Em Moçambique, apesar dos mecanismos de denúncia, o assédio sexual continua a fazer vítimas, sendo que o grosso prefere sofrer aconchegado ao silêncio. Para acabar com este fenómeno na sociedade e, sobretudo, nos estabelecimentos de ensino, as organizações da sociedade civil, nomeadamente Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC) e Associação Sócio Cultural Horizonte Azul (ASCHA), defende a criação de uma lei contra o assédio sexual nas escolas, uma vez que a falta de um instrumento legal tem contribuído significativamente para o aumento de casos e os abusadores continuam impunes.
Esneta Marrove
Em Moçambique, o assédio sexual nos estabelecimentos de ensino não é uma ficção, é uma realidade. De acordo com um estudo levado a cabo pelo Centro de Integridade Pública (CIP), seis em cada dez alunas que frequentam o ensino superior em Moçambique já foram vítimas de assédio sexual perpetrado pelos seus docentes.
Aquela agremiação da sociedade civil refere ainda que grande maioria não chega a denunciar por temer represálias, e as poucas que têm a coragem de denunciar não encontram acolhimento de quem de direito, sendo que esta situação ocorre, não obstante o Código Penal criminalizar e prever punição contra o assédio sexual e, ao nível das instituições de ensino, existirem regulamentos que visam prevenir e combater este mal.
No ensino secundário, este fenómeno tem feito vítimas. Ana Martins (nome fictício) faz parte do leque das alunas que já foram assediadas pelos professores, tendo contado ao Evidências que para lograr os seus intentos o docente partiu nos elogios
“Ele dizia que era bonita, meu corpo parecia de princesa. E eu sorria pensando que eram só elogios, mas percebo que passava de um elogio quando ele pediu meu número dizendo que ia ligar de noite”, lembrou, para depois relatar tudo que fez para não se envolver com o seu professor.
“Um dia, ele disse que tinha que sair de casa depois das 18 horas porque queria me entregar fichas. Fui, mas ele desviou o caminho, em vez de levar-me à papelaria disse para ir à casa dele, fiquei assustada e fugi. Pela reação dele preferi contar a uma amiga, ela disse que é o comportamento dele e que ainda que eu denunciasse nada ia acontecer porque ele é professor, quem ia acreditar numa aluna. Por isso, preferi me afastar dele, cheguei a fase de não entrar nas aulas dele”.
A história de Ana é de apenas uma pequena parte das vítimas que sofrem caladas, o que faz com que os abusadores continuem a fazer vítimas porque a lei não os vai atingir.
Para Salomé Mimbiri, Coordenadora do Observatório dos Direitos das Crianças no Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança (ROSC) a ausência de um instrumento legal faz com que casos aumentem a cada dia que passa.
“Temos professores, predadores sexuais, que não respeitam os direitos das raparigas, e muitos deles usam como elemento base baixar as notas das alunas para justificar esta perseguição”.
Outro factor apontado pela activista é a desigualdade de género em relações de poder dentro das escolas, sem deixar de lado a falta de políticas contra este tipo de crime nas escolas. “Muitas escolas levam o caso como uma falha administrativa que aconteceu e não é tratado como crime, mas sim desvio de comportamento”.
Quem também defende a criação da lei que penaliza o assédio sexual nas escolas é Dalila Macuacua, directora executiva da Associação Sócio Cultural Horizonte Azul (ASCHA). No entender de Dalila, os abusadores arranjam justificações para não serem presos.
“Há quem fala de meninas provocarem os professores, o que não pode ser usado para justificar que ele saia impune, por isso o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano deve lutar para a existência de uma lei que penaliza esses abusadores de crianças, caso isso não aconteça os casos só vão aumentar e teremos uma sociedade ainda mais violenta, tendo a mulher como principal vítima”, concluiu.
Refira-se que o assédio sexual nas escolas prejudica o plano de retenção das raparigas no Sistema Nacional do Ensino.
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