Alexandre Chiure
Quase deitei lágrimas quando tomei conhecimento, através da televisão, que as tropas moçambicanas no teatro operacional norte, em Cabo Delgado, estão a passar por carências alimentares e que sobreviviam na base de sopa e papinha.
É triste saber que jovens a quem cabe a difícil e nobre tarefa de combater o terrorismo e criar condições para a retoma dos projectos de gás natural naquela província estejam a passar fome.
Fiquei profundamente chocado quando um militar que esteve a combater em Cabo Delgado me disse, em conversa, que na sua unidade tinham uma refeição por dia constituída por xima e feijão.
O mais grave ainda e lamentável é o que ouvi de um outro militar o qual ligou para um programa de televisão, todo amargurado, que debatia a situação alimentar da tropa moçambicana, e contou que na sua unidade tinham, apenas, por dia, o direito ao pequeno-almoço.
O mesmo disse que trabalhou com russos que durante algum tempo combateram o terrorismo naquela província. Explicou que estes levavam uma vida de lordes, com refeições à altura, ante a tropa moçambicana a passarem maus bocados, sem o que comer.
Disse ainda que para devido a problemas logísticos, para se alimentarem, eram obrigados a ter que sacrificar alguns animais pertencentes a populares que haviam fugido da guerra, apesar de saber que se tratava de um roubo.
Que as Forças Armadas de Defesa de Moçambique têm problemas logísticos, não é segredo para ninguém. O que nunca imaginei era que a situação tivesse chegado ao extremo de os militares passarem fome.
Já havia acompanhado que nos quartéis nacionais não há comida devido a elevadas dívidas com fornecedores que resultaram na suspensão de abastecimento, mas nunca me passou pela minha que a crise afectasse, igualmente, tropas em combate.
Nunca pensei que a situação fosse, assim, tão grave ao ponto de, no lugar de as FADM se concentrarem na missão de defesa da soberania nacional, concebendo e implementando estratégias militares para neutralizar o inimigo, estejam a perder tempo a discutir problemas de comida.
O que me espanta é que os orçamentos anuais para o sector da defesa têm estado a crescer, nos últimos tempos, para responder às necessidades financeiras do Ministério da Defesa Nacional impostas pela guerra em Cabo Delgado.
Segundo dados oficiais, de 2017 a 2023 cresceram em 50,82 mil milhões de meticais. Este ano, o orçamento subiu 42 por cento e já no primeiro trimestre tinham sido gastos cerca de 30 por cento do total.
Um sector como este que tem tido um tratamento privilegiado do ponto de vista orçamental, ao consumir acima de 20 por cento das despesas totais do Estado, avaliadas, este ano, em 542,7 mil milhões de meticais, não pode queixar-se da falta de recursos financeiros para alimentar o exército.
Pode, até, faltar dinheiro para comprar armas ou outro tipo de material bélico necessário para enfrentar os insurgentes, por tratar-se de um equipamento muito caro, mas até não conseguir garantir alimentação para os militares em combate, é muito estranho e grave.
O que é que podemos esperar, em termos de desempenho, no teatro das operações, de militares mal equipados e esfomeados? O que é que significa combater de barriga vazia? Será que, numa situação destas, há espaço para falar da bravura das FADM? Não sei, não.
Será que estamos a ser sérios connosco mesmo ao pensarmos que, apesar deste quadro negro que ensombra o sector da defesa, os jovens militares têm moral combativa no lugar? Naturalmente que não. Estamos perante uma total desgraça.
A outra coisa que me espanta é o facto de que, afinal, o fardamento militar paga-se, segundo relevações de um militar das FADM feitas ao telefone para um programa televisivo. Não basta enfrentar a fome no quartel, ainda tem que sofrer descontos para ter acesso à farda?
Se perguntar não ofende, o que é que estará por detrás da falta de comida para os militares em combate? O que é feito dos orçamentos reforçados e dedicados à defesa?
Enquanto as FADM choram por fome, os ruandeses estão a fechar contratos milionários de 20 mil milhões de dólares com a petrolífera francesa TotalEnergies para a garantia de segurança dos seus interesses em Cabo Delgado.
Em tempos, esteve-se, igualmente, a negociar com a União Europeia para a disponibilização de 20 milhões de dólares destinados a pagar os custos de operações militares ruandeses em Moçambique, com o nosso exército a servir apenas de testemunha dos negócios chorudos de Ruanda a florescerem em Cabo Delgado, com uma presença cada vez maior e assustador de tropas de Kigali.

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