Polícia Municipal acusada de apadrinhar encurtamento de rotas na Matola

DESTAQUE POLÍTICA SOCIEDADE
  • Em troca de suborno
  • Quem tem condições de pagar 35 meticais não forma fila
  • Utentes agastados com a postura dos transportadores e da Polícia Municipal 
  • Município da Matola diz que desconhece modus operandi dos seus agentes

O encurtamento de rotas no transporte público de passageiros na Província de Maputo, concretamente no Município da Matola, continua a inquietar sobremaneira os utentes. Num passado recente, a Polícia Municipal aplicava multas aos transportadores que encurtavam rotas. Contudo, actualmente, estes legitimaram o encurtamento de rotas em troca de “refrescos” e, por via disso, o povo continua a sofrer nas paragens, sobretudo nas primeiras horas do dia e na hora de ponta. Para não atrasar, os munícipes são obrigados a pagar 35 meticais numa distância que normalmente pagariam 18 meticais. Na sua versão dos factos, o Conselho Municipal da Cidade de Matola, através do responsável pelo departamento de Comunicação e Imagem, Fortunato Azafo, referiu que desconhece o modus operandi adoptado pelos seus agentes e pelos transportadores.

Duarte Sitoe

À semelhança do grosso dos munícipes da Cidade de Matola, Ana Matusse, diariamente, sai de casa com o tempo calculado para chegar à escola. Até às 06 horas, Matusse está no terminal do bairro T-3, mas tudo se estraga quando os transportadores decidem encurtar rotas sob o olhar impávido da Polícia Municipal.

Trata-se de uma prática bastante lesiva para o bolso dos munícipes, pois os passageiros chegam a pagar o dobro ou mais do valor que pagariam para chegar aos seus destinos se tivessem que apanhar apenas um único transporte.

O esquema consiste em carregar antes do terminal, ou por vezes numa paragem intermédia entre um terminal e outro. Para tal, os transportadores pautam por entrevistas com o objectivo de identificar e carregar apenas os passageiros que descem nas paragens mais próximas.

Sem muita alternativa e para não comprometerem o cumprimento dos seus afazeres, os passageiros acabam, muitas vezes, por se submeter a aquela prática exploratória, acabando por fazer as famosas ligações ou apanhar um transporte para uma outra paragem, de forma a apanhar outro carro que possa fazer chegar ao destino.

Revoltada, Ana Matusse considera inadmissível o que está acontecer no sector dos transportes na Cidade da Matola, uma vez que aquando do reajuste da tarifa de transporte público de passageiros os operadores juraram de pés juntos que o encurtamento de rotas fazia parte do passado.

“É doloroso e inadmissível o que está a acontecer no município da Matola. Os transportadores fazem e desfazem. O povo continua a sofrer nas paragens porque os transportadores continuam a encurtar rotas. Antes chegava na paragem às 06 horas e conseguia apanhar chapa para chegar a tempo na faculdade, mas agora tenho que acordar às 04 horas. Quando estavam a exigir o incremento da tarifa, os transportadores disseram que jamais iam encurtar as rotas, mas, debalde, agora percebemos que era uma falsa promessa”, desabafou Matusse.

Segundo a nossa entrevistada, nos dias em que não consegue acordar cedo é obrigada a fazer ligações, o que para ela não deixa de ser exploratório, pois cobra-se o valor inteiro a alguém que por vezes sobe o semi-colectivo na paragem anterior ao terminal, simplesmente para assegurar um espaço.

“As pessoas que têm condições não sofrem nas paragens, visto que não precisam ficar na fila. Quem tem dinheiro, ao invés de 18 meticais, paga 35 meticais. Nos dias em que não consigo sair cedo não tenho outra opção a não ser pagar 35 meticais porque a fila não anda. Infelizmente, pagamos o dobro da viagem porque não queremos atrasar. A culpa não é só dos transportadores, porque se fossemos unidos ninguém ia fazer ligações, todos estaríamos na fila e assim todos os carros iam carregar apenas as pessoas que estão nela”, protestou.

Utentes agastados com apatia da Polícia Municipal 

Nos meados do ano em curso, todos os carros eram obrigados a carregar os passageiros que estavam na fila. No entanto, nos últimos dois meses houve um relaxamento das medidas que vinham sendo adoptadas pela polícia camarária.

Com isso, os transportadores sentem-se mais à vontade para prevaricar, tendo se convencionado uma prática em conluio com agentes da polícia municipal e líderes da associação que estabelece que cada transportador possa carregar entre cinco e sete pessoas de ligações, reservando os demais oito lugares para os passageiros no terminal.

Esta situação deriva, segundo apuramos, do facto dos transportadores terem paralisado as actividades alegando que não conseguiam colectar a receita diária e, por sua vez, a Polícia Municipal viu-se obrigada a dançar a música dos Chapeiros.

Quem não concorda com esta situação são os utentes, uma vez que actualmente dá-se primazia a quem consegue pagar 35 meticais e os carros carregam apenas oito pessoas das que estão na fila, o que de certa forma torna a vida dos utentes cada vez mais apertada.

A título de exemplo, com o novo modus operandi dos transportadores, Alfredo Luís, residente do bairro Matibwana, gasta mais de 100 meticais por dia para ir à Cidade de Maputo trabalhar e voltar à casa. Por norma, devia fazer apenas duas ligações, mas às vezes chega a fazer mais de três, o que acaba duplicando os seus custos.

“Antes gastava 48 meticais para chegar ao meu posto de trabalho, mas agora sou obrigado a gastar 65 meticais. Vivo em Matibwana, pago 30 meticais para chegar ao terminal da T-3 e de lá para a cidade sou obrigado a apanhar um carro antes do terminal, simplesmente para assegurar o lugar e evitar atrasar ao serviço. Isto está insustentável. No passado ficava na fila porque os fiscais destacados pela associação dos transportadores conseguiam obrigar os transportadores a carregar os passageiros que estavam na fila, e, por via disso, para chegar ao meu ponto de trabalho pagava 18 meticais. Agora, as coisas mudaram. Por medo de atrasar, porque quando apanho carro ainda tenho que enfrentar o congestionamento da 2M, não tenho outra opção a não ser fazer ligações. Pedimos a quem de direito para resolver o problema de transporte na Matola, a maioria dos munícipes só trabalha para apanhar chapa”, desabafou, apontando o dedo acusador à polícia municipal, que, no seu entender, se demitiu do seu papel.

“Preferiram sacrificar o povo ao invés de facilitar a sua vida”

Eugênia Magaia era mais um dos tantos rostos da desilusão quando foi abordada pela nossa equipa de reportagem. A fonte não tem dúvidas de que há conivência da Polícia Municipal no esquema do encurtamento de rotas no Município da Matola.

“Os carros chegam ao terminal com sete a oito pessoas de ligações. Antes, os agentes da polícia municipal exigiam que o carro carregasse apenas os que estavam na fila, hoje as coisas mudaram. Não é normal o que está a acontecer. Quando perguntamos os porquês desta mudança dizem que os transportadores justificaram que já não conseguem angariar a receita, por isso estão na iminência de perder empregos porque o patronato não aceita justificações. Estranhamente, preferiram sacrificar o povo ao invés de facilitar a sua vida. Temos que nos unir para mudar esta situação. Durante a campanha eleitoral prometeram rios e mundos, mas agora fomos esquecidos. Não podemos viver para pagar transporte, a ida pago 35 e na volta idem. É lamentável o que está a acontecer, o presidente do Conselho Municipal é chamado a resolver esta situação.

Quem também alinha com a ideia de Eugênia Magaia é Celso Manteigas, para quem o presidente do Conselho Municipal da Cidade da Matola deve cumprir com as promessas que fez aos munícipes aquando da campanha eleitoral, começando pelo crónico problema dos transportes.

“Os nossos dirigentes devem deixar de ser mentirosos e cumprirem com as promessas que fizeram quando estavam a caçar votos. O sector dos transportes continua um caos no Município da Matola. Somos obrigados a pagar o dobro da tarifa porque não temos ninguém para fazer valer os nossos direitos. Júlio Parruque deve deixar de ficar no gabinete para viver de perto os problemas que inquietam os munícipes. Para além dos transportes, pagamos a taxa de lixo, mas nunca vimos a cor dos carros que recolhem o lixo, somos obrigados a abrir covas nas ruas para enterrar os resíduos sólidos. Precisamos de melhorias urgentes e o Conselho Municipal deve colocar as mãos na massa para o afeito”.

Polícia municipal cobra 100 meticais para fazer vista grossa aos desmandos

Um motorista do transporte semi-colectivo, que preferiu se identificar pelo nome de Ja Rule, referiu que os transportadores colocaram a polícia municipal entre a espada e a parede, tendo revelado que obrigaram-na a aceitar as ligações com ameaça de boicotar o refresco diário.

“Infelizmente, não podemos fechar os olhos a esta triste realidade. Não importa se o carro tem todos documentos, temos que pagar 100 meticais por dia aos agentes da Polícia Municipal. Foi por isso que paralisamos as actividades a exigir que aceitassem as ligações. Não é porque não conseguíamos receitas, era uma forma de mostrar que também temos poder. O povo tem razão em reclamar porque agora só carregamos seis pessoas na fila, mas devem entender que não estamos a fazer um trabalho de caridade. O combustível subiu e ainda temos que arcar com os custos de manutenção das viaturas, são estas situações que encarecem os custos de transporte em todo território nacional”, declarou.

Nas entrelinhas, Ja Rule revelou que o grosso dos autocarros pertencem aos membros da Polícia Municipal e União da Cooperativa dos Transportes da Matola (UNICOTRAMA), daí que os mesmos pouco se importam com o sofrimento do povo.

“Não é novidade que a maioria dos carros das rotas da Cidade da Matola pertencem aos chefes da Polícia Municipal. Os membros da nossa associação também têm carros. Eles é que tomam as decisões e nós obedecemos. Foi assim quando era para aumentar a tarifa, e recentemente decidiram que os carros podiam carregar ligações. O passageiro não pode olhar para o motorista e o cobrador como os patinhos feios da história”, revela.

Município da Matola diz que desconhece modus operandi dos seus agentes

Relativamente a acusação de conivência com a Polícia Municipal, a UNICOTRAMA, através de um membro que preferiu falar em anonimato, justificou que apoia o encurtamento de rotas e que tem multados os transportadores indisciplinados.

Contactado pelo Evidências para se pronunciar sobre a situação que tira sono aos munícipes da Cidade da Matola, a edilidade, através do responsável do gabinete de comunicação e imagem, Fortunato Azafo, foi parco nas palavras, tendo apenas se limitado a referir que desconhece as práticas adoptadas pelos transportadores e muito menos o envolvimento dos agentes da Polícia Municipal em cobranças.

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