VozPoBa recorre às dinâmicas de governação descentralizada para ampliar participação pública

DESTAQUE POLÍTICA
  • União Europeia dá 2.2 milhões para descentralização em 31 distritos

Através da iniciativa Dando Voz e Poder à Base (VozPoBa), a Associação de Apoio e Assistência Jurídica às Comunidades (AAAJC) está a implementar actividades de monitoria da relevância dos planos de governação e do perfil da afectação de recursos públicos em 31 distritos cobrindo 10 províncias do país, com vista a garantir que estes instrumentos de governação descentralizada reflictam os anseios da população, protegendo adequadamente os direitos dos grupos mais vulneráveis, neste caso, as mulheres, crianças, jovens e pessoas com deficiência. Em entrevista ao Evidências, Rui Vasconcelos Caetano, director executivo da AAAJ, defende que é possível ter políticas públicas inclusivas e destaca que as “dinâmicas de governação descentralizada, bem aproveitadas, podem contribuir decisivamente para mudanças positivas na vida das pessoas mais vulneráveis e na situação geral de pobreza no país”.  Apesar de ser o rosto da VozPoBa, AAAJC, que recebeu os fundos da União Europeia no montante de 2.2 milhões de dólares, trabalha com uma dezena de parceiros para tornar possível a coesão social, até em Cabo Delgado, onde o extremismo limita a presença de organizações sociais. Acompanhe a seguir os excertos mais importantes.

Evidências

São mais de dois milhões de dólares que a União Europeia enfardelou na conta da AAAJC. Onde é que se implementa este projecto?

– Deixemos os números à parte. Vamos ao projecto que está a ser implementado em todas as 10 províncias, incluindo na Cidade de Maputo, num total de 31 distritos, nomeadamente nos distritos de Marrupa, Lago e Lichinga (Niassa); Ancuabe, Mecúfi e Pemba (Cabo Delgado); Murrupula, Lalaua e Cidade de Nampula (Nampula). Já no centro, temos os distritos de Inhassunge, Ile e Quelimane (Zambézia); Changara, Doa e Cidade de Tete (Tete); Tambara, Macossa e Cidade de Chimoio (Manica) e Chibabava, Gorongosa e Cidade da Beira (Sofala).

Na região Sul, o projecto é implementado nos distritos de Govuro, Panda e Cidade de Inhambane (Inhambane); Chigubo, Chicualacuala e Xai-Xai, em Gaza; e Magude, Matutuine, Matola (Maputo província) e Cidade de Maputo. Estes 31 locais, que representam 20% do total dos distritos do país e são a base da acção para os quais estão projectados mecanismos e espaços de generalização provincial e geração de impacto nacional

Como AAAJC articula os diferentes intervenientes da acção, faz a monitoria e supervisão geral ou apenas consolida os relatórios de desempenho respondendo pelo projecto?

– Estamos a implementar actividades de relevância dos planos e do perfil da afectação de recursos públicos, para que no final do projecto os planos públicos e o perfil de afectação de recursos reflicta os anseios da população, protegendo adequadamente os direitos dos grupos mais vulneráveis, neste caso, as mulheres, crianças, jovens e pessoas com deficiência. Estamos a desenvolver competências na transparência e responsabilização nestes distritos, incluindo as capitais provinciais, para que no final do projecto, os diferentes instrumentos de orientação e respectivos processos de desenvolvimento, bem como avaliações de progresso, estejam alinhados e ser convergentes num quadro de acção acessível aos diferentes actores de desenvolvimento, com destaque para a população ao nível da base, representada pela Sociedade Civil.

Actores de base participam na fiscalização do PESOE

Temos uma nova Lei que prevê, com base no calendário produzido ao nível do distrito, as sessões de Conselho Consultivo…

– Sim, e envolvendo líderes comunitários, pessoas influentes e líderes de opinião em representação da aldeia, que numa votação aberta devem eleger prioridades locais, sob acompanhamento de técnicos do Governo, que devem consignar as escolhas da população local em acta, este exercício tem a designação “Feira de Plano”. E mais ainda, repare que a mesma Lei diz que os consensos das aldeias devem ser canalizados para a localidade para serem filtrados e depois encaminhados para o posto administrativo que, por sua vez, deve fazer a sua filtragem em conselho consultivo a este nível e os seus consensos enviados para o Conselho Consultivo Distrital. As prioridades suprimidas a cada nível devem ficar em carteira para os exercícios seguintes. A Lei prevê um modelo interessante de inclusão da base na definição de prioridades.

A AAAJC está representada em todas as províncias do país e a todos níveis, ou existem outras organizações que implementam a iniciativa como co-requerentes?

– Na verdade, à iniciativa de acção da AAAJC junta-se, como co-requerentes, a MULABA (Rede nacional de conservação e biodiversidade, com sede em Quelimane, província da Zambézia), Fórum Terra Cabo Delgado (uma organização virada ao empoderamento socioeconómico das Comunidades Rurais, com sede na cidade de Pemba, província de Cabo Delgado), AMACO (Associação Moçambicana de Apoio à Comunidade, com sede na Beira, Província de Sofala), FONGA (Fórum de ONGs de Gaza, com sede em Xai-Xai, província de Gaza), o Fórum Terra Nampula (uma organização virada para o empoderamento das Comunidades Rurais, assente na posse segura da terra e gestão sustentável dos recursos naturais, com sede na cidade de Nampula, província de Nampula), UCA (União de Camponeses do Niassa, com sede em Lichinga, província de Niassa) e a Kwaedza Simukai Manica (uma organização nacional para o desenvolvimento rural sustentável, com sede em Chimoio, província Manica).

É com estas organizações que implementam o projecto VozPoBa?

– Sim, é com estas organizações. Elas recebem o valor através de transferências directas da AAAJC e implementam as actividades em prol das pessoas mais desfavorecidas, particularmente ao nível da base, com destaque para as mulheres, as crianças, os jovens e as pessoas com deficiência.

Estão a implementar o projecto no final do plano quinquenal de governação. Como poderão medir o grau de assimilação?

– Estamos conscientes disso. Iniciamos o projecto em 2023, como ano de inserção. Neste ano, estamos a consolidar a participação cidadã. Até tem sido no geral, apresentado e debatido no Balanço do Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE), pelos Conselhos Executivos Provinciais (CEP), órgão descentralizado de âmbito provincial, tendo ressaltado as principais realizações e desafios de 2022, como parte da implementação da Estratégia Nacional de Desenvolvimento (ENDE), 2015-2030, e do Plano Quinquenal 2020-2024.

A Sociedade Civil e o Sector Privado também apresentaram avaliações qualitativas em relação a aspectos relacionados com o Balanço do PESOE e outras inquietações. Os líderes comunitários presentes deram o seu testemunho em relação à situação ao nível das suas comunidades que representam, como parte da responsabilização do executivo. Uma matriz de recomendações foi produzida, que deve alimentar as estratégias de operacionalização dos planos, mas também subsidiar o próximo ciclo de planificação pública ao nível daquela província. Com fundos do VozPoBa, foram ainda realizadas a capacitação ao Conselho Consultivo do Posto Administrativo de Nungo, no distrito de Marrupa.  E em linha com o manual de capacitação do VozPoBa, foram abrangidos o enquadramento dos Conselhos Consultivos no processo de descentralização ao nível nacional, a estrutura e o funcionamento do órgão e, o papel e responsabilidades dos membros do CC, muito em particular no que tange à representação dos interesses das suas comunidades.

Senhor director, tem havido acções de seguimento, ou fazem formação e depois deixam os capacitados à sua sorte?

– Não. Por exemplo, após a capacitação do Conselho Técnico do distrito de Nampula, foram relançados dois CC de Povoação, designadamente, o CC do Povoado de Saua Saua, e o CC do povoado de Massape (Anchilo). Estas são povoações com um número significativo de entidades associadas, e uma concentração demográfica significativa, além dum histórico e localização que conferem destaques. Aquele CC contempla as comunidades de Kavula-sede, Muassuca, Navara, Marririmue, Chalaua e Nanvuca. Um importante marco foi o envolvimento de deslocados internos vítimas do terrorismo na região norte, bem como líderes religiosos, o que proporciona uma nova projecção ao CC, como uma instituição com um potencial para contribuir para a promoção da coesão social naquela região afectada pelo extremismo violento.

VozPoBa mobiliza, prepara e apoia a participação de actores da base

Como é feito o desenvolvimento de capacidades da Assembleia Provincial de Sofala no âmbito deste projecto? Falamos assim dado que a presença de partidos de oposição naquela Assembleia é notória.

– Nós nem chegamos a pensar assim. E na verdade, no âmbito do projecto VozPoBa, implementado através da AMACO iniciou-se formalmente a sua colaboração institucional com a Assembleia Provincial de Sofala, tendo sido convidada a acompanhar os trabalhos da 9° Sessão Ordinária daquele órgão de governação descentralizada. E veja que o VozPoBa tem as Assembleias Provinciais como parte de actores chave no processo do robustecimento da prestação de contas pelo Conselho Executivo Provincial e pelos distritos, e no impulso ao processo de identificação de prioridades da população ao nível dos distritos.

O projecto VozPoBa estimula a participação das comunidades como tal, ou os Conselhos Consultivos?

– O VozPoBa mobiliza, prepara e apoia a participação de actores da base, com destaque para membros de Conselhos Consultivos. Para o caso dos distritos de Panda, Govuro e Inhambane, são essas actividades que permitiram a participação directa dos instrumentos de gestão pública de âmbito provincial, o que também pressionou o compromisso dos Governos distritais em dar o devido seguimento às prioridades identificadas nas feiras de Plano, ao nível dos Conselhos Consultivos distritais e Observatórios de Desenvolvimento dos Distritos, tendo também lançado bases para o reforço da ligação vertical que se pretende construir e solidificar com o VozPoBa.  No que concerne ao apoio e dinamização dos Conselhos Consultivos Locais, a AAAJC mobilizou e apoiou a realização da Sessão do Conselho Consultivo da localidade de Djodjo, no Posto administrativo de Urrene, distrito de Panda.

Mas foram criar Conselhos Consultivos ou foram trabalhar com os que lá estavam moribundos?

– As duas situações ocorrem. Em todo caso, a capacitação trouxe àqueles participantes da sessão importantes elementos como, os fundamentos da criação dos Conselhos Consultivos Locais, a sua estruturação e funcionamento e, acima de tudo, a responsabilidade dos membros do Conselho Consultivo, como mandatários das comunidades que representam naquele órgão. O VozPoBa relançou o compromisso dos membros daquele Conselho Consultivo de Distrito em recuperar o funcionamento do órgão, de acordo com o previsto no regulamento do seu funcionamento. Foi assim que no distrito de Govuro a sessão estabeleceu como objectivo, subentendido no seu lema, encontrar melhores formas de promover o desenvolvimento do distrito de Govuro, e em conjunto superar os desafios que o distrito enfrenta, numa abordagem assente no desenvolvimento de parcerias mais amplas e sustentáveis.

Voltemos um pouco para trás. Talvez não basta dar dinheiro aos co-requerentes…

– Acima de tudo, alocar meios financeiros às organizações co-requerentes, na base do financiamento mobilizado da União Europeia, num quadro acordado com base no volume de responsabilidades e tarefas aqui especificadas, regido por Contratos entre o requerente principal e os co-requerentes e responsáveis provinciais de implementação, bem como a alocação de fundos para a própria AAAJC com base no volume de acções de Coordenação Geral aqui especificadas e responsabilidades e tarefas sob sua responsabilidade nas províncias de Tete, Inhambane e Maputo Província e Cidade, também aqui especificadas.

Como requerente principal, deve recair sobre a AAAJC a monitoria do projecto em todas as províncias. Há resultados neste exercício?

– Há sim. Já que estamos a falar de Tete, até sobressaíram nos debates questões relacionadas com a saúde, a educação, as vias de acesso, o abastecimento de água e a agropecuária e segurança alimentar. Sob o acompanhamento de funcionários indigitados pelo Conselho Técnico Distrital, as preocupações apresentadas, tanto nas sessões de Conselhos Consultivos dos Postos Administrativos, como na sessão do Conselho Consultivo do Distrito, foram consignadas em Acta, para a consideração pelo Governo, aquando do processo de Planificação Pública e para a reorientação de estratégias de actuação. Na província de Tete, o VozPoBa seguiu em conformidade com a agenda operacional estabelecida. Após a apresentação do projecto e a sua apropriação pelas autoridades públicas da província, no dia 18 de Abril de 2023, a AAAJC providenciou assistência ao Conselho Executivo Provincial na mobilização e organização da sessão preparatória do Observatório de Desenvolvimento daquela província.

Comunidades de Gaza colocam escassez de água no topo das preocupações

Está confiante nalgum progresso na província de Gaza no âmbito de políticas de descentralização?

– Sim. É através do FONGA que se implementa o projecto “VozPoBa” na província de Gaza tendo apoiado a realização da Feira de Plano nas Comunidades de Litlatla, distrito de Chicualacuala, realizada nos moldes do Conselho Consultivo de Povoação. Em representação das diferentes povoações circunvizinhas, os participantes arrolaram as suas inquietações (aspectos relacionados com educação, saúde, abastecimento de água, fornecimento de energia, segurança pública, agricultura e segurança alimentar, e estradas) sobre as quais, num plenário participativo, efectuaram a priorização conjunta.

Pode explicar melhor?

– É assim, a filtragem e priorização foi feita por todos, de forma aberta e à base de consensos, sem passar por Comissões de Trabalho, uma vez que não estão ainda criados. A escassez de fontes de água potável marcou o assunto de destaque e uma necessidade premente, no rol das preocupações apresentadas pelos participantes. Importa notar que, a acção foi um ensaio, mas também um exercício concreto de participação da base na planificação pública local, e considerou-se um embrião para a criação de Conselhos Consultivos de Povoação, que também até à data ainda não tinham sido criados naquele distrito.

Senhor Director, permita-nos falar de Cabo Delgado. O VozPoBa trabalha naquela província?

– É preciso que todo o mundo tome conhecimento disso. O VozPoBa foi recebido como um importante baluarte logístico, além do seu papel na provisão de conhecimento aos membros dos Conselhos Consultivos dos distritos abrangidos pelo projecto na província de Cabo Delgado. Em sessões de formação, muitos membros, devidamente mobilizados e apoiados pela logística do VozPoBa, conheceram os fundamentos das IPCCs, designadamente, Conselhos Consultivos Locais, a sua estruturação e, mais importante ainda, o papel e responsabilidades dos seus membros, sustentados na LOLE e no regulamento das IPCCs, através do Decreto Ministerial.

– Que matérias trataram nessas capacitações? O povo tem tempo para ouvir descentralização no meio de terrorismo?

Ouve, sim. A capacitação assentou em matérias como a definição de Conselhos Consultivos Locais (CCL) e objectivos da sua criação; critérios de selecção dos membros, estrutura dos CCL, o papel dos membros, períodos das sessões dos CCL, feiras de plano, e comissões de trabalho, assistência técnica, aspectos a observar nas sessões e a criação de Comité Comunitário de Representação, de acordo com o Manual de Capacitação do VozPoBa.  Repare que no final da capacitação, ficaram descortinadas as obrigações e direitos dos membros dos Conselhos Consultivos (CC), bem como o funcionamento do órgão. Para muitos, foi a primeira oportunidade que proporcionou um entendimento do papel e relevância do CC, bem como das responsabilidades dos membros para com o órgão para com as comunidades de sua proveniência, que representam. Consequentemente, após a capacitação, os membros dos CC em geral reafirmaram o seu compromisso, no âmbito do VozPoBa, com um alento específico de trabalharem no sentido de transpor as dificuldades que vinham experimentando.

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