Patrice Lumumba, primeiro ministro legalmente eleito da República Democrática do Congo, foi assassinado pelo governo americano, em conjunto com o governo da bélgica, a 17 de janeiro de 1961.

Numa sessão de teatro jovem que tive o privilegio de assistir, na Beira, vinha lá uma fala nos termos mais ou menos seguintes: “ouvi dizer que o branco usa feitiço para nós. O que deve ser verdade, porque se não, porquê os nossos líderes largam tudo e vão a correr para a europa, quando lhes chamam lá? Líderes que têm a nossa admiração, de repente recebem uma chamada telefónica ou lhes chamam para lá, e passam a actuar que nem zumbis, a falar mal do seu povo, a ir contra os seus pares líderes africanos, e até a mudar de opinião sobre aspectos que o levaram a nossa admiração. Mesmo depois de serem independentes, mantém e defendem os símbolos coloniais, mesmo tendo o poder de muda-los: as línguas, as fronteiras, a religião, as roupas, o sistema de educação, enfim. Se isso não é feitiço, é o quê então?

Pregue a verdade e se prepare para colher inimigos” Martin Luther King. Ninguém busca intensionalmente acumular inimigos, e muito menos eu. Mas esta máxima do King tem-se comprovado, o que também é um inibidor da verdade na sociedade, mas há uma causa maior que se deve colocar acima de tudo, “a liberdade e a sobrevivência do povo africano”, que depende desta verdade. O que fazer então?

Não falamos das nossas diferenças culturais e tribais, não falamos da nossa tradição, não falamos do feitiço, não falamos das drogas de mulheres para fechar homens, não falamos de “kukhenga” dos pais, que usam os filhos para manter riqueza ou um certo tipo de poder. Nós preferimos fazer de contas que somos um povo único, com uma cultura, a europeia, com uma língua, a europeia; e tudo o resto, que vem da diversidade da nossa origem africana, representa um desvio que nós não reconhecemos. Entendemo-nos na superfície, mas lá no fundo, estamos em guerra permanente, por conta da identidade reprimida.

Não falamos da poligamia, e muito menos do que chamamos de casamentos prematuros. São fenómenos sociais africanos que nunca mataram ninguém, pelo contrário, sempre serviram para promover o equilíbrio e a paz social. É verdade sim que em África, famílias usam suas filhas para sair da pobreza, entregando-as a homens com alguma posse, e não tem nada de errado com isso. É verdade sim que em África, homens casam-se com várias mulheres, não só por uma questão de amor, mas pela necessidade de dar oportunidade que cada mulher tenha um marido, e possa satisfazer suas necessidades biológicas com uma regularidade aceitável, num ambiente seguro, a nível físico e material. O facto de aparecerem famílias apressadas, que exageram na idade das filhas que entregam aos casamentos, ou homens que entram na poligamia sem capacidade, apenas pela ganância sexual, não retira o mérito destas práticas. Como sociedade, nós é que devemos assegurar que estas práticas sejam seguidas com integridade, correcção moral e ética, e respeito às tradições dos nossos antepassados. A narrativa ocidental veio destruir as nossas práticas, e por admitirmos essa interferência, temos hoje uma sociedade problemática, e nos questionamos “porque será”.

Não falamos do ódio inexplicável que sentimos de nós mesmos, não falamos das nossas línguas maternas que estão a cair no esquecimento, não falamos dos sacrifícios de vidas para salvar outras vidas, que sendo elementos presentes no nosso dia a dia, e a destruir-nos como um povo, são tabus. Quem disse que eram?

Não falamos dos medos de parecer racistas, de voltar aos assuntos do passado, enquanto os brancos já deixaram isso no passado. Como poderia, se os brancos deixaram de ser quando aboliram a escravatura e deram as independências? Não falamos do bullying permanente e explícito, quando um dirigente europeu vem cá e diz que vai treinar nossas forças armadas, enquanto nós sabemos que vai reforçar as condições dos insurgentes, ou quando vem doar vacinas para imunizar a nossa gente, enquanto nós sabemos que vem infectar essa gente de doenças experimentais. Até quando Deus vai dar este privilégio da sorte para continuarmos a sobreviver como uma raça? Não me diga que somos todos iguais, pois os actos em Congo mostram claramente que não somos.

Na bela e rica República Democrática do Congo (DRC), o povo está a manifestar-se e a atear fogo nas embaixadas dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e da França, com dísticos dizendo “fora, vocês são o problema”, porque não entendem porquê os líderes não agem estando tão evidente a razão de toda a sua desgraça. A liderança africana está muda, a União Africana faz discursos de praxe, e prontos…

A vida global gira em torno do homem negro e de sua terra, África. A sangrenta guerra civil na américa revolveu-se a volta da escravatura, portanto, dos negros. Igualmente, muitos assuntos da vida da sociedade ocidental revolve a volta do negro. Bolsas de ouro, mercadorias, o sistema Kimberley de certificação de diamantes, tudo cai se África sair da equação, mas estão desenhados de forma ao africano não ter acesso aos mesmos, só podendo usar o mercado negro, se desejar negociar por si. O que sustenta estes processos e sistemas, e faz parecer que são independentes da África, são as narrativas e a alta propaganda, sobre a irrelevância do negro.

Charles Caldwell, um político negro americano, assassinado por traição em 1875 por políticos democratas, serviu melhor a causa de negros americanos, que o presidente Barack Obama.

Toda gente sabe que o governo ucraniano é corrupto. O que faz de governos ocidentais mostrarem a sua real cara, pela forma desesperada e inconsequente como apoiam a Ucrânia, aliás, já não escondem que estão directamente envolvidos na guerra, com oficiais, soldados, pilotos e operadores de drones. Toda narrativa que constroem a volta deste apoio é pura propaganda, para encobrir o ódio pela competição e pela diversidade. O ocidente não tolera o bem-estar alheio, não tolera a partilha, a competição, e muito menos tolera o diferente, a ponto de usarem a Ucrânia numa guerra infeliz, para destruir a Rússia, que é diferente.

O que faz países como Nigéria, Angola e Argentina, e agora Somália, seguirem os ocidentais? Argentina suspendeu a sua entrada nos BRICS+ para agradar os americanos, e agravou a sua crise económica, que estava a receber algum suporte da China, Angola saiu da OPEP para permitir manobras americanas, e a Somália acabou de assinar acordos para construção de mais 4 ou 5 bases americanas. Como é possível isso?

Vi uma passagem de um autor que achei muito interessante, que dizia algo como, “desejo interior de proteger os mais jovens e a espécie (fazer mais da sua própria espécie), é um instinto natural. Todas as espécies bem-sucedidas fazem isso”. Notamos esse padrão nos europeus, russos, chineses e árabes. Porque é que os africanos não fazem isso e estão sempre empenhados em proteger os outros? Medo.

Na sequência deste meu questionamento, faz-me lembrar o Kim Jong Un, o líder supremo norte coreano, que alegadamente também se questionou publicamente “Pergunto-me como é que os brancos conseguiram convencer os africanos de que a poligamia é um pecado, mas a homossexualidade é um direito humano. Os africanos deveriam aprender a praticar a sua religião. Até ao dia em que os africanos começarem a praticar a sua própria cultura, nunca desenvolverão”. Apesar de ser atribuída ao Kim, e circular largamente nas redes sociais, a imprensa ocidental desmente. Mas o mais importante não é o facto de ser o Kim o autor, mas sim, esta citação corresponder a verdade africana, e evidencia o nível de alienação mental que a África se encontra. Até quando vamos reagir e sair desta prisão de mentiras?

A alienação mental e espiritual está por detrás deste comportamento africano. Muitos líderes sabem e tem consciência deste mal, mas não sabem como trazer isso à consciência colectiva do seu povo. O maior medo dos líderes africanos está nas consequências políticas de uma acção de conscientização das massas, vinda das próprias massas com a sua mentalidade alienada, e do ocidente com medo de perderem o domínio e controlo sobre o nosso povo. Precisamos de líderes que o activo político não é a sua maior aspiração, mas sim a autodeterminação do seu povo e da sua terra.

Um factor importante a ter em conta é o apego às narrativas. Muita gente entre nós, embora não seja exclusivo da comunidade negra, empenha-se em estudar e dominar as narrativas, sem se preocupar em verificar a verdade, e constroem toda a sua estrutura de conhecimento por cima desta narrativa, assumindo a mesma como um facto. As pessoas não querem se sentir excluídas, daí preferirem a narrativa comum, que a verdade dos factos.

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